Os planos de recuperação judicial de empresas em dificuldade econômica devem, como em qualquer outro contrato, ter conteúdo compatível com a lei. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao aplicar esse entendimento, manteve uma decisão que anulou cláusula do plano de recuperação da Companhia Brasileira de Açúcar e Álcool, aprovado em assembleia-geral. O dispositivo dava amplos poderes à empresa para revisar ou até rescindir contratos já existentes.
A Agrícola Santa Olga, juntamente com outros credores, entrou na Justiça de São Paulo com um pedido de cancelamento da assembleia de credores ou declaração de ineficácia dessa cláusula do plano de recuperação.
O advogado José Alexandre Corrêa Meyer, do escritório Rosman, Penalva, Souza Leão e Franco Advogados, que defende a agrícola, afirma que a possibilidade, apesar de ter sido aprovada em assembleia, era prejudicial à sua cliente e a outros credores minoritários. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) aceitou o pedido da agrícola e anulou a cláusula do plano. A Companhia Brasileira de Açúcar e Álcool recorreu ao STJ. A 3ª Turma da Corte, porém, negou o pedido.
Segundo Meyer, esta é a primeira vez que o STJ analisa o tema e o resultado mostra a tendência da Corte em privilegiar a decisão da assembleia de credores, apesar de ter mantido a anulação da cláusula questionada. "Muitos planos são concebidos apenas com a preocupação de buscar a adesão da maioria dos credores, mas poucos se importam com o aspecto legal", diz. Ele acrescenta que agora os advogados terão que prestar mais atenção nos aspectos legais dos planos que elaboram.
A ministra relatora do processo, Nancy Andrighi, afirma em seu voto que a obrigação de respeitar o conteúdo da manifestação de vontade dos credores não impede o Judiciário de promover um controle quanto à licitude das providências decididas em assembleia. "A vontade dos credores, ao aprovarem o plano, deve ser respeitada nos limites da lei", afirma a ministra.
Para o advogado Gilberto Deon, do escritório Veirano Advogados, a decisão foi acertada. Ele entende que a assembleia deve ser soberana, mas não ao ponto de autorizar ilegalidades que supram deveres.
Júlio Mandel, do escritório Mandel Advocacia, elogia a decisão por ter o tribunal julgado ineficaz a cláusula, mas mantido todo o plano, sem revogar a concessão da recuperação. Segundo ele, isso é importante para dar segurança jurídica. Por ser o primeiro caso julgado pelo STJ nesse sentido, ele acredita que essa é uma tendência que deve ser seguida pelo tribunal. "A decisão reafirma a autonomia da decisão das assembleias, a não ser que existam ilegalidades", afirma o advogado.
Segundo o advogado Fernando De Luizi, do escritório que leva o seu nome, esse caso é muito mais "assertivo" do que outros vistos no Judiciário, pois apenas a cláusula que fere algum princípio jurídico foi anulada e não todo o plano.
Em decisões recentes, o TJ-SP anulou por completo os planos de recuperação de duas empresas. Nos dois casos, algumas cláusulas haviam sido questionadas por credores e o tribunal decidiu que novos planos fossem elaborados e submetidos novamente às assembleias de credores, sob o risco de decretação de falência. Os casos analisados pela Câmara Reservada à Falência e Recuperação do TJ são da Cerâmica Gyotoku e da Decasa Açúcar e Álcool, ambas de São Paulo.
O advogado que defende a Companhia Brasileira de Açúcar e Álcool, Joel Luís Thomaz Bastos, do Felsberg Advogados, afirma que, em um primeiro momento, a empresa não deve recorrer da decisão. Segundo ele, o entendimento do STJ não impacta no plano de recuperação.
Por Zínia Baeta | De São Paulo
Fonte: Valor Econômico (05.06.12)