Nas palavras de José Eduardo Soares Melo, a não-cumulatividade tributária é um princípio jurídico constitucional. É um comando normativo repleto de valores extraídos dos anseios da sociedade, constituída e permeada de forte conteúdo axiológico. Foi a partir da vontade do povo brasileiro que o legislador constituinte encontrou argumentos necessários para disciplinar a instituição de tributos cuja característica principal, para apuração do "quantum debeatur", ocorresse mediante o confronto matemático entre a soma dos montantes do imposto registrado em cada relação, correspondente às operações comerciais realizadas com os produtos e mercadorias e serviços do estabelecimento do contribuinte, e a soma dos montantes do imposto registrado em cada relação correspondente às mercadorias, produtos e serviços adquiridos pelo mesmo contribuinte, em um dado período.
Nessa linha, em 19 de dezembro de 2003 foi aprovada a Emenda Constitucional 42, que acrescentou ao artigo 195 da Constituição Federal o parágrafo 12, concedendo ao legislador a faculdade de instituir a sistemática não-cumulativa às contribuições sociais. Ao exercer essa faculdade que lhe foi conferida pelo dispositivo constitucional, o legislador infraconstitucional editou as Leis 10.637/02 e 10.833/03, dispondo sobre o regime não-cumulativo do PIS e da Cofins, respectivamente, estabelecendo-se um sistema diferente do regime não-cumulativo do IPI e do ICMS. Afinal, as aludidas contribuições não tem como pressupostos de fato de sua incidência um ciclo econômico representado pelo encadeamento de operações ou negócios jurídicos, mas uma realidade ligada única e exclusivamente à pessoa do contribuinte, ou seja, à percepção de receita.
No entanto, o regime não-cumulativo aplicado ao PIS e à Cofins de forma alguma respeita o sentido e o objetivo do próprio regime, diante do fato de que tal regime se propõe a evitar a tributação em cascata, ou seja, a incidência de tributo sobre tributo. Não resta qualquer dúvida de que a não-cumulatividade busca, através de sistemática de apuração de crédito, a incidência tributária apenas sobre o valor agregado ao produto, o que não ocorre no caso do regime aplicado ao PIS e à Cofins, tendo em vista que o legislador ordinário deturpou o conceito basilar da não-cumulatividade, criando um regime próprio de apuração de crédito em relação ao PIS e à Cofins, o qual está longe de evitar a tributação em cascata.
No caso das mencionadas contribuições, a sistemática não-cumulativa se propõe a dar direito de crédito ao contribuinte, mediante a aplicação das respectivas alíquotas sobre o valor despendido com insumos, no entanto, o legislador definiu de forma taxativa o conceito de insumos, possibilitando a apuração de crédito pelo contribuinte de forma limitada e objetiva.
Ora, se o PIS e a Cofins incidem sobre e receita bruta, deveria ser considerado como crédito qualquer gasto com produtos e serviços, tendo em vista que necessários para a consecução da atividade fim da empresa, que, por sua vez, possibilite que seja gerada receita, sobre a qual incide ambas as contribuições, de modo que se possibilite, de forma real e efetiva, a não incidência de tributo sobre tributo, ou seja, a cumulatividade tributária.
Tecnicamente, conceitua-se insumo como despesas e investimentos que contribuem para um resultado ou para a efetiva produção de mercadoria ou serviço, até seu consumo final. Destarte, trata-se de combinação de fatores de produção, diretos (matéria-prima) e indiretos (mão-de-obra, energia, tributos), que entram na elaboração de certa quantidade de bens ou serviços. Conclui-se, portanto, que o conceito léxico de insumo está diretamente ligado a todos os fatores que possibilitam as empresas de exercerem suas atividades.
Corroborando com esse entendimento, a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região considerou insumos os benefícios dados a funcionários por uma empresa prestadora de serviços de limpeza. O entendimento do tribunal, nesse caso, foi no sentido de que podem ser considerados insumos da atividade o uniforme, vale-transporte, vale-refeição, seguro de vida, entre outros benefícios concedidos aos funcionários, tendo em vista que tais gastos são necessários à atividade da empresa, ou seja, necessários para que ela gere receita. Nesta linha, o tribunal decidiu que os créditos de que dispõem as Leis 10.637/02 e 10.833/03 são meramente exemplificativos, e não restritivos e taxativos.
Segundo o relator do processo, quando "se trata de tributo que incide sobre todas as receitas da empresa, que configurem faturamento ou não, é preciso permitir a apuração de créditos de todos os gastos feitos junto a outras empresas que também pagam a contribuição. Mesmo que as despesas não tenham relação direta com a atividade principal da companhia".
Portanto, os contribuintes que tributam o PIS e a Cofins com base no regime não-cumulativo podem buscar, através da via judicial, o reconhecimento do direito a apuração de crédito sobre todos os gastos necessários para a realização de sua atividade, bem como seu direito a recuperação dos valores que deixou de creditar, relativamente aos últimos cinco anos, afastando as limitações impostas pelas Leis 10.637/02 e 10.833/03.
Por Christian Lisboa Rodrigues
Christian Lisboa Rodrigues é advogado em Porto Alegre, especialista em Gestão de Tributos e Planejamento Tributário Estratégico pela PUC-RS.
Fonte: Conjur - Consultor Jurídico (29.08.12)