Em decisão inédita, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) afastou a cobrança do IPI sobre produtos importados por empresa que não é contribuinte do imposto. O precedente, segundo advogados, é importante para reverter o resultado da disputa travada entre as companhias - principalmente prestadores de serviços - e a Receita Federal. Atualmente, todos os tribunais regionais federais (TRFs) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidem a favor do Fisco.
Para os ministros do Supremo, a importação não poderia ser tributada porque haveria violação do princípio da não cumulatividade do IPI, previsto no artigo 153 da Constituição. Se as prestadoras de serviço, por exemplo, fossem tributadas, não conseguiriam usar os créditos do imposto. A decisão foi unânime.
A Corte já aplicava o entendimento em casos de pessoas físicas que importaram bens, como veículos, para uso próprio. Segundo advogados, porém, foi a primeira vez que o STF decidiu dessa forma ao analisar a situação de uma empresa. "Pouco importa se o importador é pessoa física ou pessoa jurídica prestadora de serviços, o que importa é que ambos não sejam contribuintes habituais do imposto", afirma em seu voto o relator, ministro Dias Toffoli.
Além dele, votaram nesse sentido os ministros Luiz Fux e Rosa Weber. O ministro Marco Aurélio, que integra a 1ª Turma, não participou do julgamento, realizado em 26 de fevereiro. O acórdão só foi publicado neste mês. No dia 12, o Supremo reconheceu a repercussão geral do tema a partir de um recurso de uma pessoa física que importou um Cadillac para uso próprio. O relator é o ministro Marco Aurélio.
Na turma, os ministros analisaram o caso da Clínica Radiológica da Cidade de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul. A empresa importou 12 equipamentos, como aparelhos de raio-x, ultrassom e ressonância magnética. Com a decisão, a companhia conseguiu o direito de pedir a devolução do imposto pago nos últimos cinco anos e impedir o Fisco de cobrá-la em importações futuras.
Segundo os advogados da clínica, ainda está sendo levantado o valor da restituição, que estimam ser significativo. Somente na importação de um equipamento de R$ 716 mil, a empresa teria pagado R$ 16 mil de IPI. "Outro cliente chegou a recolher R$ 50 mil do imposto em uma só operação", diz o advogado Ulisses Jung, da Advocacia Ulisses Jung, que defende a clínica no processo.
Os ministros fundamentaram ainda a decisão no fato de o IPI não poder ser exigido apenas em razão da entrada do produto no país. "O IPI não é imposto próprio do comércio exterior, mas um imposto sobre a produção", afirma Dias Toffoli. Com isso, diferenciaram o IPI do ICMS. Também regido pelo sistema da não cumulatividade, o ICMS passou a ser exigido na importação em 2001 a partir da Emenda Constitucional nº 33.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) recorreu da decisão. "A União continuará recorrendo das decisões das turmas até o julgamento da repercussão geral pelo Supremo", diz a procuradora Claudia Trindade, coordenadora da Atuação Judicial no STF.
Para advogados, a decisão é um precedente para prestadores de serviços, como clínicas médicas e bancos, que têm perdido a discussão nas instâncias inferiores da Justiça. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) só reconhece a não incidência do IPI nas importações realizadas por pessoas físicas. "Os tribunais federais têm negado o direito inclusive para as pessoas físicas", afirma a advogada Luiza Perez, da Advocacia Ulisses Jung.
Os julgamentos são desfavoráveis ao contribuinte por uma previsão do Código Tributário Nacional (CTN), de 1966. Pelo inciso I do artigo 46 da norma, o IPI pode incidir no desembaraço aduaneiro, quando o produto tiver procedência estrangeira. Em julgados de 2009 e 2011, as turmas do STJ fixaram o entendimento de que "são irrelevantes as finalidades a que se destine o produto ou o título jurídico a que se faça a importação ou de que decorra a saída do estabelecimento produtor". Os casos analisados também eram de importação de equipamentos médicos.
Nos cinco tribunais federais, os precedentes são diversos com o mesmo entendimento do STJ. Mais rigorosos, porém, os desembargadores têm exigido o imposto até mesmo de pessoas físicas. "Se a lei não distingue entre pessoa física ou jurídica e entre comerciante e não comerciante para indicar o sujeito passivo do IPI relativo à importação de veículo adquirido no exterior, não cabe ao intérprete fazê-lo legitimamente", afirmam os desembargadores do TRF da 4ª Região (Sul do país).
Em decisão recente, o TRF da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo) entendeu que não haveria violação ao princípio da não cumulatividade. Isso porque, no caso analisado, o importador era o consumidor final.
Para a advogada Camila de Morais Leite, sócia do escritório Marcelo Tostes Advogados, a decisão recente do STF pode modificar as discussões no Judiciário. "Acredito que os tribunais podem passar a seguir o entendimento, já que o Supremo influencia os tribunais regionais federais", diz. Segundo ela, o precedente assegura a garantia do sistema da não cumulatividade do IPI. "Além disso, os prestadores de serviço já recolhem o imposto do comércio exterior, que é o Imposto de Importação."
Para alguns advogados, a decisão da 1ª Turma do Supremo está de acordo com a jurisprudência da Corte. Mas é absurda por desnivelar a tributação do produto importado e do nacional. A não ser por desonerações promovidas pelo governo, uma pessoa que compra um carro no Brasil paga o IPI embutido no preço. Ocorre o mesmo com uma prestadora de serviços que opta por adquirir um bem no país. "A pessoa física ou a empresa não contribuinte do imposto arca com o IPI nas compras realizadas no Brasil e também não consegue utilizar os créditos. Então por que afastar a tributação nas importações?", questiona o tributarista André Mendes Moreira, do Sacha Calmon - Misabel Derzi Consultores e Advogados.
Por Bárbara Pombo | De Brasília
Fonte: Valor Econômico (02.05.13)