O governo está prestes a anunciar a sua proposta de marco regulatório para os serviços de pagamento por meio de telefonia móvel - o chamado "mobile payment". A minuta do texto a ser encaminhado ao Congresso já está em análise na Casa Civil da Presidência da República, segundo anunciou ontem a o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo Silva.
O anúncio foi feito durante a abertura do IV Fórum Banco Central de Inclusão Financeira, em Porto Alegre. Na visão do governo, ampliar a possibilidade de uso dos telefones celulares para fazer pagamentos contribui para gerar inclusão financeira.
"Estamos prestes a anunciar medidas legislativas", disse o ministro. Ele não esclareceu que tipo de proposição será encaminhada ao Congresso. O marco é necessário principalmente porque o sistema envolverá empresas não financeiras, como as operadoras de telefonia.
A expectativa, segundo Bernardo, é fornecer um instrumento que se some aos já existentes. O governo pensa em regulamentar um sistema capaz de permitir que celulares sejam usados para fazer os mais diversos tipos de transações, como pagar um táxi ou o salão de beleza, exemplificou o ministro. O celular será uma espécie de "carteira", que será usada de forma "tão fácil quanto mandar uma mensagem SMS", definiu.
Ele destacou que a maior parte dos pagamentos no Brasil ainda é feita em dinheiro e que há muito espaço para uso de outros meios. Segundo pesquisa do BC, 86% das famílias das classes D e utilizam o dinheiro como a principal forma de pagamento. Nas classes mais altas também é elevado ainda o uso do dinheiro, completou Bernardo.
Em documento sobre o tema, o BC diz que no Brasil há enorme potencial para desenvolvimento de modelos de mobile payment, considerando que o uso de aparelhos celulares é altamente propagado em todas as faixas de renda, inclusive nas classes menos favorecidas, nas quais fatias consideráveis da população não possuem conta bancária. O projeto deve ser encaminhado ao Congresso ainda este ano.
O diretor de Política Monetária do Banco Central (BC), Aldo Mendes, disse que a instituição terá seis meses para fazer a regulamentação do sistema de pagamento móvel brasileiro depois que o texto for aprovado no legislativo. "Nós estamos preparados para fazer isso, estamos trabalhando e queremos discutir com o setor a proposta da regulamentação."
A proposta legislativa que está atualmente na Casa Civil dá amplo poder ao BC para atuar sobre todas as instituições de pagamento e não apenas sobre instituições financeiras.
"Poderá existir empresa financeira trabalhando aí [mobile payment], bancos certamente. Mas haverá também empresas de telecomunicações, de cartões, coisas que não estão atualmente sob a regulamentação específica do BC", afirmou. Os agentes do "mobile payment" deverão obter autorização do BC para fazer os arranjos de pagamento.
Mendes disse que nesta primeira etapa o mobile payment só será usado para fazer transações e não será um instrumento para conceder crédito. "Vejo isso num momento bem mais longínquo", afirmou.
O diretor do BC disse que o mobile payment contribuirá para a bancarização de parcela da população que ainda não usa serviços financeiros e de uma forma menos onerosa para as instituições financeiras, já que não será preciso que os bancos invistam na expansão física das agências. "Na medida que você tem população mais bancarizada, a política monetária é mais eficiente. A taxa de juros tem um efeito mais efetivo quanto maior for a bancarização da população", afirmou.
O secretário de telecomunicações do Ministério das Comunicações, Maximiliano Martinhão, acrescentou que os brasileiros estão habilitados para utilizar sistemas de pagamento móveis graças à experiência com o uso da telefonia celular pré-paga. Segundo ele, entretanto, as regras e soluções tecnológicas do novo sistema precisam ser tão simples quanto um processo de recarga de celular.
Conforme Martinhão, o Brasil tem 259 milhões de celulares em operação, sendo 82% no modelo pré-pago. Já o número de acessos à banda larga móvel chega a 62 milhões.
A proposta para o marco regulatório está sendo desenvolvida pelo ministério, junto com o Banco Central e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Segundo Martinhão, o modelo a ser desenvolvido deve ser de baixo custo, com interoperabilidade e escala para que o celular possa ser usado como uma "carteira eletrônica".
As características "desejáveis" do sistema, de acordo com o secretário, incluem segurança, privacidade e confiabilidade e devem contemplar ainda medidas prudenciais contra lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo. De acordo com ele, a regulação vai contemplar as operações de pagamentos pessoa a pessoa (P2P), pessoa a empresa (P2B) e governo a pessoas (G2B).
O vice-presidente da Associação Brasileira de Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), Raul Francisco Moreira, defendeu que o novo sistema seja inclusivo a ponto de interagir com os sistemas de pagamento já existentes. A ideia é permitir que os telefones celulares sejam usados com qualquer meio de pagamento, seja ele cartão de débito ou cartão de crédito. Está prevista também a possibilidade de que os celulares sejam "carregados" com créditos que seriam usados para pagar compras de bens ou serviços. O custo de transações, segundo Moreira, "seria de centavos".
A interoperabilidade e o baixo custo, defendeu, serão fundamentais para que o sistema de fato promova inclusão financeira, sendo largamente usado pela população de baixa renda. Ele disse ainda que, para que os preços sejam baixos, o modelo brasileiro precisa comportar concorrência entre os agentes que vão operá-lo.
Para tanto, haverá o inevitável casamento entre operadoras de telefonia e o sistema financeiro. Os bancos cadastrariam os celulares, pois seria necessário vincular a linha e o aparelho ao meio de pagamento a ser utilizado. A custódia, na visão da Abecs, deve ser das instituições financeiras, por questões de segurança.
No Brasil, há iniciativas embrionárias de pagamento móvel, como a parceria entre Itaú, a bandeira de cartões MasterCard, a Vivo e a Redecard. Em outra frente, Cielo, Visa, Banco do Brasil e Oi também testam o seu modelo.
Por Mônica Izaguirre, Sérgio Ruck Bueno e Murilo Rodrigues Alves | De Porto Alegre
Fonte: Valor Econômico (30.10.12)