Atualmente, o consumidor paga, em média, R$ 0,12 de PIS/Cofins para cada litro de etanol que adquire na bomba; outros R$ 0,55 referem-se a ICMS
O governo trabalha em um novo pacote de medidas para retomar a competitividade da indústria nacional do etanol. Conforme apurou o Valor, as ações planejadas pela União envolvem desde a redução de impostos cobrados sobre os investimentos para a ampliação da produção do combustível até a retirada de tributos que elevam o preço final do biocombustível vendido nos postos.
O plano é reduzir ou até mesmo zerar a cobrança de PIS/Cofins que hoje incide sobre o etanol. Atualmente, o consumidor paga, em média, R$ 0,12 referentes a esses dois impostos para cada litro de etanol que adquire na bomba. Outros R$ 0,55 referem-se ao ICMS faturado pelos Estados. A redução dos tributos federais também pode envolver o Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI). Com a queda do IPI sobre equipamentos, o governo quer incentivar a abertura de novas unidades de produção. "Vamos tornar mais barata a produção do etanol. Essas medidas estão em estudo e queremos que saiam o mais rápido possível", disse à reportagem uma graduada fonte do governo.
A realização de leilões específicos para a compra da energia elétrica gerada pelo bagaço da cana, um pleito antigo do setor sucroalcooleiro, também está em análise. O governo estuda se há espaço para realizar um leilão no qual a biomassa da cana concorra somente com as térmicas a gás e óleo. Dessa forma, seria retirada do leilão a geração eólica, que tem apresentado preço bem mais competitivo e, por isso, teria um pregão à parte.
Os detalhes do novo pacote de incentivos estão sendo esmiuçados pelos ministérios de Minas e Energia (MME) e pela Fazenda. O governo admite que perdeu a mão na liderança mundial que detinha nessa indústria e está disposto a tomar decisões para recuperar o espaço perdido.
A desoneração é vista como um salto importante para recuperar a competitividade de uma indústria que está sufocada em dívidas de US$ 42 bilhões. Esse estímulo fiscal, no entanto, é apenas parte da solução, avalia Antonio de Padua Rodrigues, diretor-presidente interino da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), que representa empresas do setor. "É realmente uma medida muito positiva para o curto prazo. Tudo que for feito para melhorar a competitividade entre o etanol e a gasolina é um benefício. Só não acredito que ela atraia novos investimentos. É preciso que haja uma política clara do que o governo espera do etanol para o futuro, para 2020, e que ações serão usadas para isso, não importa o preço do petróleo."
O governo sustenta que não está parado, vendo o setor ruir. Do ano passado para cá, a União tomou quatro medidas para tentar proteger e ampliar a indústria nacional do álcool. Por meio do BNDES, passou a oferecer linhas de financiamento para estocagem de produção. O mecanismo ajuda a resolver o problema de fluxo de caixa das usinas. Até então, um produtor que não estava capitalizado precisava vender grandes volumes de etanol no período de safra para pagar todos os custos de sua produção. Essa situação gerava uma oferta grande do combustível em determinado período, o que reduzia o seu preço de mercado. O crédito permite que o produtor tenha dinheiro para pagar suas despesas e, assim, fracione a venda ao longo do ano.
Outra ação na área de estocagem diz respeito à nova regulamentação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que passou a obrigar que os distribuidores firmem contratos com as usinas para compra anual do álcool anidro, aquele que é misturado à gasolina. Pela regra, até abril de cada ano o setor tem que comprar 70% da produção e outros 20% até setembro. A intenção é garantir uma previsibilidade mínima para as usinas, o que não existia até o ano passado.
A estocagem de etanol é um dos principais pleitos da indústria. Essa garantia, no entanto, ainda está restrita ao álcool misturado à gasolina, enquanto o etanol (álcool hidratado) segue sem previsão de estocagem anual. "Hoje falta esse contrato de longo prazo para dar uma garantia maior ao setor", afirma Rodrigues.
Para incentivar novos investimentos, o BNDES criou um programa para financiar a renovação e ampliação dos canaviais, outro problema grave enfrentado pelo setor. A idade média do canavial brasileiro hoje é de sete anos, o que resulta em baixa produtividade. No plano ideal, a idade média varia entre três e quatro anos.
Com orçamento de R$ 4 bilhões, o "Prorenova" tem a expectativa de revigorar 1 milhão de hectares de cana por ano. Cerca de R$ 1 bilhão desse recurso já foi contratado pela indústria. Uma quarta medida também encampada pelo BNDES oferece crédito de até R$ 1 milhão por ano para pessoa física produtora de cana, grupo que hoje é responsável por 30% da produção nacional.
"São medidas importantes, mas ainda há muita burocracia no BNDES para a tomada do financiamento. Além disso, não se recupera um canavial de um ano para o outro. São cinco anos para ter uma área inteira renovada", diz Rodrigues. O diretor da Unica lembra ainda que a redução de IPI pode ter um efeito marginal sobre o setor, uma vez que o Brasil tem o domínio total da tecnologia aplicada ao biocombustível e é, inclusive, exportador desses equipamentos.
O governo tem sido criticado pela indústria por impor tributos ao etanol, enquanto subsidia a gasolina. Pelos cálculos da União, não é o que de fato acontece. Para cada litro de álcool vendido no país são cobrados, em média, R$ 0,67 de impostos, enquanto na gasolina esse custo total sobe para R$ 1,02. A diferença da carga tributária se mantém mesmo quando considerada a quilometragem rodada por cada tipo de combustível. Para cada 100 quilômetros percorridos com gasolina, o consumidor paga, em média, R$ 8,93 de impostos, enquanto a taxa aplicada sobre o etanol nesta mesma distância é de R$ 6,94. "O governo está disposto a rever seus tributos, mas é importante que se entenda que não há subsídio nenhum à gasolina em detrimento do etanol", diz uma fonte do governo.
A oferta limitada do etanol não é explicada somente pelo aumento da frota de carros flex no país. A competição com o açúcar, a quebra consecutiva de safras, o crescimento lento do plantio de cana e a falta de políticas de incentivo estão por trás do estrangulamento. O Brasil já teve 60% de sua cana destinada para produção de etanol. Hoje esse percentual é de 51%.
Por André Borges e Tarso Veloso | De Brasília
Fonte: Valor Econômico (31.05.12)