Em evento de advogados, Ellen Gracie defende o fim do contencioso de massa

Leia em 4min 10s

O fim do contencioso de massa foi defendido pela ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie. Em palestra nesta quarta-feira (18/3), no Rio de Janeiro, a uma plateia composta por advogados — muitos de empresas com um volume considerável de processos na Justiça — ela afirmou não ser mais possível ao Poder Judiciário ter que responder a uma mesma questão inúmeras vezes.

 

“Devemos terminar com o contencioso de massa. Não é mais possível que o Judiciário tenha que carimbar decisões semelhantes milhares de vezes”, declarou a ministra aposentada, que defendeu também uma “mudança de mentalidade” por parte de advogados e juízes para enfrentar o alto acervo de processos que hoje se acumula nos tribunais.

 

Ellen Gracie falou no evento "Perspectivas do Contencioso para 2015". Promovido pelo escritório Gondim Advogados Associados, o debate foi permeado pela dúvida quanto ao futuro da advocacia de massa, principalmente com o novo Código de Processo Civil, promulgado na última segunda-feira (16/3).

 

Segundo a ministra aposentada, “é muito pouco acreditarmos que precisamos de um contencioso de massa para empregarmos advogados”. De acordo com ela, os profissionais têm campo de trabalho, principalmente se o país mudar a cultura de somente procurá-los na iminência de algum problema. Nesse sentido, defendeu a atuação cada vez maior dos causídicos como consultores “antes de se fechar um negócio, comprar um carro ou adquirir um apartamento”.

 

Ellen Gracie destacou que as mudanças provocadas pelo novo Código de Processo Civil não vão, sozinhas, resolver o problema de excesso de litígios. Outras medidas devem ser empregadas, entre elas a mediação. “Essa mudança de mentalidade não é fácil porque todos nós recebemos uma formação direcionada para o contencioso. Mas tanto a classe dos advogados como dos magistrados precisam fazer esse grande esforço”, afirmou.

 

Ela destacou que os primeiros mediadores são os advogados, que ao ter contato com o caso devem orientar seus clientes sobre a real chance de êxito da demanda, evitando assim o “dispêndio inútil de recursos e tempos”.

 

Para Ellen Gracie, a maior dificuldade será empregar a mediação na administração pública. Pelo novo CPC, os entes públicos devem instalar câmaras de conciliação e arbitragem. Segundo a ministra aposentada, o problema é que a administração não costuma autorizar seus procuradores a transacionar direitos, nem mesmo para resolver a questão na esfera extrajudicial. “O x dessa questão é essa desconfiança com relação aos procuradores. Isso vai demandar uma mudança de mentalidade”, destacou.

 

Juizados


Também palestrante no evento, o juiz Flávio Citro afirmou ter receio de que o novo CPC acabe por abarrotar ainda mais os juizados especiais. Ele coordena as Turmas Recursais do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que é a segunda instância dos juizados especiais. E explicou que o problema da demanda poderá ser agravado com o Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva (IRDR), inaugurado na nova lei.

 

O IRDR poderá ser suscitado pelos juízes da primeira instância quando verificado a existência de ações idênticas sobre determinada questão. O caso será analisado pela segunda instância, e a decisão deverá ser reproduzida por todas as varas e juizados vinculados ao tribunal que analisou o tema. O problema, de acordo com Citro, é que o instituto prevê a suspensão de todos os processos semelhantes até a corte julgar o conflito.

 

“Ele [o IRDR] pressupõe que haja uma demanda que seja alcançada pela decisão final da demanda repetitiva. No microsistema dos juizados, precisamos de oxigenação. É fundamental. Isso quer dizer: se entram duas mil ações, temos que julgar duas mil ações. Se entram duas mil ações, e no estoque já há outras 15 mil, se deixamos acumular mais mil, em pouco tempo o acervo estará absurdo. A minha preocupação é essa: a medida que o incidente manda paralisar os processos, para aguardar a decisão, ele se incompatibiliza com a estrutura dos juizados”, disse.

 

Na avaliação de Citro, o problema se agrava porque o novo CPC não prevê que o incidente seja suscitado pelos juízes de juizados. De acordo com ele, pelo novo código, apenas os juízes das varas podem pedir a definição de um conflito via IRDR. Então, a decisão final beneficiará os juizados apenas nas causas que também estão em curso na primeira instância.

 

“Acho que se o objetivo é uniformizar e pacificar a jurisprudência, para mostrar a sociedade que o Judiciário tem um entendimento pacífico sobre determinado assunto, necessariamente teremos que abrir um caminho para que essas questões dos juizados também se tornem demanda repetitiva”, destacou.

 

Evento


O evento Perspectivas do Contencioso para 2015 aconteceu no Hotel JW Mariott, em Copacabana. Também participaram como palestrantes o professor Elias Marques de Medeiros Neto e o advogado Carlos Roberto Barbosa Moreira.

 

Giselle Souza

 

 

Fonte: Revista Consultor Jurídico (18.03.2015)


Veja também

Quem reduzir consumo de energia terá bônus na conta, diz secretário

Bônus será para quem economizar 10% de energia com relação a 2020   O Brasil passa pel...

Veja mais
Confaz prorroga até 31 de dezembro a isenção de ICMS sobre transporte no enfrentamento à pandemia

Convênios prorrogados também amparam empresas, autorizando que os estados não exijam o imposto por d...

Veja mais
Mapa estabelece critérios de destinação do leite fora dos padrões

PORTARIA Nº 392, DE 9 DE SETEMBRO DE 2021   Estabelece os critérios de destinação do le...

Veja mais
Empresa não deve indenizar por oferecer descontos apenas a novos clientes

Não há vedação legal para que fornecedores de serviços ofereçam descontos apen...

Veja mais
Justiça do Trabalho é incompetente para execução das contribuições sociais destinadas a terceiros

A 9ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT/RJ), ao julgar um agravo de petiç&...

Veja mais
Corte Especial reafirma possibilidade de uso do agravo de instrumento contra decisão sobre competência

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu embargos de divergência e reafirmou o entend...

Veja mais
Partidos questionam MP sobre remoção de conteúdo das redes sociais

Seis legendas buscam no STF a suspensão dos efeitos da norma assinada pelo chefe do Executivo federal.   O...

Veja mais
Consumo das famílias cresce 4,84% em julho, diz ABRAS

Cebola, batata e arroz foram os produtos com maiores quedas no período   O consumo das famílias bra...

Veja mais
Lei que prorroga tributos municipais na epidemia é constitucional, diz TJ-SP

Inexiste reserva de iniciativa de projetos de lei versando sobre matéria tributária, a teor do dispos...

Veja mais