Os Desembargadores da 9ª Câmara Cível mantiveram, por unanimidade, a condenação da rede de Hotéis O. S/A e do S. B. de Hotéis a indenizar danos moral e material a duas hóspedes que tiveram objetos pessoais furtados do quarto do hotel enquanto tomavam café da manhã.
Caso
As autoras ingressaram com ação de indenização por danos materiais e morais contra Hoteis O. S/A e S. T.. Afirmaram ter programado viagem de turismo ao Rio de Janeiro, no período entre 26/2 e 5/3/2009. Utilizando os serviços da S., contrataram hospedagem no Hotel C. O. Classic.
Durante a estadia, no dia 2/3, no salão do hotel onde é servido o café da manhã, enquanto dirigiam-se ao buffet, perceberam que a chave o quarto, que haviam deixado sobre a mesa, havia sido subtraída. Afirmaram que imediatamente contataram os funcionários do hotel, solicitando auxílio e providências. No entanto, foram subtraídos documentos, joias e dinheiro que estavam no quarto.
Relataram com detalhes os eventos ocorridos a partir daí, atribuindo desrespeito e descaso ao hotel, destacando que o fato resultou na antecipação em dois dias do retorno a Porto Alegre, gerando danos morais, que devem ser indenizados, além dos danos materiais.
Hoteis O. S/A contestou apontando excludente de responsabilidade alegando que o fato decorreu de culpa exclusiva das vítimas. Disse que os bens indicados pelas demandantes como subtraídos não foram declarados ao hotel, logo não lhe cabe responsabilidade sobre eles. Afirmou, ainda, não terem ocorrido danos morais e requereu a improcedência dos pedidos.
A S. T. sustentou sua ilegitimidade passiva, pedindo a extinção do processo em relação a si. No mérito, alegou a total ausência de provas dos fatos alegados pelas demandantes. Disse que, dentre os hotéis que possui em seu cadastro, são os associados que escolhem o de sua preferência. Sustentou, ainda, que nada contra si foi apontado, inexistindo nexo de causalidade entre os danos e sua eventual conduta.
Sentença
Em 1º Grau, a sentença foi pela condenação solidária dos réus ao pagamento de indenização por danos morais, para cada uma das demandantes, na quantia de R$ 5.450,00, valor a ser atualizado monetariamente, e danos materiais que, somados, totalizam R$ 683,91, corrigidos monetariamente.
Inconformadas com a decisão, as partes apelaram ao TJRS.
Apelação
Ao julgar o recurso, o Desembargador Tasso Caubi Soares Delabary, relator, lembrou que se a relação entre as partes estiver submetida às normas do Código de Defesa do Consumidor (CDC), os causadores dos prejuízos são solidariamente responsáveis pelos danos.
Além do que, em relação ao hotel demandado, é induvidosa sua responsabilidade (solidariamente com a agência de turismo) pela subtração dos pertences dos hóspedes, mesmo que não estejam dentro do cofre disponibilizado pela hospedaria, diz o voto. Trata-se de verdadeiro contrato de depósito, nos termos dos artigos 932, IV, e 649 do Código Civil.
Na avaliação do Desembargador Tasso, não é possível considerar como mero dissabor da vida cotidiana ter seus pertences subtraídos de um quarto de hotel. "Notadamente na época das férias, em que as pessoas buscam justamente o descanso e a tranquilidade para se afastar dos problemas que as atormentam durante o restante do ano", observou. "Além de todo o constrangimento natural diante de tais fatos, o dano está potencializado por ter causado a interrupção do período que seria dedicado a atividades de lazer e descanso, diversamente de ter de ir registrar boletim de ocorrência e vivenciar situação de constrangimento, dor e indignação."
Com base nesses fundamentos, os Desembargadores da 9ª Câmara Cível aumentaram o valor da indenização por danos morais para R$ 9 mil para cada uma das autoras. Além do relator, participaram da sessão de julgamento, os Desembargadores Leonel Pires Ohlweiler e Paulo Roberto Lessa Franz.
Processo: Apelação nº 70047687900
Segue a íntegra do Acórdão:
APELAÇÃO CÍVEL NONA CÂMARA CÍVEL
Nº 70047687900 COMARCA DE SANTA MARIA
HOTEIS OTHON S/A (CALIFORNIA OTHON CLASSIC) APELANTE/APELADO
SISTEMA BRASILEIRO DE HOTEIS, LAZER E TURISMOS APELANTE/APELADO
ROSANE FATIMA TISSIANI
APELANTE/APELADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao recurso das rés e dar parcial provimento ao apelo das autoras.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ (PRESIDENTE) E DES. LEONEL PIRES OHLWEILER.
Porto Alegre, 27 de junho de 2012.
DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY,
Relator.
RELATÓRIO
DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY (RELATOR)
De saída, adoto o relatório da sentença:
"ROSANE FÁTIMA TISSIANI propôs ação indenizatória por danos materiais e morais contra HOTEIS OTHON S/A (CALIFÓRNIA OTHON CLASSIC) e SB TUR - SISTEMA BRASILEIRO DE HOTEIS, LAZER E TURISMO.
Narraram terem programado viagem de turismo no período entre 26/02/2009 e 08/03/2009. Utilizando os serviços da segunda demandada, contrataram hospedagem junto ao Hotel Califórnia Othon Classic, na cidade do Rio de Janeiro, com previsão de entrada em 26/02/2009 e saída em 05/03/2009.
Relataram que, no dia 02/03/2009, por volta das 09h40min, no salão do hotel destinado onde é servido o café da manhã, enquanto dirigiam-se ao buffet, perceberam que a chave o quarto, que haviam deixado sobre a mesa, havia sido subtraída. Imediatamente contataram os funcionários do hotel, solicitando auxílio e providências. Não obstante, foram subtraídos documentos, joias e dinheiro que estavam no seu quarto.
Discorreram, detalhadamente, os eventos ocorridos a partir de então, imputando desrespeito e descaso ao hotel demandado, gerando danos morais, os quais devem ser indenizados.
Ao final, postularam a condenação das demandadas ao pagamento de indenização pelos prejuízos materiais de R$ 22.947,85 (vinte e dois mil, novecentos e quarenta e sete reais e oitenta e cinco centavos) Rosane Tissiani e, de R$ 4.257,95 (quatro mil duzentos e cinquenta e sete reais e noventa e cinco centavos) para Maria de Lourdes Bordinho. A título de danos morais, pediram a condenação das demandadas ao pagamento de quantia não inferior a 50 salários mínimos para cada uma.
HOTÉIS OTHON S/A contestou às fls. 68/94. Em resumo, apontou excludente de responsabilidade porque o fato decorreu de culpa exclusiva das vítimas. Disse que os bens indicados pelas demandantes como subtraídos não foram declarados ao hotel, portanto, não lhe cabe responsabilidade sobre eles. Atacou o pedido de danos morais, afirmando não terem ocorrido. Requereu a improcedência dos pedidos.
SB TUR - SISTEMA BRASILEIRO DE HOTEIS, LAZER E TURISMO apresentou resposta nas fls. 95/146. Em resumo, sustentou sua ilegitimidade passiva, pedindo a extinção do processo em relação a si.
No mérito, alegou a total ausência de provas dos fatos alegados pelas demandantes. Disse que, dentre os hotéis que possui cadastrados no seu banco de dados, são os associados que escolhem o de sua preferência. Sustentou, ainda, que nada contra si foi arguido na peça inicial, inexistindo nexo de causalidade entre os danos e sua eventual conduta. Discorreu sobre a inexistência de danos morais e, no fim, pediu a rejeição dos pedidos.
Proferida decisão rejeitando a ilegitimidade passiva (f. 147). Realizada audiência de instrução e julgamento, foram tomados os depoimentos pessoais das demandantes e ouvida uma testemunha (fls. 172/173). Juntado o termo de audiência de oitiva de testemunhas deprecada à Comarca de Rio Grande - RS (fls. 189/190 e 213/221).
Vieram os memoriais das demandantes (fls. 223/226).
Relatado."
Sobreveio sentença de parcial procedência do pedido nos termos do dispositivo, verbis:
"Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por ROSANE FÁTIMA TISSIANI contra HOTEIS OTHON S/A (CALIFÓRNIA OTHON CLASSIC) e SB TUR - SISTEMA BRASILEIRO DE HOTEIS, LAZER E TURISMO, para efeito de:
a) condenar os demandados, solidariamente, ao pagamento de indenização por danos morais para cada demandante, na quantia de R$5.450,00. O valor deverá ser atualizado monetariamente a contar desta data e acrescido de juros de mora de 1,0% ao mês, contados do trânsito em julgado da decisão;
b) condenar as demandadas ao pagamento de indenização por danos morais na quantia de R$328,98, para MARIA DE LOURDES BORDINHÃO, e de R$354,93 para ROSANE FÁTIMA TISSIANI. Deverá incidir correção monetária pelo IGP-M/FGV, desde a data dos desembolsos, bem como juros de mora de 1,0% ao mês, contados da citação.
Considerando a sucumbência recíproca, cada partes arcará com metade das despesas do processo, bem como com os honorários dos advogados da parte contrária, fixados em R$1.000,00, para cada polo processual, não compensáveis (Estatuto da Advocacia, art. 23)."
Opostos embargos de declaração, foi corrigido o erro material da sentença para constar na aliena "b" a condenação por danos materiais. Em seguida, inconformada com a decisão, a ré, Hotéis Othon S.A., interpôs recurso de apelação. Em suas razões, após um breve relato da causa, afirmou a ausência de responsabilidade a ensejar o decreto condenatório que lhe foi imposto uma vez que afirma a culpa exclusiva das vítimas em face da falta de cuidado com a chave do quarto, além do que afirma ter disponibilizado e recomendado o uso de cofre eletrônico pelas autoras. Além disso, combateu o valor dos danos morais fixados na sentença, entendendo elevado e postulando a sua redução sob pena de enriquecimento indevido da parte contrária. Ao final postulou a reforma da sentença, inclusive com a compensação da verba honorária.
A ré, SBTur - Sistema Brasileiro de Hotéis Lazer e Turismo, da mesma, recorreu da sentença aduzindo, por seu turno, ilegitimidade passiva para a causa, ao argumento que os fatos se desenvolveram no hotel demandado, tendo se limitado a transferir os créditos das autoras como pagamento de diárias. Ao depois, alegou a ausência de dano moral e combateu o valor estabelecido por entender elevado, requerendo ao final o julgamento de total improcedência do pedido.
Os recursos das requeridas foram recebidos no duplo efeito (fl. 262).
As autoras, a seu turno, igualmente recorreram da sentença, unicamente, objetivando a majoração do quantum indenizatório a título dos danos morais e materiais. Argumentaram os transtornos vivenciados e os prejuízos sofridos em decorrência da atuação das requeridas, postulando a elevação dos valores arbitrados pela sentença e a condenação das rés à integralidade das custas do processo e honorários advocatícios.
Recebido o apelo das autoras (fls. 278), aportaram as contrarrazões de recurso aos apelos das requeridas (fls. 280/286 e 287/294).
Após distribuídos os autos nesta Corte, vieram-me conclusos, oportunidade em que foi determinada a reabertura de prazo para apresentação das contrarrazões pelo réu Hotéis Othon S.A.
Em seguida, aportada a resposta, vieram-me os autos para julgamento.
É o relatório.
VOTOS
DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY (RELATOR)
Eminentes Colegas!
Prefacialmente, ao exame dos pressupostos de admissibilidade, nenhum reparo há a considerar. Os recursos apresentados são próprios, aportaram tempestivamente e todos acompanhados dos respectivos preparos. Portanto, aptos a serem conhecidos.
Em relação ao mérito dos apelos, como visto do relatório, as rés objetivam ver afastada a condenação que lhes foi imposta, inclusive a co-demandada SBTur reclamando a sua ilegitimidade passiva, ao passo que ao recurso das autoras visa, unicamente, a majoração do quantum indenizatório.
Esses os termos da matéria recursal a qual passo ao enfrentamento, iniciando pela preliminar recursal de ilegitimidade passiva agitada pela ré SBTur.
E, a respeito disso, tenho que melhor sorte não lhe favorece. Isso porque estando a relação entre as partes submetidas às normas do Código de Defesa do Consumidor, são solidariamente responsáveis pelos danos sofridos os causadores dos prejuízos (art. 25, § 1º, CDC), aí incluída a empresa de turismo que intermediou a contratação referente à hospedagem.
A este respeito já decidiu esta Corte:
RESPONSABILIDADE CIVIL. PACOTE TURÍSTICO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA AGÊNCIA DE TURISMO. NÃO VERIFICADA. SOLIDARIEDADE ENTRE A AGÊNCIA E A EMPRESA RESPONSÁVEL PELO PACOTE. FALTA DE RESERVA NO HOTEL ELEITO. INADIMPLEMENTO. CONSTATADO. DANO MORAL. CONFIGURADO. FIXAÇÃO DO QUANTUM. CRITÉRIOS. Tanto a agência de turismo quanto a empresa que veicula o pacote de viagem são partes legítimas para figurar no pólo passivo da demanda em que se discute o inadimplemento do contrato firmado. Prestadoras de serviços que se mostram solidárias na responsabilidade indenizatória (art. 14 c/c 7º, parágrafo único, do CPDC). (...). (Apelação Cível Nº 70019145465, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Sérgio Scarparo, Julgado em 25/04/2007)
RESPONSABILIDADE CIVIL. PACOTE TURÍSTICO. DESCUMPRIMENTO DO CONTRATADO. CDC. DECADÊNCIA. NÃO-INCIDÊNCIA. CASO DE PRESCRIÇÃO. (...). AGÊNCIA DE VIAGEM E COMPANHIA DE VIAGEM. LEGITIMIDADE PASSIVA E SOLIDARIEDADE. É objetiva e solidária a responsabilidade entre todos os fornecedores de serviços que intervenham na relação jurídica estabelecida entre consumidor e fornecedor. Inteligência dos arts. 18 e 25, ambos do CDC. (...). (Apelação Cível Nº 70012454864, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 23/02/2006)
Como se vê, afastada a ilegitimidade passiva, em relação à prova dos danos, os elementos dos autos são suficientes para confirmar a condenação imposta na origem, tanto em relação aos danos materiais como morais.
A propósito, a respeito da solidariedade entre a agência de turismo e o hotel demandado, permito-me colacionar precedente de vanguarda de relatoria do eminente Min. Ruy Rosado de Aguiar, decidido por maioria de votos pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça:
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Responsabilidade do fornecedor. Culpa concorrente da vítima. Hotel. Piscina. Agência de viagens. - Responsabilidade do hotel, que não sinaliza convenientemente a profundidade da piscina, de acesso livre aos hóspedes. Art. 14 do CDC. - A culpa concorrente da vítima permite a redução da condenação imposta ao fornecedor . Art. 12, § 2º, III, do CDC. - A agência de viagens responde pelo dano pessoal que decorreu do mau serviço do hotel contratado por ela para a hospedagem durante o pacote de turismo. Recursos conhecidos e providos em parte. (REsp 287849/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, julgado em 17.04.2001, DJ 13.08.2001 p. 165)
E do v. voto extrai-se:
O contrato firmado entre as partes corresponde a um "pacote turístico", compreendendo três dias, com transporte, hospedagem e alimentação.
Nos termos do art. 14 o CDC, o fornecedor responde pela segurança dos serviços prestados.
Na nossa experiência na aplicação dos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor às companhias operadoras de turismo é ainda limitada. Os precedentes que conheço versam sobre defeitos dos serviços diretamente derivados do contrato celebrado com a companhia de viagens, tais como atraso no vôo, cancelamento de viagem, deficiência do hotel contratado, alteração do programa turístico etc. Não encontrei julgado sobre dano à pessoa pelo serviço deficiente dos prestadores de serviços específicos, tais como as companhias aéreas, empresas de transporte coletivo etc.
Em seguida, após fazer considerável pesquisa no direito comparado (Diretiva 314/90, do Conselho das Comunidades Européias; Dec. Leg. 111/95, na Itália; LVF de 18.6.93, na Suíça; Lei 92/1341, na França), assim se pronunciou sua excelência:
Voltando ao caso dos autos, acredito que a definição da responsabilidade jurídica da CVC Tur decorre de sua situação como agente de viagem contratante de um pacote turístico, com terceiros prestadores de serviço, mas sendo ela a organizadora da viagem e garantidora do bom êxito de sua programação, inclusive no que diz com a incolumidade física dos seus contratantes.
Na espécie, foi isso reconhecido no r. acórdão, daí a conseqüência da sua responsabilização. No nosso sistema, tal responsabilidade é solidária entre ela, a organizadora do pacote, o hotel, prestador do serviço de hospedagem. Reconhecida a participação do hotel na causação do resultado, em concorrência com o hóspede, nesse mesmo limite se fixa a responsabilidade da operadora.
Esta mesma linha foi adotada pelo Min. Aldir Passarinho Junior naquele julgamento:
Quanto à responsabilidade da agência, em função da explicitação de que se tratava de um pacote turístico, entendo que ela existe, porque há a responsabilidade pela culpa in eligendo.
Se o pacote da agência compreende a prestação de serviços por terceiros, seja no transporte, seja no hotel, restaurantes, e outros que possam acontecer, a agência tem, efetivamente, sua co-participação nessa prestação de serviço, ainda que o defeito dessa participação, na hipótese dos autos, advenha da rede hoteleira, em função do acidente ocorrido na piscina. Diferentemente seria, parece-me, se a pessoa fosse a uma agência de turismo, que simplesmente intermediasse uma reserva ou uma compra de passagem. Não seria crível que se pudesse atribuir, também, a uma pequena agência de turismo, a responsabilidade pelo acidente de um hóspede em um hotel no exterior. A prestação de serviço, no caso, é tão-somente de fazer a reserva ou um "transfer" para o hotel; o serviço da agência só iria até aí e não teria vinculação com o próprio serviço prestado por esse terceiro.
Por tais considerações, não se olvidando a existência de entendimentos em sentido contrário, inclusive no precedente supra invocado, entendo por solidária a responsabilidade da agência de turismo e o hotel onde ocorreu a subtração dos pertences das demandantes.
Com efeito, pelos documentos de fls. 27/28, 43/44 e 62/63 e o próprio material fotográfico trazido com a inicial e as declarações prestadas em juízo, dúvidas não pairam acerca da contratação dos serviços de viagem e hospedagem pelas autoras. Aliás, fato que sequer é contestado pelas demandadas, senão que afirmam a ausência de responsabilidade pelo furto acontecido no quarto do hotel em que as autoras estavam hospedadas.
E, a partir deste conjunto fático-probatório, verifica-se típica relação de consumo, defluindo responsabilidade das requeridas no dever de reparar os danos causados, decorrentes de sua conduta, nos termos do art. 14 do CDC:
"Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos."
Além do que, em relação ao Hotel demandado, tenho por induvidosa sua responsabilidade (solidariamente com a agência de turismo, como supra fundamentado) pela subtração dos pertences dos hóspedes, mesmo que não estejam dentro de cofre disponibilizado pela hospedaria. Trata-se de verdadeiro contrato de depósito, nos termos dos artigos 932, IV e 649 do Código Civil.
Neste sentido é a lição doutrinária de Rui Stoco:
Significa que o hospedeiro assume dever de incolumidade de seus hóspedes e de guarda e depósito de seus objetos, ainda que sejam deixados no interior da acomodação e, portanto, fora do cofre de segurança.
Aliás, em reforço a esses fundamentos, o art. 649 do Código Civil não deixa margem a dúvidas ao equiparar aos depósitos previstos no art. 647 (depósito necessário) o de bagagens dos viajantes ou hóspedes nas hospedarias onde estiverem, assentando no parágrafo único que: "os hospedeiros responderão como depositários, assim como pelos furtos e roubos que perpetrarem as pessoas empregadas ou admitidas nos seus estabelecimentos", salvo se não podiam ser evitados (art. 650).[1]
Nesse caminhar, em relação aos objetos subtraídos das demandantes, devem ser restituídos todos aqueles indicados e comprovados nos autos, no esteio do comando sentencial. E não mais que estes. Isso porque, sem a prova robusta e suficiente dos alegados prejuízos, inviável a condenação pretendida, mormente considerando a impugnação realizada pelas requeridas.
Com efeito, para reconhecimento do direito à recomposição do dano material, de rigor a prova do efetivo prejuízo, ônus do qual as autoras não se desincumbiram satisfatoriamente, além daqueles antes indicados, razão porque deve ser mantida a decisão de origem neste aspecto.
Referentemente aos danos morais, incontroverso igualmente que os contratempos vividos pelas autoras extrapolaram os meros aborrecimentos da vida cotidiana.
Conforme restou demonstrado nos autos, corroborado pela prova oral deduzida em audiência de instrução e julgamento e o registro de ocorrência policial, após hospedarem-se no Hotel requerido, as autoras, enquanto tomavam café da manhã, tiveram sua chave do quarto e os pertences do interior furtados por pessoa que não restou identificada. Depois, tiveram a necessidade de proceder a registro da Ocorrência Policial e tratativas com os responsáveis do hotel para o ressarcimento dos prejuízos. Restaram submetidas a "carona" em viatura policial, e ainda a constrangimentos velados durante a hospedagem até o momento em que anteciparam o retorno ao destino de origem. Vale dizer: as autoras contrataram período de hospedagem de 26.02.2009 a 05.03.2009, e já no dia 03 de março daquele ano foram obrigadas a retornar por conta de todos os transtornos sofridos nas dependências do Hotel demandado.
Diante deste contexto fático, tenho que inarredável a conclusão de que as autoras sofreram danos morais, já que não se pode considerar como mero dissabor da vida cotidiana ter seus pertences subtraídos de um quarto de hotel, notadamente na época de férias (fevereiro/2009) em que as pessoas buscam justamente o descanso e a tranqüilidade para se afastar dos problemas que as atormentam durante o restante do ano.
Além de todo o constrangimento natural diante de fatos como estes, o dano resta potencializado por ter causado a interrupção do período em que as demandantes poderiam se dedicar a atividades de lazer e descanso, diversamente do que ter de ir registrar boletim de ocorrência e vivenciar situação de constrangimento, dor, indignação e perplexidade em ter seus pertences furtados em quarto de hotel.
Assim, tem-se que as demandadas efetivamente devem ser responsabilizadas pelos transtornos suportados pelas autoras em período de férias. Trata-se de dano in re ipsa.
A este respeito trago à colação a doutrina de Sérgio Cavalieri Filho:
"Essa é outra questão que enseja alguma polêmica nas ações de indenização. Como, em regra, não se presume o dano, há decisões no sentido de desacolher a pretensão indenizatória por falta de prova do dano moral.
Entendemos, todavia, que por se tratar de algo imaterial ou ideal, a prova do dano moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Seria uma demasia, algo até impossível, exigir que a vítima comprove a dor, a tristeza ou a humilhação, através de depoimentos, documentos ou perícia; não teria ela como demonstrar o descrédito, o repúdio ou o desprestígio através dos meios probatórios tradicionais, o que acabaria por ensejar o retorna à fase da irreparabilidade do dano moral em razão de fatores instrumentais.
Neste ponto a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de repercussão, por si só justifica a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo de tal modo que provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras da experiência comum. Assim, por exemplo, provada a perda de um filho, do cônjuge, ou de outro ente querido, não há que se exigir a prova do sofrimento, porque isso decorre do próprio fato de acordo com as regras de experiência comum; provado que a vítima teve seu nome aviltado, ou a sua imagem vilipendiada, nada mais ser-lhe-á exigido provar, por isso que o dano moral está in re ipsa; decorre inexoravelmente da gravidade do próprio fato ofensivo, de sorte que, provado o fato, provado está o dano moral'. (Programa de Responsabilidade Civil. 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 108).
Em relação ao valor da composição pelos danos morais, à vista da inexistência de parâmetros legais, o julgador deve observar os princípios da proporcionalidade e razoabilidade[2]. Outrossim, deve atentar para a natureza jurídica da indenização[3], que deve constituir uma pena ao causador do dano e, concomitantemente, compensação ao lesado, além de cumprir seu cunho pedagógico sem caracterizar enriquecimento ilícito.
À falta de medida aritmética, e ponderadas as funções satisfatória e punitiva, serve à fixação do montante da indenização o prudente arbítrio do juiz, tendo em conta certos requisitos e condições, tanto da vítima quanto do ofensor. Assim recomenda o v. Acórdão da 6ª CC do TJRGS, na Ap. 592066575, Rel. Des. Osvaldo Stefanello, com a seguinte ementa:
"DANO MORAL. Sua mensuração. Na fixação do quantum referente à indenização por dano moral, não se encontrando no sistema normativo brasileiro método prático e objetivo, o Juiz há que considerar as condições pessoais do ofensor e ofendido: grau de cultura do ofendido, seu ramo de atividade, perspectivas de avanço e desenvolvimento na atividade que exercia, ou em outro que pudesse vir a exercer, grau de suportabilidade do encargo pelo ofensor e outros requisitos que, caso a caso, possam ser levados em consideração. Requisitos que há de valorar com critério de justiça, predomínio do bom senso, da razoabilidade e da exeqüibilidade do encargo a ser suportado pelo devedor. Quantum que nem sempre deverá ser inferior ao do dano patrimonial, eis que a auto-estima, a valoração pessoal, o ego, são valores humanos certamente mais valiosos que os bens meramente materiais ou econômicos. Inconformidade com a sentença que fixou o montante da indenização por dano moral. Improvimento do apelo da devedora" (in RJTRGS 163/261).
Com efeito, tomando como norte os balizadores acima mencionados, em especial a situação experimentada pelas autoras em ter seus pertences furtados em local, a princípio, de segurança aos seus freqüentadores, e ainda em local longe de seu destino, sopesando também as condições dos envolvidos, tenho por adequado majorar o quantum indenizatório para R$ 9.000,00 (nove mil reais), para cada uma das autoras. Sobre referido valor deverá incidir correção monetária e juros de mora de um por cento ao mês, ambos a contar da data da presente sessão de julgamento, consoante a Súmula nº 362 do C. STJ[4] e RESP nº 903.258, já que alterado o valor de origem.
À vista de todo o exposto, afastada a preliminar de ilegitimidade passiva da ré SBTur, encaminho o voto no sentido de negar provimento ao recurso das requeridas e dar parcial provimento ao apelo das autoras.
Como conseqüência, as rés deverão suportar o pagamento de 70% das custas do processo e honorários advocatícios do procurador das autoras, fixados em 15% do valor da condenação, considerando as diretrizes do § 3º do art. 20 do CPC, notadamente o tempo de duração da demanda, grau de complexidade e o trabalho profissional desenvolvido. As autoras, responderão pelos 30% restantes das custas, e verba honorária dos procuradores das requeridas fixada em R$ 800,00, de acordo com o art. 20, § 4º, do CPC, autorizada a compensação (Súmula 306, STJ).
É como voto.
DES. LEONEL PIRES OHLWEILER (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ (PRESIDENTE) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ - Presidente - Apelação Cível nº 70047687900, Comarca de Santa Maria: "À UNANIMIDADE. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DAS RÉS E DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DAS AUTORAS."
Julgador(a) de 1º Grau: PAULO AFONSO ROBALOS CAETANO
Fonte: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul / AASP - Associação dos Advogados de São Paulo (19.07.12)