A Pfizer se livrou de uma autuação fiscal de aproximadamente R$ 22 milhões no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) ao convencer a maioria dos conselheiros de que calculou corretamente o Imposto de Renda (IR) e a CSLL ao aplicar regras do preço de transferência. Foi a primeira vez que o órgão considerou ilegal e afastou o cálculo previsto em uma instrução normativa (IN), editada em 2002, para adotar a fórmula de uma lei de 1996. Apesar de apenas regulamentar a lei, a instrução normativa teria, segundo advogados, elevado consideravelmente a tributação para as empresas que importam produtos e insumos de suas coligadas no exterior.
A decisão de turma ainda poderá ser revertida pela Câmara Superior do Carf, última instância administrativa. Mas tributaristas a consideram um importante precedente para cancelar autuações milionárias e mudar uma trajetória de decisões desfavoráveis para as empresas. Em cinco outros casos sobre o assunto julgados anteriormente, a IN foi considerada legal.
Segundo advogados, a complexidade dos cálculos tornava difícil convencer os conselheiros de que a metodologia prevista na IN nº 243, de 2002, é mais onerosa que a da Lei nº 9.430, de 1996. "É fato que a IN extrapolou a previsão legal e majorou os tributos", afirma a advogada Mary Elbe Queiroz, do Queiroz Advogados Associados. Para formular seu recurso, a Pfizer contratou o Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (USP) para provar, na ponta do lápis, que seria onerada com as novas regras da Receita.
No julgamento, a relatora do caso, conselheira Lavínia de Moraes Almeida Nogueira, considerou a instrução normativa ilegal por arbitrar o valor agregado dos produtos no Brasil, o que não é previsto em lei. Dois conselheiros seguiram seu voto, inclusive o conselheiro Eduardo de Andrade, representante da Fazenda Nacional. Ele afirmou que a norma trouxe "conceitos diferentes" dos previstos em lei. Dessa maneira, decidiu afastá-la por entender que é possível extrair uma fórmula de cálculo da lei. Apenas os conselheiros Marcos Mello e Luiz Tadeu Matosinho não votaram com a relatora.
Segundo advogados, enquanto a lei prevê a aplicação do percentual de margem de lucro sobre o preço de revenda do produto, a instrução normativa teria estabelecido que o mesmo percentual deve ser aplicado sobre o valor agregado ao produto no Brasil. "Chega-se a um preço de transferência menor, mas a base de cálculo do IR e da CSLL aumenta", diz Flávio Eduardo Carvalho, do Souza, Schneider, Pugliese e Sztokfisz Advogados. Pelo preço de transferência, são estabelecidos percentuais de margens de lucro de insumos ou produtos envolvidos nas operações com coligadas no exterior. O objetivo é evitar que empresas brasileiras façam remessas de lucro para fora do país para recolher menos impostos.
A Pfizer foi autuada em 2002 por suposto erro no cálculo do IR e CSLL ao contabilizar as receitas com venda de medicamentos fabricados a partir da importação de princípios ativos patenteadas por uma controlada. Ao seguir a regra da lei, a indústria farmacêutica aplicou o percentual de 60% - exigido para operações de industrialização - sobre o preço de revenda.
No mesmo julgamento, o Carf manteve outra autuação - de R$ 18 milhões - decorrente de importação de remédios prontos para embalagem no Brasil. Nesse caso, os conselheiros entenderam que, por ser uma etapa da industrialização, a empresa deveria ter aplicado o percentual de 60% ao invés de 20%, exigida para as operações de revenda. Entretanto, os advogados da empresa afirmam que o valor da cobrança deve ser reduzido "consideravelmente" com a aplicação do cálculo previsto em lei.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) vai recorrer da decisão. Na defesa, o procurador Moisés de Sousa Carvalho sustenta que a redação da lei permite a construção de mais de uma fórmula de cálculo, e que a forma estabelecida pela Receita foi a mais adequada para atingir o objetivo das regras do preço de transferência, ou seja, evitar a remessa mascarada de lucros para o exterior. "A IN é uma interpretação possível da lei, não vai além dela", diz.
Para tributaristas, o argumento dos contribuintes sobre a ilegalidade da IN ganhou força com a edição da Medida Provisória nº 563, no início de abril. Isso porque a norma - que alterou as regras do preço de transferência - trouxe vários critérios de cálculo previstos na instrução normativa. "Isso deixa claro que a IN é ilegal. Precisaram editar uma medida provisória para alterar a lei", afirmou o advogado da Pfizer, José Roberto Pisani, do Pinheiro Neto Advogados, durante o julgamento. O tributarista Flávio Carvalho concorda. "É uma chance de a tese ser rediscutida e chegar à Câmara Superior com um entendimento desfavorável à Fazenda."
Por Bárbara Pombo | De São Paulo
Fonte: Valor Econômico (06.06.12)