Na próxima terça-feira entra em vigor o primeiro decreto (nº 7962/13) que define regras específicas ao setor de comércio eletrônico no Brasil, mas há uma série de pontos sensíveis no documento que ainda são alvo de análise do governo e das empresas do setor. Alguns deles, como a definição daquilo que pode ser chamado como arrependimento de uma compra e o estorno de um pagamento, não estão claramente definidos no decreto. Há uma movimentação no varejo na tentativa de debater a hipótese de algum instrumento legal, como uma portaria, que esclareça pontos em aberto.
Uma reunião entre as maiores redes de varejo on-line do país e a Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (Camara-e.net) foi realizada na segunda-feira para a criação de um documento, de oito páginas, já enviado para a Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça (Senacon/MJ), com esclarecimentos sobre questões que precisam de análise imediata. Netshoes, Nova Pontocom (sites de Casas Bahia e Ponto Frio), Walmart.com e Marisa.com participaram da reunião.
O Valor teve acesso a esse documento enviado para a Senacon/MJ. Nele, a Associação que representa o setor cita especificamente dois pontos: o direito do consumidor se arrepender de uma compra (e como devolver o produto para a loja) e os procedimentos de reembolso. Os dois tópicos são citados no texto do decreto, composto de duas páginas e nove artigos.
Pelo documento, as lojas de varejo on-line entendem que o arrependimento não cabe a quem "usou e não gostou", mas é direito de quem "caso tivesse acesso direto ao bem (adquirido no comércio eletrônico), não teria realizado a compra". "Não dá para devolver um CD porque você não gostou da música", diz Ludovino Lopes, presidente da Camara-e.net. No documento, também há outro esclarecimento, a respeito de produtos que podem ser devolvidos. "Como, por exemplo, se permitir que o direito de arrependimento seja garantido ao consumidor que adquire uma entrada de cinema? Ou na compra de filmes e livros?".
Hoje, na maioria das lojas, para se devolver CDs, DVDs e livros, é imprescindível a etiqueta ou lacre do produto. O decreto que entra em vigor não aprofunda quais as condições para devolução. "Estamos nos baseando numa diretiva do parlamento europeu de 1997 que estabelece critérios para arrependimento", diz Lopes.
As grandes redes de varejo on-line ainda querem tratar com o governo a questão dos custos de uma devolução de um produto que voltou à loja por arrependimento. Para as lojas, o custo de retirar o produto na casa do cliente não podem ser assumidos pela empresa varejista. Essa discussão com a Senacon acontece num momento em que as empresas de varejo on-line no país ainda registram, em sua maioria, prejuízo nos resultados, como já admitem as próprias redes. "Há grandes grupos do setor ganhando dinheiro, mas são pouquíssimos", diz Marcio Cots, sócio do Cots Advogados, escritório especializado em direito digital.
Segundo proposta das redes, assumir o custo da devolução de uma mercadoria por arrependimento não pode ocorrer apenas porque esse é "um risco do negócio". Segundo Lopes, as empresas de grande porte conseguem absorver esse gasto extra, mas as pequenas e médias não. "Isso pode quebrá-las", diz ele. "Deve-se deixar a critério e escolha do empresário a forma de materialização do direito de arrependimento, sem risco de regras e detalhamentos que prejudiquem o comércio eletrônico", informa o documento encaminhado à Senacon/MJ.
O problema aí é o risco de deixar o tema do custo da devolução sem definição clara. " A nossa proposta é que todos os sites especifiquem em suas páginas as suas condições para retirar um produto na casa do cliente arrependido", disse Lopes. "Aí o cliente escolhe se compra lá ou não".
Um outro ponto, mencionado no decreto e sob análise das lojas, é o reembolso de um cancelamento de compra. Pelo decreto, se um cliente cancela uma operação, a loja tem que informar a administradora do cartão de crédito, que fica responsável pelo estorno do valor. "A questão é que o decreto não atribui ao cartão a responsabilidade da não cobrança na fatura e do estorno. Isso fica vago", diz Cots, sócio do Cots Advogados. "A loja fica responsável pelo contato com o cliente e com o cartão, mas o cartão não fica responsável por informar o cliente do procedimento de cancelamento".
No documento, a associação do setor escreve: "O tema comércio eletrônico e demais discussões complexas como as que ora se desenvolvem não podem ser ultimadas tendo sido ouvidas apenas as empresas e instituições de comércio eletrônico". Em outras palavras, as administradoras deveriam ser chamadas para o debate. A Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) informa que está em contato permanente com a Senacon/MJ, mas não tratou desse tema com a secretaria até o momento.
Por Adriana Mattos | De São Paulo
Fonte: Valor Econômico (10.05.13)