Anvisa passou a aprovar registros de produtos mais tóxicos do que equivalentes já no mercado
Agência reguladora diz que autorização está sendo investigada e que só irá se manifestar depois de auditoria
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) contrariou procedimentos internos e aprovou, em fevereiro, a liberação de um agrotóxico mais nocivo à saúde do que outro que já estava à venda, com o mesmo princípio ativo e para o mesmo fim.
O inseticida para cana Singular BR, da Ourofino Agronegócio, passou pela avaliação da Anvisa e obteve registro no Ministério da Agricultura mesmo sendo mais tóxico do que seu produto de referência, o Regent 800 WG, da Basf, há anos no mercado.
O Singular e outros seis produtos de quatro empresas estão no centro das denúncias do ex-gerente de toxicologia da Anvisa, Luiz Cláudio Meirelles, exonerado enquanto fazia apurações internas.
A lei dos agrotóxicos, de 1989, proíbe o registro de um novo produto que seja mais tóxico do que outro já registrado para o mesmo fim. O registro é obrigatório para um defensivo ser comercializado.
O propósito da lei é proteger a saúde humana e a natureza e estimular as empresas a buscar soluções tecnológicas menos danosas.
A Anvisa disse, em nota, que esse é um processo que está sendo auditado e que, por isso, só irá se pronunciar depois das apurações.
De modo geral, porém, a agência afirmou que passou a aprovar neste ano registros de produtos mais tóxicos que os de referência. Antes, a Anvisa orientava as empresas a reformulá-los, de modo a torná-los menos nocivos.
A mudança se baseou em parecer da AGU (Advocacia-Geral da União), favorável ao pedido de uma empresa.
O parecer, de março, é posterior à aprovação do Singular BR. O inseticida está com registro válido no Ministério da Agricultura e deve ser lançado no próximo mês.
A Ourofino é a mesma empresa que, em 2011, emprestou jatinho ao então ministro da Agricultura, Wagner Rossi (PMDB). O episódio acelerou sua saída do governo.
NOVO ENTENDIMENTO
A Anvisa pediu parecer da AGU após questionamento da CCAB Agro, que estava prestes a ter um de seus produtos, mais tóxico que o de referência, barrado pelo órgão.
No ofício à AGU, a agência diz, sem citar nomes, que a empresa recorrera a congressistas para pressioná-la.
A CCAB nasceu da união de 15 grandes cooperativas de produtores rurais.
Em resposta à Anvisa, a AGU argumentou que o decreto de 2002 que regulamenta a lei dos agrotóxicos muda a definição dos "novos produtos", restringindo a exigência de menor risco toxicológico somente a produtos com "ingrediente ativo ainda não registrado no Brasil".
Assim, a CCAB obteve o registro do Acetamiprid CCAB 200 SP sob o argumento de que o ingrediente acetamiprido já tinha registro no país.
O caso foi parar na Justiça Federal em São Paulo. A fabricante do produto de referência do Acetamiprid moveu ação contra a União pedindo a suspensão do registro, com base na lei de 1989.
Em decisão liminar, a Justiça mandou suspender neste mês o registro do Acetamiprid com base no "direito ao meio ambiente saudável e direito à saúde". Cabe recurso.
REYNALDO TUROLLO JR.DE SÃO PAULO
Fonte: Folha.com.br (29.11.12)