Depois de muito relutar, o Banco Central fechou parecer favorável à prática de preços diferenciados pelo comércio nos pagamentos feitos pelos consumidores em dinheiro ou com cartões de crédito. Na avaliação da autoridade monetária, numa economia com a inflação sob controle, não há por que proibir os comerciantes de darem descontos à clientela quando receberem à vista. O mesmo entendimento tem o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que enxerga, na diferenciação de preços, maior concorrência no mercado de cartões, além da garantia ao consumidor de poder de barganha nas negociações junto aos lojistas, com descontos que podem chegar a 10%.
No governo, a única resistência está no Ministério da Justiça, que tem o apoio dos órgãos de defesa dos consumidores. Essas entidades alegam que a diferenciação de preços fere a legislação, entendimento que não tem encontrado amparo em decisões recentes nos tribunais. A última delas, referente à ação movida pelo Sindicato dos Lojistas do Comércio de Belo Horizonte (Sindlojas-BH). No entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, "não se revela abusiva nem tampouco ilegal a prática de preços diferenciados (pelo lojista), porque, a se entender o contrário, o prejudicado maior será o próprio consumidor que, então, estará privado da possibilidade de conseguir menor preço, caso opte por pagar na forma menos onerosa para o vendedor".
Em parecer técnico do Departamento de Operações Bancárias e de Sistema de Pagamentos, o BC sugere que o Ministério da Justiça reavalie seu entendimento sobre o assunto. No documento, a autoridade monetária ressalta que a diferenciação trouxe "ganho social" aos países que a adotaram. "O Banco Central não vai regulamentar isso, pelo menos por enquanto, mas entende que a livre diferenciação é benéfica à sociedade", disse ao Correio um graduado técnico do BC. "Os consumidores não precisam pagar as taxas cobradas dos lojistas pelas operadoras nem arcar com o custo dos comerciantes de só receberem as compras 30 dias depois. Com o pagamento à vista, ganham os lojistas e os clientes", acrescentou.
O técnico explicou, no entanto, que o assunto só poderá ser levado adiante com uma revisão de entendimento pela Secretaria Nacional do Comércio (Senacon), órgão ligado ao Ministério da Justiça. "Não será necessário mudar o Código de Defesa do Consumidor, porque isso não está disposto na lei. O que tem que alterar é o entendimento que a Senacon tem da legislação", contou.
O tema ganhou destaque com a realização na semana passada de uma audiência pública na Câmara que tratou do mercado de cartões de crédito no Brasil. Na ocasião, o presidente da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), Cláudio Yamaguti, evitou posicionar-se contra à liberação da cobrança diferenciada, mas alertou que "qualquer mudança abrupta pode ter impacto para o consumidor". O executivo também representou a Redecard na audiência, empresa que detém, junto com a Cielo, 90% do mercado brasileiro de maquininhas que processam as transações.
Batalha jurídica
O debate em torno do assunto teve início em 2000, quando os cartões começaram a abocanhar relevante fatia no total de pagamentos feitos no comércio brasileiro. À época, a maior parte das transações era feita com dinheiro e, por essa razão, os custos não eram totalmente embutidos nos preços dos produtos. Foi a partir do momento em que os lojistas começaram a cobrar uma taxa extra, que variava entre 10% e 20% sobre as operações, que o governo se viu obrigado a formalizar entendimento contrário à prática de preços diferenciados.
Com a imensa utilização do cartão de crédito, esse quadro se inverteu e, praticamente, todos os lojistas passaram a embutir nos preços dos seus produtos os custos com as maquininhas. "A consequência foi que uma medida, que se amparava no Código de Defesa do Consumidor, passou a prejudicar o próprio consumidor", afirmou Cácito Esteves, advogado da Confederação Nacional do Comércio (CNC).
Contrária à medida, a Proteste ressaltou que a diferenciação de preços é abusiva e ilegal. "O lojista diz que tem que cobrar uma taxa para trabalhar com cartão, mas cabe a ele negociar com a credenciadora o custo dessa operação", disse a coordenadora institucional da entidade, Maria Inês Dolci. O mesmo entendimento tem a Senacon que, em nota, assegurou: a prática viola o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor. A multa para quem desrespeitar a regra varia entre R$ 400 e R$ 6 milhões.
Fonte: Correio Braziliense (10.07.12)