DE BRASÍLIA
O Supremo Tribunal Federal abriu precedente que poderá obrigar a polícia e o Ministério Público a transcrever integralmente o conteúdo de interceptações telefônicas em investigações criminais, e não mais apenas os trechos de interesse da acusação.
Pela decisão, tomada na última quinta-feira pelo plenário da corte, não basta apenas a entrega, para a defesa, dos áudios interceptados. É necessária a transcrição completa das conversas que envolvam os acusados.
A prática comum, até aqui, era que, em caso de a defesa avaliar como descontextualizado determinado trecho usado pela acusação, ela poderia pedir a íntegra dos áudios, ainda que não transcritos.
A decisão ocorreu em recurso apresentado pela Procuradoria-Geral da República, que reclamava de decisão judicial que permitiu ao deputado federal Sebastião Bala Rocha (PDT-AP) o acesso às transcrições integrais de processo em que é acusado de corrupção e formação de quadrilha. O recurso da PGR foi julgado improcedente.
Embora não tenha de ser seguida automaticamente por instâncias inferiores, a decisão no caso específico abre precedente para que as transcrições passem a ser obrigatórias em outros casos.
O ministro Marco Aurélio defende a decisão do STF, mas sugeriu que alguns casos poderão ser tratados com exceção
"Ou se degrava tudo, ou não se degrava nada", disse o ministro Marco Aurélio Mello, relator do processo.
"Muitas vezes, proceder-se à degravação total significa simplesmente a paralisação da ação", respondeu Joaquim Barbosa, presidente do STF.
No entanto, o próprio Marco Aurélio, embora tenha dito que "a lei é imperativa em relação a essa formalidade", previu brecha para decisões diferentes no futuro. Segundo disse no debate, há "casos peculiares", ou seja, que poderiam ser exceções. Citou como exemplo a Operação Furacão, que tinha mais de 40 mil horas de gravações.
Um caso recente que permite perceber o impacto dos novos procedimentos é a Operação Monte Carlo, que investigou os negócios do empresário Carlinhos Cachoeira. Foram mais de oito meses de interceptações telefônicas.
Na CPI criada no Congresso para investigar as ligações políticas de Cachoeira, foi necessário um esquema inédito, inclusive com plantões aos fins de semana, para que advogados pudessem ouvir ao menos parte dos áudios.
Para o advogado Nabor Bulhões, que defende Cachoeira, a decisão é um avanço. "A transcrição tem que ser fiel. Muitas vezes o investigador se limita a fazer relatórios interpretando trechos e, com isso, altera o teor e o significado das interceptações. Isso tem levado, muitas vezes, a equívocos notórios."
O presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), Alexandre Camanho, afirmou que "é preciso dar a mais ampla defesa, mas existem coisas insignificantes que não precisam ser transcritas". (BRENO COSTA e MATHEUS LEITÃO)
Fonte: Folha de São Paulo (14.02.2013)