Por Leonardo Léllis
Está nas mãos do Supremo Tribunal Federal decidir sobre uma questão ainda não pacificada em relação ao pagamento de precatórios: o índice de atualização monetária das dívidas do poder público. Paralelo ao julgamento pelo STF que vai decidir se a Emenda Constitucional 62, conhecida como a Emenda do Calote, é constitucional ou não (ADI 4.357), o Conselho Nacional de Justiça trabalha para uniformizar a gestão de precatórios no país e definir, inclusive, o índice de correção a ser adotado. As propostas são estudadas pelo Fórum Nacional de Precatórios (Fonaprec).
Hoje, os tribunais adotam indicadores diferentes entre si. Enquanto algumas cortes utilizam o INPC ou IPCA, atrelados à inflação, outras aplicam a taxa referencial (TR) para corrigir os valores dos precatórios. O maior temor da advocacia em relação à padronização em análise pelo CNJ é que se decida pelo emprego da TR para atualizar os valores.
A taxa referencial, índice usado para compor o rendimento da poupança, é o menos vantajoso aos credores. Em 2012, a TR teve um rendimento acumulado de 0,2897% no ano - e desde novembro não apresenta variação. Já o INPC e o IPCA tiveram rendimento acumulado de 6,1978% e 5,8386%, respectivamente.
No próximo mês de abril, o Fonaprec deve apresentar suas propostas para padronização da gestão dos débitos públicos, que ainda devem ser aprovadas em assembleia e referendadas pelo Plenário do CNJ. O presidente da comissão de precatórios da OAB e representante da Ordem no fórum, Flavio Brando, explica que as decisões do CNJ estão submetidas ao posicionamento do Supremo no assunto.
Caso o STF não julgue a EC 62 até abril, Brando afirma que a tendência do fórum é propor o uso da TR como índice padrão para correção dos precatórios. Porém, diz ele, as regras poderão ser modificadas para se adaptarem ao que for decidido no Supremo, caso o julgamento ocorra após a aprovação da proposta de padronização. Já se o julgamento da Emenda acontecer até a conclusão dos trabalhos, o fórum deverá seguir o entendimento dos ministros do STF na formulação dos critérios.
Vice-presidente da comissão de dívida pública da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, Marco Innocenti afirma que o uso da TR como índice para atualização é inconstitucional. Ele alerta que sua adoção pelo CNJ poderá culminar em uma nova batalha judicial e cita o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 493, de 1992, que decidiu que a TR não é índice de correção monetária, por não constituir "índice que reflita a variação do poder aquisitivo da moeda".
"Se é para padronizar, então que se adote a premissa do próprio STF, afastando a TR e considerando os índices de inflação atualmente empregados pelos tribunais, como o IPCA na Justiça Federal e INPC na Justiça estadual. Assim, a chance de se ter que recalcular tudo novamente é muito pequena. Do contrário, se correria o risco de se recalcular três vezes os precatórios, aumentando a confusão e formando um novo passivo para ser discutido no Judiciário, eternizando os precatórios hoje existente", disse.
Para José Aloysio Cavalcanti Campos, procurador do estado do Pará, o reajuste de precatórios pela TR é previsto e determinado pela Constituição e os estados e municípios não podem aplicar um índice diferente. "É uma obrigatoriedade constitucional de respeitar os índices estabelecidos pela legislação." Porém, ele admite que se o STF decidir por um outro índice, e não houver mais possibilidade de recurso, o entendimento deverá ser respeitado.
"Até o Supremo fazer a observação final, os estados devem lutar pela aplicação dos índices estabelecidos pela Emenda 62", diz. "A regra constitucional é uma só e ela estabelece [que os precatórios devem ser reajustados] pelo índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança. Evidentemente que alguns tribunais têm entendido que se deve aplicar outro índice. Mas, os estados e municípios recorrem para que seja aplicado o índice constitucional."
Para o procurador do estado de Minas Gerais e professor da UFMG, Onofre Alves Batista Jr., é natural que os estados prefiram o índice que ofereçam o menor reajuste. Entretanto, ele reconhece que os índices atrelados à inflação para correção monetária podem ser um problema para os cofres públicos pelo risco de saírem do controle.
Pessoalmente, Batista Jr. propõe que a taxa Selic, definida pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central, seja adotada como parâmetro de reajuste monetário de todas as dívidas judiciais. "Como o estado cobra juros na Selic, ele deveria pagar juros no mesmo índice. Este é um valor financeiramente neutro, que deveria ser usado em todas as questões envolvendo estados, União e contribuintes", disse.
Na opinião do procurador, a padronização evita a chamada receita inflacionária e o estado se beneficie do fato de ter se tornado inadimplente. "A linha de moralização exige que seja adotado exatamente o mesmo índice. Esse índice é a Selic, que é o que se paga quando o estado lança mão de valores no mercado. O estado resgata dinheiro exatamente porque alguém deixou de pagá-lo e cobra a Selic porque é o índice que ele usou para resgatar."
Para Marco Innocenti, o CNJ deve considerar o que foi decidido no Supremo a respeito da TR na ADI 493, que a considerou inválida como índice de correção. "Se não é para fazer isso, melhor o CNJ deixar que os tribunais decidam de acordo com sua própria jurisprudência, facultando que as entidades públicas devedoras busquem, junto aos tribunais superiores, desconstituir a decisão com efeito geral proferida na ADI 5.493."
Leonardo Léllis é repórter da revista Consultor Jurídico.
Fonte: Revista Consultor Jurídico (04.03.2013)