O superendividamento dos consumidores brasileiros deve receber atenção dos juristas responsáveis pela reforma do Código de Defesa do Consumidor. Por outro lado, eles também devem atentar para não "tutelar demais" o tomador de crédito. A preocupação, do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, do Superior Tribunal de Justiça, é que uma reformulação da lei permita "excessiva discricionariedade" aos juízes e o sentido da jurisprudência fique baseado apenas em critérios subjetivos.
Cueva alerta para as medidas anticíclicas anunciadas pelo governo, todas incentivando o consumo, principalmente a prazo. Entretanto, não houve reduções nas taxas de juros ao consumidor praticadas pelos bancos. Isso pode levar, segundo o ministro, a uma interpretação de que os contratos que levaram os brasileiros a contrair superdívidas são, por definição, abusivos.
A taxa de juros das operações ativas de crédito pessoal de abril deste ano foi de 44,66%. Em março, foi de 48,75%, e em abril do ano passado, 49,86%, segundo dados publicados mensalmente pelo Banco Central.
Já a taxa básica de juros, definida pelo Banco Central por meio da Selic, ficou em 0,71% em abril deste ano. No mesmo mês do ano passado, ficou em 0,84%.
O efeito prático, analisa Cueva, é que os bancos, sabendo do risco que será ir ao Judiciário por conta de um contrato de empréstimo, aumentem os juros ainda mais. Ou que os consumidores, sabendo que as chances de ganhar um processo judicial são grandes, contraiam cada vez mais dívidas, aumentando a inadimplência.
"Não estou dizendo que isso vá acontecer, e nem digo que a jurisprudência do tribunal é nesse sentido, mas devemos nos preocupar", disse Cueva nesta segunda-feira (4/6), durante palestra no Congresso Internacional de Direito Bancário, do Instituto Nacional de Recuperação de Empresas (Inre). Por isso, argumenta, "não podemos permitir um excessivo paternalismo numa nova lei dos consumidores".
"Conquista civilizatória"
A palestra do ministro Villas Bôas Cueva está longe de significar desgosto com o anteprojeto de reforma do CDC, que hoje é elaborado por uma comissão de juristas capitaneada pelo ministro Herman Benjamin, também do STJ. Cueva considera o projeto "muito bom" e de "muitas virtudes". Apenas alerta que "é preciso ponderar".
Só o fato de haver preocupação com as taxas de juros, concessão a crédito e superendividamento, diz, já é "uma conquista civilizatória". A solução para que a lei não represente "excessiva tutela do consumidor" é investir na transparência.
O consumidor precisa saber, na opinião do ministro, o custo do dinheiro para o país, o valor do Spread bancário (diferença entre a taxa de juros cobrada dos tomadores de crédito e a que ele paga em seus investimentos). "É preciso saber o risco envolvido nas operações de crédito, para definir os critérios dos juros."
Por Pedro Canário
Pedro Canário é repórter da revista Consultor Jurídico.
Fonte: Conjur - Consultor Jurídico (04.06.12)