O Código de Defesa do Consumidor (CDC), cuja promulgação completa 22 anos na próxima terça-feira, passará por mudanças. O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Herman Benjamin, Presidente da Comissão de Juristas que elaborou as modificações do CDC, concluiu o anteprojeto, que já está com o relator da comissão especial, o Senador Ricardo Ferraço (PMDB/ES).
Pelo rito processual, o anteprojeto passará apenas pela Comissão Especial antes de ir a Plenário. Esta Comissão ouvirá especialistas, receberá emendas e estudará a incorporação de 596 projetos de lei que propõem mudanças no CDC e hoje tramitam no Congresso.
A Comissão de Juristas alterou o CDC em três pontos: prevenção ao superendividamento; regras sobre comércio eletrônico; e disciplinamento de ações coletivas. O temor das entidades de defesa do consumidor é que, ao permitir alterações no CDC, sejam aprovadas mudanças que reduzam os direitos dos consumidores. O ministro Benjamin, porém, crê que não haverá retrocesso e defende as mudanças, que considera cirúrgicas, mas necessárias, pois eram temas desconhecidos em 1990, quando o CDC foi promulgado.
A construção do Código de Defesa do Consumidor foi debatida por integrantes na área jurídica e do movimento de defesa do consumidor. Nesse trabalho de revisão houve debate suficiente?
HB - Na verdade é o oposto. O Código de Defesa do Consumidor, na sua elaboração, não foi debatido com ninguém até ser apresentado ao Parlamento. Não fizemos nenhuma reunião com integrantes de outras instituições. Com o anteprojeto sobre as atualizações, foi o oposto. Fizemos mais de 20 reuniões e audiências públicas antes de o projeto começar a tramitar no Parlamento. E as participações foram excelentes. Fizemos primeiro reuniões técnicas com o Ministério da Justiça, Procons, ministérios públicos, Febraban, e com representantes do comércio eletrônicos e dos cartões de créditos. E depois nos reunimos com as associações de consumidores. E quando o anteprojeto já estava na sua versão mais acabada, mas antes da versão final, ainda fizemos audiências públicas em Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Cuiabá, Belém e Recife.
Há 596 projetos tramitando na Câmara e no Senado, propondo mudanças no CDC. Esta alteração no CDC pode abrir brechas para que outras leis sejam incorporadas, com retrocessos para o consumidor?
HB - São muitos os projetos, e vários deles têm vida própria. Mas a proteção do consumidor é uma das poucas matérias que, de certa maneira, goza de um consenso no Congresso Nacional. Citaria duas outras que estão no mesmo patamar: as que garantem proteção às pessoas portadoras de deficiências e aos idosos. Nessas três áreas há consenso no Congresso de que qualquer modificação deve ser feita para ampliar direitos e não para reduzir ou impedir direitos já previstos. O esforço de atualização está concentrado apenas em três áreas, que mereciam uma atualização mais ampla. O Código tem 22 anos e, nesse período, foi mudado cerca de dez vezes e, em nenhuma delas, houve perda de direitos.
Por que a Comissão de Juristas optou por detalhar bastante as partes do comércio eletrônico e superendividamento em vez de legislar esses pontos por leis específicas?
HB - Porque a ideia é que essas matérias precisam se integrar à malha do CDC. Se nós simplesmente colocássemos um único dispositivo, estaríamos transferindo ao Poder Judiciário a tarefa de detalhar os princípios. A atualização ainda é principiológica. O que não poderíamos assumir era o risco de ver o Código retalhado. Procuramos, com os anteprojetos de comércio eletrônico e superendividamento, manter a coerência do microssistema do CDC e tratar dessas matérias apenas no nível do necessário, deixando as especificidades, naturais em temas dessa complexidade, para a jurisprudência e, eventualmente, para alterações legislativas mais aprofundadas.
Uma medida que os consumidores esperavam, pois é algo comum no comércio eletrônico, é que o consumidor pudesse resolver problemas diretamente com o cartão de crédito, sem passar pelo lojista. Este ponto foi contemplado?
HB - Criamos um mecanismo pelo qual o consumidor possa suspender os pagamentos diretamente com o cartão de crédito. O consumidor poderá negociar diretamente com o cartão de crédito, porque hoje, se ele compra um produto defeituoso, fica sem o produto e continua pagando, o que é um absurdo, pois onera o endividamento do consumidor.
Especialistas dizem que o CDC é uma boa lei, inclusive para contemplar problemas no comércio eletrônico e de superendividamento, o problema é que as empresas não o cumprem. Não seria o caso, apenas, de a lei ser cumprida?
HB - O Código, na sua aplicação, sofre de dois problemas. De um lado, há normas que não são muitos claras. E há a dificuldade de aplicação em novas áreas. A oferta no comércio eletrônico, por exemplo, tem uma série de particularidades, outros fatores que o Código não tinha condição de prever há 20 anos. A segunda dificuldade de implementação do CDC não tem nada a ver com ele, mas sim com os entraves do Poder Judiciário e a fragilidade dos órgãos e das associações de defesa do consumidor. O consumidor não vai resolver o seu problema sozinho. Ele precisa do apoio do Estado e da própria sociedade civil organizada. Procuramos facilitar este apoio com as mudanças na parte processual. O mercado de consumo é muito veloz e criativo, por isso era preciso fazer ajustes tópicos, cirúrgicos, no texto do CDC, mas mantendo a coerência do microssistema. A outra opção era esperarmos de dez a 15 anos para o Poder Judiciário decidir sobre essas matérias.
A jurisprudência no STJ historicamente foi muito favorável ao consumidor, mas hoje o consumidor tem sofrido derrotas. Como explicar essa nova tendência?
HB - É verdade. As questões de proteção do consumidor são decididas, na sua esmagadora maioria, na segunda seção do STJ. São dez ministros, e sua composição mudou radicalmente nos últimos 20 anos. É preciso fortalecer as associações de consumidores e a presença deles nos tribunais.
O senhor participou da concepção do CDC. Qual a sua avaliação destes 22 anos?
HB - O Código era avançado há 22 anos e continua moderno. A grande crítica que a ele se fazia, de que era uma lei para países desenvolvidos, mostrou-se equivocada. O Brasil tinha um complexo de inferioridade, onde se protegiam os ricos e os poderosos. O CDC foi a primeira lei que inverteu isso. Foi a melhor lei do século XX.
Nadja Sampaio
Fonte: AASP - Associação dos Advogados de São Paulo - Clipping Eletrônico (10.09.12)