A fabricante de cimentos Intercement Brasil, que pertence ao grupo Camargo Corrêa, foi condenada pela Justiça a pagar indenização de R$ 500 mil de danos morais coletivos por submeter funcionários a excessivas jornadas de trabalho. Em outro processo, a Fast Shop conseguiu, em primeira instância, livrar-se de uma condenação ao provar que não embutia o valor de juros no preço final dos produtos que comercializa. As ações civis públicas foram ajuizadas pelo Ministério Público (MP), que nos últimos anos passou a atuar mais fortemente contra as empresas, amparado pela Constituição de 1988, que lhe deu mais poderes para agir nesses casos.
O número de ações civis públicas tem crescido ano a ano. No primeiro semestre, o Ministério Público do Trabalho (MPT) da 2ª Região (SP), por exemplo, ajuizou 81 processos, quase o dobro em relação ao volume apresentado à Justiça em igual período de 2011, que foi de 47 ações. "A nossa intenção não é a de obter multa ou indenização, mas adequar a conduta, regularizar a irregularidade", diz a procuradora-chefe do MPT paulista, Ana Elisa Alves Brito.
A atuação forte do Ministério Público em áreas como a trabalhista, a ambiental e do consumidor tem levado as empresas aos escritórios de advocacia, em busca de uma estratégia de defesa. A advogada Adriana Conrado Zamponi, que atua na área de direito do consumidor do escritório Siqueira Castro, diz que é contatada por empresas que buscam uma defesa preventiva. "Quando o cliente sente que há um aumento no número de reclamações de consumidores, entra em contato com o escritório para que o problema não vire uma ação civil pública", afirma, acrescentando que, também com o intuito de prevenção, a banca envia periodicamente informações sobre novas leis a seus clientes.
Apesar de tecer muitos elogios ao Ministério Público, a advogada admite que há, em alguns caso, "exacerbação de direitos". "Às vezes, o MP faz pedidos que são impossíveis de se cumprir, pelo investimento ou pelo prazo dado às empresas", diz Adriana, que cita como exemplo uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra diversas companhias de telefonia. Foi exigido que os dados cadastrais de usuários, como telefone e endereço, fossem passados ao órgão e à Polícia Federal para investigações, sem autorização judicial. "Nesse caso, a Justiça entendeu que o pedido extrapolava os direitos do MP."
O advogado Rodrigo Barcellos, do Escritório Barcellos Tucunduva, diz que também é procurado por empresas investigadas pelo Ministério Público. "Muitas vezes, as empresas não entendem a interferência do MP, e quando ele atua contra uma companhia, ela se sente injustiçada, porque perde competitividade", diz o advogado.
O setor de construção civil é um dos principais alvos do Ministério Público. Estão em andamento na Justiça do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP), 46 ações civis públicas contra construtoras e empreiteiras. "As construtoras vão terceirizando ou mesmo quarterizando sem dar condições de segurança ou treinamento. Há andaimes irregulares, alojamentos precários e trabalhadores sem cinto de segurança", diz o procurador Ronaldo Lira, do Ministério Público do Trabalho da 15ª Região.
Em alguns casos, as empresas entendem que há um certo exagero nos pedidos do Ministério Público. Recentemente, o MPT da 15ª Região entrou com uma representação na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) contra as cinco maiores incorporadoras do país. O órgão alega que as empresas não dão informações sobre processos trabalhistas aos seus investidores. As companhias, em defesa, afirmam que cumprem todas as normas da autarquia e que não são obrigadas a informar casos em que não há certeza de derrota.
Apesar de elogiar a atuação do MPT, o presidente do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo (Secovi-SP), Cláudio Bernardes, questiona a atuação do órgão em questões muito específicas do setor da habitação. "Existem casos polêmicos, principalmente quando envolvem aspectos muito técnicos da construção. Acho que deve haver mais cuidado na apuração dessas questões" diz.
As ações civis pública podem acabar em pesadas condenações. No caso da Intercement Brasil, os R$ 500 mil de indenização serão revertidos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador. O processo já passou pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), que manteve recentemente decisão de segunda instância. Por meio de sua assessoria de imprensa, a Camargo Corrêa afirmou que a unidade da qual trata a ação do MPT já teve atividades encerradas.
No caso da Fast Shop, o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) pode recorrer. Ações similares foram ajuizadas contra outras empresas de varejo. O órgão alega que as companhias, ao anunciar a venda de suas mercadorias em até dez vezes sem juros, estariam omitindo o fato de os valores, tanto à vista quanto parcelado, já estarem acrescidos das taxas. Procurada pelo Valor a Fast Shop informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não iria se pronunciar sobre a questão.
Por Bárbara Mengardo | De São Paulo
Fonte: Valor Econômico (03.08.12)