São Paulo desistiu de lutar contra a repartição do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do comércio eletrônico com os Estados de destino. A posição deixa a bancada paulista isolada, porque o resto do país e o governo federal querem a aprovação da proposta. A avaliação é que o desgaste político não valeria a pena, já que a perda anual para o Estado, segundo cálculos enviados pela Secretaria da Fazenda aos senadores, seria de, no máximo, R$ 1,4 bilhão, o que representa apenas cerca de 0,6% da receita tributária de São Paulo.
Diante da ampla maioria no Senado favorável à partilha do ICMS do comércio eletrônico (o chamado "e-commerce") entre o Estado de origem do produto e o de localização do comprador, a bancada paulista na Casa mudou a estratégia. Insistirá na realização de audiência pública para discutir a medida, mas votará a favor. Outra decisão é apresentar emenda ao substitutivo de Renan Calheiros (PMDB-AL), assinada em conjunto pelos senadores Aloysio Nunes Ferreira (PSDB), Marta Suplicy e Eduardo Suplicy, ambos do PT.
Segundo informações da Secretaria da Fazenda - calculadas com base nas três propostas de emenda à Constituição (PEC) em tramitação na Casa e encaminhadas aos senadores -, o impacto na arrecadação do ICMS do Estado com a mudança nas regras do comércio eletrônico pode variar de R$ 400 milhões a R$ 1,4 bilhão, dependendo da proposta adotada. No pior deles, a perda anual (de R$ 1,4 bilhão) representaria apenas 0,6% da receita tributária de São Paulo.
Além de o impacto ser considerado pequeno, a Secretaria da Fazenda aponta, em nota técnica, um ponto de vista "estratégico" da aprovação da PEC: "Pode ser viável como uma forma de equacionar conjuntamente outras questões federativas que também afetam a atual estrutura de distribuição de receitas tributárias e não tributárias entre os Estados, tais como a questão da uniformização das alíquotas interestaduais, a divergência sobre a distribuição dos 'royalties' de petróleo e a determinação dos critérios de partilha do Fundo de Participação dos Estados (FPE)."
Segundo o discurso adotado pelos paulistas, o Estado reconhece que as compras pela internet cresceram muito nos últimos anos e, portanto, é justo que o ICMS seja dividido entre o Estado que vende a mercadoria e aquele à qual o produto é destinado, ou seja, onde mora o comprador. Pelas regras atuais, previstas na Constituição, o Estado de origem da mercadoria retém toda a arrecadação do tributo. São Paulo é o maior beneficiado, já que detém 60% das vendas nesse tipo de comércio, segundo dado do relator.
O substitutivo de Renan altera o artigo 155 da Constituição para que o ICMS sobre operações e prestações realizadas por meio eletrônico ou outra forma não presencial (por correspondência ou telefone, por exemplo) seja repartido entre os dois Estados envolvidos, quando o destinatário for pessoa física, contribuinte ou não do mesmo imposto. Caberá ao Estado onde mora o comprador a maior parte - a diferença entre a alíquota interna do ICMS e a interestadual.
Por exemplo: quando o Estado que vende a mercadoria é do Sul e do Sudeste (à exceção do Espírito Santo) e o do comprador fica nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste (e o Espírito Santo), o de origem da mercadoria fica com 7% e os de destino, menos desenvolvidos, com 10%.
A emenda dos paulistas - que foi protocolada apenas por Nunes Ferreira, mas será reapresentada com as assinaturas dos dois petistas - faz duas alterações no texto. A primeira delas é para permitir que a nova regra seja aplicada também nos casos em que o consumidor final, localizado em outro Estado, for pessoa jurídica. O texto de Renan faz referência apenas aos compradores pessoa física. "Existem pessoas jurídicas que não são contribuintes finais de ICMS, mas são compradores de mercadorias nessa modalidade, como os bancos", diz Nunes Ferreira.
A emenda também amplia as operações em que o ICMS deve ser repartido entre os Estados, para incluir aquelas compras em que o produto se destina a outro Estado, mas o comprador está presente. Pelo substitutivo de Renan, ficariam de fora, por exemplo, vendas realizadas em "showroom" em um Estado, quando a empresa vendedora se localiza em outro. Pela proposta dos senadores paulistas, o texto ficaria assim: "Nas operações e prestações que remetam bens ou destinem serviços a consumidor final, localizado em outro Estado, aplicar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual."
O governo federal tem pressa na aprovação da PEC. Na reunião de amanhã, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Eunício Oliveira (PMDB-CE), pretende primeiro colocar em votação um requerimento dos paulistas pedindo realização de audiência pública sobre as novas regras de tributação do "e-commerce". Há votos para derrubar o requerimento e a realização de audiência pública só será possível se houver acordo.
Se o requerimento for rejeitado, a PEC poderá ser votada na amanhã mesmo. Mas, se a decisão for pela realização de audiência pública, a votação ficará para a semana seguinte. Pelos cálculos do líder do PT, Walter Pinheiro (BA), havendo audiência pública e, depois, emendas na fase do plenário, a proposta deve ser votada pela Casa, em primeiro turno, no dia 30 de maio.
"Isso complica a vida da gente", diz Pinheiro. Como se trata de PEC, há um rito especial de tramitação, com prazos que só podem ser suprimidos se houver acordo de líderes. O segundo turno seria em meados de junho. Depois do Senado, a proposta ainda irá para a Câmara, onde precisa ser votada em dois turnos.
O governo está preocupado com o calendário de votação do Congresso, por causa da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Congresso do caso Cachoeira, do recesso parlamentar de julho e das eleições municipais, que esvaziam Câmara e Senado a partir de agosto. Pinheiro defende a necessidade de se aprovar neste ano, ainda, a mudança no indexador da dívida dos Estados com a União e as novas regras de rateio do Fundo de Participação dos Estados (FPE) - que, por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), teriam de estar aprovadas até dezembro.
Por Raquel Ulhôa | De Brasília
Fonte: Valor Econômico (08.05.12)