Sem conseguir cumprir os termos acertados com os Credores, cresce o número de Companhias que volta à mesa de negociações
Quase dois anos depois de ter o Plano de Recuperação Judicial aprovado pelos Credores, a fabricante de rodas de liga leve Mangels teve de rever o acordo para continuar de pé. Há pouco mais de duas semanas, a Empresa conseguiu aprovar em Assembleia as novas condições do plano de recuperação, que preveem a extensão dos prazos de pagamento da dívida, de cerca de R$ 500 milhões. A Companhia alegou que a forte e rápida deterioração da economia brasileira afetou as premissas do plano original e, com isso, os pagamentos de 2017 poderiam ser comprometidos.
O caminho seguido pela Mangels também tem sido a alternativa de outras centenas de Empresas com dificuldades para cumprir os Planos de Recuperação. Um levantamento feito pelo Instituto Nacional de Recuperação Empresarial (INRE) mostra que o número de Companhias que estão revendo os Acordos com os Credores, num universo de cerca de 6 mil Empresas, cresceu 31,5% nos últimos dois anos.
O Setor que mais tem recorrido a uma nova rodada de negociação das recuperações judiciais é o Comércio. Dos 31,5% de crescimento, 13,5 pontos porcentuais são de Empresas do segmento. Em seguida, aparece o Agronegócio, com 8 pontos porcentuais; Indústria, com 5 pontos porcentuais; e Serviços, 3 pontos porcentuais. “Na maioria dos casos, o Plano de Recuperação foi feito com base numa conjuntura econômica que previa venda de unidades e imóveis. Com a crise, isso não foi possível”, diz Carlos Henrique Abrão, Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e Conselheiro fundador do INRE.
No caso da Mangels, por exemplo, o pedido de recuperação judicial foi feito em 2013 e o acordo fechado em 2014. Quando o plano foi desenhado, o dólar estava perto de R$ 2,20 e a economia ainda crescia. Em 2013, o Produto Interno Bruto (PIB) avançou 2,3% e, no ano seguinte, 0,1%. Daí para frente, o tombo da atividade econômica foi brusco e o número de Empresas que sucumbiram ao aperto do crédito e à queda de receitas foi grande. Só neste ano, o volume de Companhias que entraram em Recuperação Judicial aumentou 132%, segundo o INRE.
Revisão. Mas esse movimento teve início no segundo semestre de 2014. Agora, no entanto, começa um novo ciclo, que é o fim da carência para iniciar vários pagamentos. “Notamos que desde o começo do segundo semestre a procura de Empresas em recuperação judicial por revisão dos planos tem aumentado”, afirma o sócio da Consultoria TCP Latam, Fábio Flores. Na avaliação dele, é fácil entender esse novo movimento: as vendas estão mais devagar e o passivo continua grande. “Nesse ambiente, negociações mais simples não funcionam mais.”
Muitas Empresas apostavam na venda de ativos para conseguir honrar parte dos compromissos. Mas a onda de incerteza pela qual o Brasil passou – e ainda passa – atrapalhou os negócios. A Mangels, por exemplo, só conseguiu agora uma sinalização de que conseguirá vender um imóvel em São Bernardo do Campo. Segundo o Diretor financeiro da Empresa, Fábio Mazzini, o dinheiro será usado integralmente para quitar parte da dívida com credores estrangeiros.
A expectativa é que essa onda de repactuação perdure por mais um tempo até que as condições econômicas se fortaleçam. O presidente da consultoria Alvarez & Marsal, Marcelo Gomes, afirma que há vários processos de revisão de planos feitos a partir de 2010, cujos prazos de carência terminam agora. “As vendas não voltaram ao normal, a rentabilidade não melhorou e o crédito secou, além de ter ficado mais caro. O problema é que são Empresas que dependem de capital de giro para operar.
Para entender. Desde 2005, a Lei de Recuperação e Falências tem sido o instrumento utilizado por Empresas para reestruturar atividades. A Recuperação Judicial é uma medida para evitar a falência de uma Empresa, pedida quando a Companhia perde a capacidade de saldar suas dívidas.
O recurso possibilita que a Empresa mantenha suas atividades, o emprego dos funcionários e os interesses dos credores (que querem ser pagos). O pedido tem de ser feito na Justiça e, uma vez realizado, a Empresa tem seis meses para apresentar aos Credores um plano de como pretende sair da crise e saldar suas dívidas.
Este ano até setembro, segundo a Serasa Experian, 1.479 empresas entraram com pedido de recuperação judicial. O número é 62% maior do que o registrado no mesmo período de 2015.
Renée Pereira
Fonte: Estadão (27.11.2016)