Dezesseis anos depois de a Lei Kandir ter isentado os exportadores de produtos primários e semielaborados do pagamento do ICMS, a Cargill ainda busca na Justiça a restituição ou uso de créditos do imposto recolhido, entre 1993 e 1996, nas vendas de óleo de soja e suco de laranja congelado e concentrado. A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou na semana passada que o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) analise documentos da companhia para verificar a possibilidade de ressarcimento, com o enquadramento do suco de laranja como produto industrializado.
Outros grandes exportadores discutem a questão na Justiça. Até a edição da Lei Kandir (Lei Complementar nº 87), em 1996, a isenção de ICMS alcançava apenas a exportação de produtos industrializados. Estava em vigor a Lei Complementar nº 65, de 1991. A disputa terminou cinco anos depois, com a extensão do benefício pela Lei Kandir para produtos primários e semielaborados.
O STJ só admite como semielaborado o produto que preencha os três requisitos do artigo 1º da Lei Complementar nº 65. O TJ-SP, porém, só analisou dois deles, dando vitória à Fazenda paulista, que não considera o congelamento como uma industrialização.
Segundo o ministro Herman Benjamin, relator do caso Cargill, o TJ-SP contrariou a jurisprudência do STJ ao considerar que os requisitos não deveriam ser preenchidos simultaneamente. Ao iniciar o julgamento, em maio de 2011, determinou que a Corte verifique se o suco de laranja atende ao terceiro item, ou seja, se o custo da matéria-prima de origem animal, vegetal ou mineral representa mais de 60% do custo do correspondente produto. "Não é possível avançar no caso sem reexame de que o produto não é semielaborado", disse o ministro ao retomar o julgamento, na quinta-feira.
Em seu voto-vista, o ministro Mauro Campbell Marques, além dos outros três ministros da 2ª Turma, seguiu o entendimento do relator. Eles concordaram ainda que o óleo de soja é produto industrializado e, portanto, imune à tributação. Porém, enxergaram um obstáculo para concessão da restituição.
O artigo 166 do Código Tributário Nacional prevê que só pode receber a devolução a empresa que arcou com o encargo financeiro do tributo. E, se ele tiver sido transferido para terceiros - o comprador do produto, por exemplo -, este deverá autorizar expressamente o vendedor a levantar o valor.
No caso específico, teria sido juntada ao processo autorização dos compradores do suco e do óleo de soja para que a empresa recupere o montante. "Foi a Cargill que efetuou o recolhimento do imposto", diz Marco André Dunley Gomes, advogado da empresa. Porém, esses documentos não foram analisados em segunda instância. "A decisão do STJ foi um balde de água fria por não resolver a questão, mas uma sinalização importante de que a Corte está firme em sua jurisprudência", afirma Dunley, acrescentando que alguns Estados, como Minas Gerais, firmaram acordos com contribuintes para cancelar os autos de infração.
Tributaristas lembram que o direito de pedir restituição nessas operações já prescreveu. Para Julio de Oliveira, do Machado Associados, as ações judiciais que restam hoje seriam apenas de grandes exportadores de produtos de origem animal e vegetal. "A polêmica sobre o conceito de industrializado acabou", diz. Mas, para o tributarista, poderá voltar com a Resolução nº 72 do Senado - prevista para entrar em vigor em 1º de janeiro. A norma reduziu para 4% a alíquota do ICMS interestadual das mercadorias importadas ou processadas no país com conteúdo estrangeiro acima de 40%. "Haverá uma nova discussão sobre o que foi agregado ou não ao produto."
Por Bárbara Pombo | De Brasília
Fonte: Valor Econômico (22.10.12)