Entra em vigor hoje, dia 25 de novembro, as novas regras do direito concorrencial brasileiro que disciplinam os denominados contratos associativos. A Resolução nº 17, que altera as hipóteses de notificação obrigatória desse tipo de contrato, foi aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em sessão de 18 de outubro e publicada no Diário Oficial da União em 25 de outubro.
Desde sua vigência, no início de 2015, a revogada resolução que tratava do assunto (Resolução nº 10) foi alvo de críticas generalizadas dos regulados e da comunidade jurídica, notadamente por certa vagueza terminológica e filtros complicadores. A depender da interpretação conferida à Resolução 10, era relativamente comum situações em que simples e rotineiros contratos de fornecimento e distribuição, por exemplo, sujeitavam-se à notificação obrigatória, não obstante a ausência de impactos ou prejuízos à ordem econômica. Isso gerava revolta do empresariado, particularmente pelo custo de transação (desnecessariamente) envolvido.
E exatamente porque a necessidade de obter a aprovação prévia do Cade para tais contratos poderia retardar ou até mesmo inviabilizar o desenvolvimento cotidiano de uma série de negócios, sem mencionar que o filtro antigo por vezes desviava o foco da autoridade antitruste de assuntos efetivamente relevantes, começou-se um debate entre Cade, regulados e sociedade civil para melhor aperfeiçoar os termos da resolução, tornando-a mais operativa e aderente à matriz legal.
O Cade optou por focalizar sua análise e seus recursos em operações envolvendo concorrentes no objeto do contrato
Destaca-se, nesse contexto, a transparência do Cade no diálogo com os regulados a fim de estabelecer regras que melhor capturassem as nuances da dinâmica empresarial, em sintonia com o ambiente de negócios local.
A partir da Resolução nº 17, observados os critérios objetivos de faturamento dispostos na legislação concorrencial, contratos associativos são definidos como aqueles com duração igual ou superior a dois anos, que estabeleçam empreendimento comum para exploração de atividade econômica. Para tanto, é importante que duas condições sejam atingidas de maneira cumulativa: (i) o contrato deve estabelecer compartilhamento de riscos e resultados da atividade econômica que constitua o seu objeto e (ii) as partes contratantes devem ser concorrentes no mercado relevante objeto do contrato.
Atividade econômica, para esse fim, tem a ver com a noção de aquisição ou oferta de bens ou serviços no mercado. E mesmo que sem a finalidade lucrativa, mas desde que a atividade possa ser, ainda que teoricamente, explorada por empresa privada com o propósito de lucro, ter-se-ia a noção de atividade econômica atendida.
Como uma das principais mudanças trazidas pelas novas regras, o Cade optou por focalizar sua análise e seus recursos em operações envolvendo concorrentes no objeto do contrato. Assim, muitos dos contratos simples e cotidianos de fornecimento e distribuição, antes criticados por estarem abrangidos na regra antiga, a rigor, não mais necessitarão da aprovação prévia da autoridade concorrencial se a relação horizontal no objeto do contrato não for vislumbrada.
Outrossim, importante que esteja no radar das empresas: contratos, que se enquadrem na categoria de associativos, com duração inferior a dois anos ou por prazo indeterminado, deverão ser notificados ao Cade caso o período de 2 anos, a contar da sua assinatura, seja atingido ou ultrapassado. Nesses casos, os contratos deverão ser notificados previamente à sua renovação, e a continuidade da sua vigência dependerá da aprovação do Cade. Aqui, a ponderação que exsurge diz respeito à efetividade/viabilidade dessa regra específica que determina a suspensão de um contrato que já está em andamento enquanto se espera a aprovação do Cade. Em termos práticos: o que fazer com a planta produtiva? E com os custos? E a demanda preexistente dos clientes? E os funcionários?
Enfim, sem prejuízo de outros mais, parece-nos que esse certamente será um dos próximos desafios a ser enfrentado no dia a dia das operações, que deverá ser manejado pelos agentes econômicos e considerado pela autoridade.
Nesse primeiro momento, sucintamente, vislumbramos o espírito das novas regras sobre contratos associativos no exato sentido de priorizar a análise concorrencial para operações que possam ter algum risco ao mercado, de sorte que, em princípio, muitos contratos triviais e do cotidiano dos negócios estariam isentos do crivo concorrencial no que concerne ao controle estrutural, não obstante sejam completamente passíveis de investigação pelo Cade sob a égide do controle de condutas.
Em conclusão, ainda que seja possível refinar um ou outro ponto dessas novas regras, no balanço, a iniciativa do Cade em revisitar o assunto foi acertada, conferiu mais clareza e veio em boa hora, sinalizando que o descompasso entre teoria e prática deve ser alvo de problematização, levando em conta um debate transparente, que considere a opinião dos regulados, da sociedade civil e o contexto local, com o objetivo último de, com coerência e consistência, aproximar a legislação da realidade dos fatos. Importante acompanhar na prática como essas novas regras serão recepcionadas pelo mercado e seus desdobramentos.
Eduardo Caminati Anders, Leda Batista da Silva e Guilherme Teno Castilho Missali são, respectivamente, presidente e membros associados do Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional (IBRAC); sócio e associados do Lino, Beraldi, Belluzzo e Caminati Advogados
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Por Eduardo Anders, Leda da Silva e Guilherme Missali
Fonte : Valor Econômico (25.11.2016)
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