Deve ficar para o ano que vem a análise pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de uma súmula vinculante sobre guerra fiscal. Um texto sobre o assunto foi elaborado em abril pelo ministro Gilmar Mendes e levado à consulta pública em maio para que posteriormente fosse votado pelo Plenário da Corte. Líderes do Senado, porém, afirmam que fecharam um acordo informal com o presidente do STF, ministro Ayres Britto, para que o texto fique na gaveta até o Congresso fechar uma proposta que solucione os problemas criados pela concessão de benefícios fiscais sem aprovação do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). "Estamos apalavrados", diz o senador Delcídio Amaral (PT-MT), presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). "Eles vão aguardar a solução do legislativo."
O texto da proposta declara inconstitucional qualquer isenção, incentivo ou redução de alíquota de ICMS não aprovada pelo Confaz. Na prática, uma súmula sobre o assunto obrigaria os Estados a cobrar dos contribuintes o tributo que deixou de ser recolhido em razão dos benefícios fiscais.
O Supremo não confirma o acordo. A Corte informa que sete senadores - dentre eles Delcídio Amaral - se reuniram com o ministro Ayres Britto em maio, e apresentaram argumentos contrários à edição do texto. Em abril, durante um seminário sobre guerra fiscal realizado em São Paulo, Gilmar Mendes afirmou que a proposta de súmula vinculante serviria de "impulso para reforma do modelo que foi estabelecido, mas que [os Estados] estão a fraudar".
O modelo, no caso, seria a exigência de aprovação unânime pelos representantes dos Estados no Confaz dos incentivos concedidos, exigência prevista na Lei Complementar nº 24, de 1975. Três projetos de lei que tramitam atualmente no Senado preveem que o órgão passe a aprovar incentivos fiscais por maioria de seus integrantes. Mas, segundo Delcídio, a tese da quebra da unanimidade ficou para trás. "Seria muito difícil fechar esse acordo com todos os Estados", diz, acrescentando que o governo federal também é contra a ideia. "A percepção da União é de que a regra conflagraria as unidades da federação e criaria uma disputa interna."
Um substitutivo aos três projetos de lei deve ser apresentado no segundo semestre pelo próprio Delcídio Amaral. Duas propostas discutidas com o governo federal e os Estados poderão estar previstas no novo texto.
Uma ideia madura, segundo o senador, é delegar somente às assembleias legislativas dos Estados a aprovação de incentivos que não tenham impacto para outros entes da federação. "Se houver, passaria pelo Confaz." A proposta estaria sendo desenhada com a participação do secretário executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa.
Para resolver o problema do passado, seria permitido o quórum por maioria, excepcionalmente, para que incentivos fiscais já concedidos fossem convalidados no Confaz. Para benefícios instituídos a partir da aprovação da lei, a regra da unanimidade seria mantida. "A ideia é legalizar tudo. Caso contrário, o estrago seria enorme", afirma o senador
Um estudo recente da Fundação Getúlio Vargas mostra que 12 projetos industriais em operação ou em fase de implantação viabilizados por incentivos fiscais em sete Estados e no Distrito Federal têm impacto de R$ 35,8 bilhões sobre o PIB. A Secretaria de Fazenda de São Paulo - que estima prejuízo de cerca de R$ 25 bilhões com uma eventual convalidação de benefícios inconstitucionais - preferiu não comentar as propostas, mas disse que acompanha com atenção os projetos em discussão.
Para o tributarista Hamilton Dias de Souza, sócio da Advocacia Dias de Souza, acabar com os incentivos fiscais a partir da aprovação de uma súmula vinculante seria um desastre econômico. Mas afirma que a guerra fiscal só pode ter fim com a aplicação de penalidades aos Estados que concederem incentivos contrários à regra estabelecida. "Deve haver uma alteração substancial na lei para prever um mecanismo de sanções", diz. Um dos projetos que tramitam no Senado - do senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) - proíbe a contratação de empréstimos e repasse de dinheiro pela União para os Estados que descumprirem a norma.
Por Bárbara Pombo | De Brasília
Fonte: Valor Econômico (24.07.12)