Por Jorge Lucki
Termina hoje, quinta-feira, a 16ª edição da Expovinis, que se consolidou definitivamente como a maior feira de vinhos da América Latina. O evento tem crescido de forma consistente, agrupando hoje cerca 400 expositores, o que representa cerca de 15% a mais do que em 2011 - e esses aumentos vêm se repetindo ano a ano. Estão confortavelmente espalhados pelos 16 mil metros quadrados do Expo Center Norte - Pavilhão Azul, em São Paulo, mesmo local utilizado no ano passado e que havia demonstrado possuir infraestrutura condizente com a dimensão que a salão atingiu. Sem grandes problemas de trânsito e transporte para chegar ou sair, facilidade de estacionamento e climatização adequada, condições essenciais para os visitantes.
O público, estimado em 20 mil pessoas - houve 9 mil pré-inscrições, 50% a mais que no ano passado -, a maioria profissionais vindos do Brasil inteiro, está tendo um painel bastante representativo do que existe de disponível no mercado brasileiro, entre nacionais e importados, bem como outros tantos inéditos de produtores de fora. Além dos importadores, vale ressaltar a expressiva área ocupada pelas vinícolas nacionais e de representações internacionais, que, atentas à boa fase da nossa economia e do aumento do interesse por vinho do consumidor brasileiro, vêm tentando conquistar mercado com novos rótulos ou buscando melhorar ou manter sua representatividade no país. Nesse aspecto chama atenção as delegações de França, Portugal, Itália, Chile e Argentina.
Diferentemente do que acontece em estádios de futebol, em que torcidas dos times têm que ficar separadas e sob proteção policial, há uma serena convivência entre os expositores nacionais e os que trabalham com vinhos importados, o que não poderia ser diferente em se tratando de um mundo civilizado como é o do vinho. O comentário é cabível, na medida em que vivemos um período delicado em função do pedido de salvaguarda solicitado pela indústria vinícola brasileira e que tem suscitado grandes discussões no setor.
Diante das reações dos segmentos contrários a mais uma medida protecionista - mais descabida e radical que as tantas anteriores -, e temendo (mais) efeitos negativos em sua imagem perante o consumidor, o Instituto Brasileiro do Vinho havia lançado no final da semana passada a campanha "Eu digo SIM aos Vinhos do Brasil", e aproveitou seu estande na Expovinis para divulgá-la. Os simpatizantes que ali passassem receberiam um "botton" para colocar no peito com o mote da proposta. É bem verdade que o broche é pequeno e não se nota tanto, mas havia bem mais gente ostentando uma braçadeira preta com os dizeres "sou contra a salvaguarda".
Além da possibilidade de provar uma infinidade de vinhos nacionais e importados disponíveis nos estandes dos expositores presentes, a Expovinis, como de hábito, prevê em seu programa oficial uma série de degustações paralelas com foco em temas específicos, pagas à parte, conduzidas por palestrantes especialistas nos assuntos abordados. A primeira delas, realizada terça-feira no final da tarde, foi destinada a apresentar os ganhadores do "Top Ten", concurso, que se repete há sete anos e tem por objetivo premiar os melhores vinhos do evento.
Para definir os rótulos vencedores, um grupo de 12 jurados se reuniu no último fim de semana para degustar as 191 amostras recebidas. Conforme regras definidas pela comissão técnica da Expovinis, cada produtor presente à feira pode enviar dois de seus rótulos para o concurso, enquadrando-os em qualquer das dez categorias estabelecidas previamente. Algumas mudanças foram feitas este ano, sempre no sentido de refletir melhor o que existe no mercado, além de alcançar resultados mais coerentes. Assim, a primeira medida foi alterar as três categorias de vinhos brancos. Até o ano passado eram distribuídas por tipo de uva, chardonnay, sauvignon blanc e outras castas, o que, embora representasse as classes dominantes, nas quais os consumidores se baseiam na hora de escolher um vinho branco, implicava ter no mesmo painel excessiva diversidade de estilos. Desta vez, os brancos foram avaliados segundo suas procedências - nacionais, Novo Mundo e Velho Mundo -, que apresentam padrões bem mais homogêneos. As demais categorias permaneceram as mesmas: espumantes nacionais, espumantes importados, rosés, tintos nacionais, tintos do Novo Mundo, tintos do Velho Mundo e doces (licorosos e fortificados).
No que diz respeito ao processo de avaliação, o Top Ten de 2012, com o objetivo de apurar o sistema, seguiu o modelo utilizado nos concursos de maior credibilidade, como o Decanter Wold Wine Awards, promovido pela influente revista inglesa: os jurados são reunidos em grupo de seis em torno de uma mesa e avaliam a série de amostras individualmente às cegas. Em vez de meramente entregarem as notas e a média aritmética delas já definir o prêmio, como é praxe em muitas competições do gênero, os degustadores, sob a coordenação de um presidente de mesa, discutem as pontuações e os critérios adotados por cada um, o que elimina possíveis falhas de interpretação e permite, por consenso, chegar a um resultado mais justo.
Para presidir cada uma das duas mesas, foram convidados os experientes Luis Ramos Lopes, fundador e diretor da "Revista de Vinhos" de Portugal, a melhor publicação especializada na Terrinha, e Andrés Rosberg, presidente da Associação Argentina de Sommeliers, ambos com reconhecida bagagem internacional. Os jurados dispunham de um Ipad, no qual colocavam suas pontuações, que era recebida pelo presidente da mesa, que se encarregava de verificar eventuais dispersões nas notas. Caso existissem, issoera colocado em discussão dentro do grupo, possibilitando ajustes na média final de cada amostra. Vale ressaltar que a prova era feita às cegas.
O rigor, este ano, não parou por aí. As amostras recebidas em cada categoria eram divididas pelas duas mesas, que elegiam, numa primeira fase as três melhores. Os seis vinhos eram degustados novamente no dia seguinte, agora em conjunto pelos 12 jurados, ocasião em que era definido o vencedor.
Cabe enaltecer, além do excelente trabalho dos jurados - além dos dois presidentes de mesa citados, compuseram o júri, José Luiz Alvim Borges (presidente da ABS-SP), Gustavo Andrade de Paulo (ex-presidente e atualmente diretor da ABS-SP), Jorge Carrara ("Prazeres da Mesa" / site Basilico), José Luiz Pagliari (Sbav-SP / Senac-SP), José Maria Santana (revista "Gosto"), Ricardo Farias (presidente da ABS-RJ), Marcio Oliveira (Sbav-MG e editor do Vinotícias), Roberto Gerosa (portal IG e responsável pelo Blog do Vinho), Mauro Zanus (Embrapa-RS), e Celito Guerra (Embrapa) -, o irrepreensível sistema informatizado em rede, desenvolvido com pela WineTag, que permitiu simplificar e agilizar o trabalho dos jurados, possibilitar uma perfeita comunicação com os presidentes de mesa e o processamento das notas finais, definindo em seguida, automaticamente as classificações.
A WineTag (www.winetag.com.br) é, numa primeira abordagem, uma rede social de vinhos que tem como objetivo democratizar o acesso à informação. Reúne várias experiências virtuais em um só espaço: avaliações pessoais (são mais de 12 mil opiniões de usuários), rótulos de vinhos (mais de 31 mil cadastros), fóruns de discussão, sugestões de combinações de pratos com vinhos (publicados em parceria com canal Receitas do iG), artigos e opinião de especialistas, informações sobre regiões, lojas, eventos e restaurantes. Ou seja, o vinho cumpre seu ciclo completo: da compra até a degustação, passando pela harmonização. A parte social é exercida pela avaliação publicada e compartilhada na rede.
Para acompanhar o usuário, que hoje vive conectado, a rede também foi para os celulares (iPhone e Android) e restaurantes (iPads), substituindo o cardápio impresso. O software é utilizado hoje por mais de 60 restaurantes e está integrado à rede social. Através do tablet, é possível acessar o menu e a carta de vinhos do local, com sugestões de harmonizações feitas pelo restaurante, e escolher os vinhos por regiões, uvas e até mesmo pelo preço, o que confere um aumento no poder de escolha do consumidor. Os clientes podem ainda ler as opiniões deixadas por outras pessoas e fazer suas próprias avaliações a respeito de determinado rótulo ou experiência com a casa e a comida.
Depois de um trabalho intenso e uma disputa acirrada, o resultado está na tabela que acompanha esta coluna.
É de se imaginar que muitos expositores fiquem em dúvida sobre qual vinho colocar para ter chance de sucesso, em particular importadores que têm um bom portfólio. O nível elevado de boa parte dos rótulos recebidos demonstra que há essa preocupação e, em princípio, é inviável estabelecer critérios flexíveis que permitam premiar mais de uma amostra por categoria. E mereceria, especialmente aquelas muito concorridas, caso da dos espumantes nacionais, tintos nacionais, tintos do Velho Mundo e tintos do Novo Mundo, que continham 26, 31, 36 e 23 rótulos, respectivamente, mas também das demais, rosés (10), brancos nacionais (18), brancos Novo Mundo (5), brancos Velho Mundo (19) e fortificados/doces (13).
Em todo caso, pelo menos no que se refere aos vinhos nacionais, foi programada para ontem à tarde uma degustação aberta ao público para mostrar vinhos que se posicionaram logo abaixo dos premiados, dando, inclusive, oportunidade aos presentes de concordar ou não com a escolha do júri. Outra sessão premium, realizada ontem à noite, foi dedicada ao Chile, com vinhos de primeira grandeza para mostrar a grande diversidade e qualidade de sua produção vinícola. Foram provados os vinhos Tamaya Chardonnay Reserva 2010, Tamaya Chardonnay Reserva 2010, Clos de Fous Chardonnay 2008, Casa Marin Estero Vineyard Sauvignon Gris 2010, Morandé Edition Limitada Sauvignon Blanc 2010, Mayu Syrah Reserva 2009, Tamaya Winemakers Selection Syrah 2010, Malbec 2009 Loma Larga, Doña Dominga Gran Reserva Andes Vineyard Carmenere 2010, Viejas Tinajas Cinsault 2011, e Seña 2008.
Na sala ao lado, reservada aos expositores, várias apresentações interessantes foram e estão sendo realizadas.
Quem estiver em São Paulo ou a tempo de chegar, ainda é possível acompanhar alguma delas. Vale, em particular, a que mostra o renovado cenário vitivinícola da Puglia, o "salto da bolta" da Itália. A região tem hoje um arsenal de vinhos muito interessantes, que vem crescendo muito em termos de expostações. Serão degustados 14 vinhos, 8 à base de negro amaro e 6 elaborados unicamente com primitivo.
colaborador-jorge.lucki@valor.com.br
Fonte: Valor Econômico (26.04.12)