Pela norma da Anvisa, o consumidor terá de apresentar receita até para comprar anti-inflamatórios e pílulas anticoncepcionais.
A exigência de receita médica para a compra de remédios com tarja vermelha causou polêmica nesta quinta-feira (31), em audiência pública da Comissão de Seguridade Social e Família. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já exige prescrição médica para a compra de medicamentos de tarja vermelha, como anti-inflamatórios e hormônios (pílulas anticoncepcionais e repositores), mas, na prática, a medida não é aplicada pela maior parte das farmácias. A agência estuda a implementação de mecanismos mais rigorosos para impedir a venda desses medicamentos sem receita, incluindo mais fiscalização e a aplicação de penalidades para quem descumprir a norma vigente.
O deputado Geraldo Thadeu (PSD-MG), que solicitou a audiência, critica a exigência. Para ele, a regra prejudica o consumidor, ao obrigá-lo a pagar por consulta médica para obter a receita. Além disso, segundo o parlamentar, o sistema de saúde público brasileiro não está preparado para essa determinação. "Cerca de 30 milhões de mulheres usam pílula e, se todas tiverem que ir ao médico e obter receita para comprar a medicação, o Sistema Único de Saúde (SUS) não suportará a demanda", argumenta.
Segundo a gerente-geral do Núcleo de Gestão do Sistema Nacional de Notificação e Investigação em Vigilância Sanitária da Anvisa, Maria Eugênia Cury, a agência classifica os medicamentos em três categorias: sob prescrição (com tarja vermelha); sob prescrição com retenção de receita (antibióticos e psicotrópicos, como antidepressivos e ansiolíticos, por exemplo); e isentos de prescrição (analgésicos, por exemplo). Os medicamentos com tarja vermelha exigem a apresentação de receita, sem que ela seja retida pela farmácia. Maria Eugênia disse que é preciso que as exigências atuais sejam de fato cumpridas, para evitar a automedicação e o uso inadequado dos medicamentos. "Não podemos negligenciar o que já está definido", destaca.
De acordo com dados apresentados pela Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais (Alanac), dos 160 milhões de anti-inflamatórios vendidos no último ano, apenas 2 milhões tinham prescrição médica. Dos 9 milhões de pílulas do dia seguinte vendidas no mesmo período, 6 mil foram com receita médica. Dos 132 milhões de hormônios (repositores e anticoncepcionais) vendidos durante esse período, apenas 806 mil tinham receita.
Antibióticos
A representante da Anvisa explica que, no caso dos antibióticos, foi implementada em novembro de 2010 a obrigatoriedade de retenção da receita médica, porque as farmácias ignoravam a exigência de prescrição para a venda desse tipo de medicamento. Conforme Maria Eugênia, desde a implementação da medida, a venda de antibióticos caiu.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 2/3 dos antibióticos utilizados no mundo são usados sem prescrição médica e mais de 50% das prescrições de antibióticos são inadequadas. Além disso, a OMS estima que aproximadamente 50% dos antibióticos são administrados desnecessariamente.
Fiscalização
O presidente da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), Sérgio Mena Barreto, defende a retenção de receita médica para a compra de antibióticos, porém ressalta que falta fiscalização da medida. Conforme dados apresentados por ele, um ano depois da implantação da medida, a venda de antibióticos caiu cerca de 18% nas redes de farmácias e, nas farmácias independentes, caiu apenas 2%. "Isso quer dizer que temos dois Brasis: um que segue a regra, outro que não segue a regra", afirma. Para ele, é necessário equacionar o problema da dificuldade de obter receita médica por grande parte da população.
O diretor técnico da Alanac, Henrique Uchio Tada, também se preocupa com a falta de acesso da população aos serviços médicos. "Há estados do Brasil em que há menos de um médico para cada mil habitantes, como o Maranhão, em que a proporção é de 0,48 médicos por mil habitantes", disse. Segundo ele, há concentração de profissionais nos estados mais populosos e capitais. Em Brasília, por exemplo, há 4 médicos para cada 1.000 habitantes. Tada ressalta ainda que 144 milhões de pessoas ou 75% da população brasileira dependem exclusivamente do SUS.
Para o presidente do Conselho Consultivo da Associação da Indústria Farmacéutica de Pesquisa (Interfarma), Jorge Raimundo, a aplicação imediata e generalizada da regra, para todos os medicamentos de tarja vermelha, é "impossível" no sistema de saúde brasileiro. Ele defende a aplicação paulatina, por categoria de medicamento. "A Anvisa deveria analisar que categorias de remédios podem ser isentas de tarja vermelha e quais de fato apresentam risco sanitário", sugeriu. A representante da Anvisa afirmou que a agência está aberta ao debate.
Reportagem - Lara Haje
Edição - Natalia Doederlein
Fonte: Agência Câmara de Notícias (31.05.12)