Escritórios de advocacia registram baixa demanda por repatriação

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As adesões à segunda etapa da repatriação – o programa que permite a regularização de bens mantidos no exterior e não declarados no Brasil – vêm partindo, principalmente, de contribuintes que não conseguiram concluir a declaração na primeira rodada (seja por falta de tempo para organizar a documentação ou liquidez para pagar o imposto) ou que deixaram algum ativo de fora do documento e agora estão aproveitando para complementá-lo.

 

Essa é a situação que está se verificando nos escritórios de advocacia. E é também o que explica, segundo os especialistas, a baixíssima demanda. A procura de interessados por bancas que no ano passado foram campeãs em número de clientes hoje é quase que inexistente. "Na primeira rodada fizemos mais de 200 regularizações. Agora dá para contar nos dedos", diz a advogada Ana Carolina Monguilod, sócia do escritório PG Law.

 

Até a semana passada, segundo a Receita Federal, havia 836 declarações. Se esses contribuintes confirmarem o pagamento dos tributos, a arrecadação chegará a R$ 808 milhões – e esse valor ainda será dividido com Estados e municípios.

 

São números muito abaixo do esperado. Quando lançou a segunda rodada, no começo de abril, o governo federal estimava alcançar R$ 10 bilhões. Um volume praticamente inatingível levando em conta que o prazo de adesão se encerra no próximo dia 31, ou seja, daqui a uma semana.

 

Essa previsão de R$ 10 bilhões, mesmo que bem inferior aos cerca de R$ 50 bilhões que foram arrecadados na etapa anterior do programa, já era considerada "otimista demais" pelo advogado Alessandro Fonseca, do escritório Mattos Filho.

 

"Na minha visão, essa segunda rodada sempre foi para a correção e solução de problemas que sobraram da primeira", diz. "O intervalo entre uma e outra foi muito pequeno. Nunca vislumbrei que pessoas que tenham ativos não declarados e que acompanharam toda a discussão no ano passado e ainda assim escolheram não declarar fossem mudar de ideia em tão pouco tempo", acrescenta.

 

O dia a dia confirma a previsão de Alessandro Fonseca. O que tem se visto, afirma, é a adesão de pessoas que tentaram, mas não conseguiram concluir a operação no ano passado. Principalmente porque tiveram dificuldades em apresentar, em tempo hábil, a documentação exigida, extrato bancário ou mesmo o balanço de uma sociedade offshore não foi terminado no prazo.

 

Nessa lista, segundo a advogada Ana Carolina Monguilod, também constam aqueles que deixaram de incluir ativos. Ela cita casos de clientes, por exemplo, que por esquecimento ou até falta de conhecimento acabaram não declarando, na primeira rodada, operações relacionadas a seguro de vida.

 

"Produtos que se assemelham ao VGBL, ou seja, um seguro de vida com características de investimento, precisam ser declarados e algumas das pessoas que nos procuraram não haviam incluído", pontua a advogada.

 

Sobre a escassez de novos participantes, os especialistas ponderam que se justifica por um "conjunto de fatores". Entre eles estaria o esgotamento natural da demanda. Primeiro porque, afirmam, no ano passado não se esperava pela abertura de uma segunda rodada e, depois, porque os bancos estrangeiros fizeram muita pressão para que os seus correntistas regularizassem a situação.

 

"O contato era direto. Ou o correntista brasileiro declarava o seu dinheiro ou a conta seria fechada", lembra um advogado.

Além disso tem a questão do aumento de custos. A alíquota do Imposto de Renda, nesta segunda etapa do programa, permanece a mesma – 15%. A multa, porém, subiu de 15% para 20,25% e houve mudanças ainda no câmbio. No ano passado utilizava-se a cotação de 31 de dezembro de 2014, que estava em R$ 2,65, e para agora foi estabelecida a de 30 de junho de 2016, que é de R$ 3,20.

 

Se somadas as duas mudanças, calculam advogados, a carga tributária efetiva teve um aumento de mais de 40%.

O advogado Edison Fernandes, sócio do FF Advogados, diz que a procura de interessados em aderir a esta segunda rodada do programa representa cerca de 5% do total registrado pelo escritório no ano passado e afirma já ter até recebido ligações de bancos questionando sobre o movimento. "A maioria de boa-fé já fez no primeiro programa", pondera.

 

Na semana passada, em meio à divulgação dos baixos números da segunda rodada do programa, a Receita Federal informou que iniciará uma ação de fiscalização para autuar 2,1 mil brasileiros que compraram imóveis em Miami, nos Estados Unidos, e não declararam o bem ou informaram apenas um valor parcial. Essa ação começaria no mês de agosto, após esgotado o prazo de adesão ao programa.

 

Apesar de a divulgação ter sido interpretada como um instrumento de pressão aos contribuintes, advogados não acreditam que haverá grande impacto na busca pela regularização. "Está muito em cima da hora para gerar procura. Até porque para operacionalizar toda essa remessa precisa de tempo, no mínimo uns quatro dias se tudo der certo", analisa Eduardo Fleury, sócio do FCR Law.

 

O advogado do Mattos Filho, Alessandro Fonseca, chama a atenção para o fato de as estruturas de aquisição de imóveis nos EUA, normalmente, serem feitas por pessoa jurídica. Isso por conta do imposto cobrado no país americano quando, no caso de a compra ter sido efetuada por pessoa física, haver a transferência de titularidade. O imposto cobrado para a simples troca de nome beira os 55%.

 

Já as empresas não estão sujeitas à essa regra (pelo fato de haver a transferência de quotas da pessoa que detém aquela sociedade e não a troca de titularidade do imóvel). Nesses casos – que, segundo o advogado representam praticamente 100% das operações – a pessoa física aqui no Brasil tem de declarar que é proprietária da sociedade e que aquela determinada sociedade é a dona do imóvel.

 

"Se as quotas dessa sociedade estiverem declaradas, não há questões tributárias para se discutir", detalha Fonseca. "Então, eu não acredito que será automático. A Receita não vai pegar 2,1 mil pessoas e autuar todas elas", complementa.

 

É unânime entre os advogados, no entanto, que a adesão ao programa é essencial para aqueles que têm ativos fora e ainda não os regularizaram. Principalmente pela anistia concedida na esfera criminal. Hermano Barbosa, sócio do Barbosa Müssnich Aragão (BMA), diz que essa nova edição traz um pouco mais de segurança aos contribuintes.

 

Ele cita dispositivo que deixa claro, por exemplo, a possibilidade de alterar a declaração na hipótese de o contribuinte cometer algum erro nos valores informados. Diferentemente da etapa anterior, nesta ele não será excluído do programa.

 

Por Joice Bacelo | De São Paulo

 

 

Fonte: Valor Econômico (25.07.2017)


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