O governo brasileiro poderá decidir hoje dar um novo impulso à negociação de acordos comerciais com outros países. A decisão sobre a abertura de negociações de um acordo de livre comércio do Mercosul com o Canadá e a retomada das negociações do acordo do bloco com a União Europeia, ainda este ano, serão os principais temas da pauta da reunião da Câmara de Comércio Exterior (Camex), que terá, pela primeira vez, a presença do ministro de Relações Exteriores, Antônio Patriota - uma indicação da importância conferida pelo Itamaraty ao tema.
A Camex também decidirá hoje sobre uma iniciativa polêmica, a promessa de conceder às 49 nações mais pobres do mundo a abertura unilateral do mercado brasileiro, com tarifa zero aos produtos exportados por esses países. A iniciativa, sugerida há seis anos pelo governo do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC), é combatida por empresários brasileiros de setores como têxtil e eletroeletrônico, temerosos da concorrência de países como Camboja e Bangladesh, para onde empresas chinesas têm migrado nos últimos anos.
Diplomatas e técnicos do governo argumentam que a abertura terá salvaguardas que impedirão uma inundação de confecções importadas a preço baixo. Hoje, as vendas desses países para o Brasil representam 0,5% do total de importações brasileiras - 0,1% se excluídas as importações de petróleo.
Se confirmadas, essas iniciativas de comércio serão as primeiras tomadas já com a Venezuela como sócio integral do Mercosul, o que exigirá adaptações do processo negociador para acomodar um parceiro que nem sequer começou a discutir a abertura do próprio mercado aos sócios no bloco composto por Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai.
Além disso, os paraguaios estão suspensos do Mercosul, acusados de romper a cláusula democrática do grupo ao decidir em dois dias o impeachment do presidente Francisco Lugo. Os ministros da Camex terão de decidir qual a proposta brasileira para levar à frente negociações comerciais na atual situação - com um sócio suspenso e outro incorporado, mas ainda em processo de integração efetiva.
No caso da Venezuela, já há uma proposta, feita informalmente, para permitir a negociação do acordo com a União Europeia, que está em andamento. Haveria duas negociações em paralelo, uma entre os europeus e sócios originais do Mercosul, e outra entre a União Europeia e os venezuelanos, com mecanismos de convergência dos dois acordos. Um negociador brasileiro afirma que há simpatia de diplomatas europeus pela ideia, que não é, porém, de fácil execução.
As negociações com a União Europeia começaram em 1995, foram interrompidas em 2004 e retomadas recentemente. Há interesse dos europeus em avançar para um acordo, e o governo brasileiro discutirá hoje quando e como elaborar a lista com ofertas de redução de tarifas, a ser apresentada em troca da abertura do mercado dos europeus.
Com o Canadá, os países do Mercosul fazem consultas "exploratórias" desde junho do ano passado para um possível acordo de livre comércio, mas só recentemente os canadenses deram sinais de que estão dispostos a iniciar, de fato, uma negociação para um acordo de derrubada geral da tarifas de importação.
O Brasil tem de negociar em conjunto, com os sócios do Mercosul, e fará parte da reunião da Camex a discussão sobre como atrair a Argentina, que tem adotado uma política de crescente controle das importações, para a negociação com os europeus. Pelo calendário em discussão, que prevê etapas para a liberalização de comércio e corte nas tarifas de importação, o livre comércio para produtos considerados mais sensíveis dificilmente ocorreria antes de 2030.
Segundo uma autoridade envolvida nessas negociações, o acúmulo, nesta semana, de iniciativas na área de comércio não é fruto de alguma nova decisão de governo, mas da evolução de várias discussões travadas pelo Itamaraty e outras áreas do governo. A reunião da Camex é a "hora da verdade", comenta essa autoridade. Os ministros decidirão que estratégia pretendem adotar para os acordos comerciais, e que ritmo pretendem dar a essas negociações.
A abertura aos países mais pobres, embora temida por empresários brasileiros, deve ter efeito mais simbólico que prático, se vingar o modelo em discussão no governo, que prevê mecanismos de controle para evitar importação de produtos capazes de afetar seriamente a produção de mercadorias sensíveis à competição desses exportadores, como os têxteis. Na pauta da Câmara de Comércio Exterior, está também a decisão de antecipar a abertura do mercado brasileiro ao Haiti, para estimular investimentos naquele país.
Por Sergio Leo | De Brasília
Fonte: Valor Econômico (04.09.12)