Reforma trabalhista muda contratos entre empresas e advogados

Leia em 5min 30s

 

A reforma trabalhista começa a alterar a forma de relacionamento entre departamentos jurídicos e escritórios de advocacia terceirizados. O motivo é a previsão de pagamento de honorários de sucumbência por trabalhadores aos advogados da parte contrária que ganharem as causas --  possibilidade que não existia até novembro, quando a Lei nº 13.467, de 2017, entrou em vigor.

 

Os honorários, que a depender do montante da causa podem ser altos, começaram a chamar a atenção das áreas jurídicas de algumas empresas, que passaram a reivindicar parte desses valores.

 

Alguns escritórios já revisaram seus contratos para dividi-los com os clientes  (departamentos jurídicos), sob forma de desconto nas faturas mensais. Esse posicionamento, porém, não é unânime. Há bancas que decidiram manter os contratos no antigo formato, por entenderem que só têm direito aos honorários advogados externos que atuaram na causa.

 

O advogado Daniel Chiode, sócio do Chiode Minicucci Advogados, resolveu dividir os ganhos. Após a reforma,  propôs aos clientes um percentual dos honorários de sucumbência.  "Achei legítimo dividir porque o fato de eu ganhar ou perder uma ação tem a ver também com a atuação do departamento jurídico", afirma.

 

De acordo com Chiode, foram alterados 18 contratos. Os valores destinados aos departamentos jurídicos serão descontados das faturas enviadas aos clientes. Com a medida, Chiode ganhou trabalho. Ele afirma que seus clientes remanejaram processos que estavam com outras bancas para o escritório.

 

Do ponto de vista ético, a seccional paulista da  Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) considerou válida a divisão dos honorários sucumbenciais entre o advogado e o cliente. Em decisão da 1ª Turma, na 606ª sessão, realizada em agosto, o  Tribunal de Ética e Disciplina entendeu que essa negociação é possível. Porém, "é dever do advogado atuar com dignidade e contratar honorários advocatícios que não sejam aviltantes, cujas condutas podem ser reprováveis eticamente".

 

Até a reforma trabalhista (Lei nº 13.467, de 2017), os honorários de sucumbência eram previstos apenas para a esfera cível. O artigo 791-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)  passou a prever que são devidos os honorários sucumbenciais, inclusive ao advogado que atue em causa própria, "fixados entre o mínimo de 5% e o máximo de 15% sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa". A medida foi incluída como forma de coibir  "aventura jurídicas".

 

Mercado

A divisão com os departamentos jurídicos, porém, não parece, ao menos por enquanto, que será a praxe do mercado. O advogado Marcello Della Monica, do Demarest Advogados, afirma que o artigo 23 do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8906, de 1994) é claro no sentido de que os honorários de sucumbência pertencem ao advogado que atua na causa.

 

Para Della Mônica, tudo dependerá também do tipo de contrato. A maioria dos grandes escritórios estabelece em contrato que o processo será outorgado exclusivamente ao advogado da banca. "Nesses casos, não haveria discussões em relação a quem pertencem esses honorários", diz. Já nas situações em que há o substabelecimento e iguais poderes para o advogado externo e interno, poderia, segundo ele, haver esse questionamento em relação aos honorários.

 

"Apesar de ser um direito que se pode transacionar entre escritórios e departamentos jurídicos, o que deve nortear essa discussão é quem de fato está atuando no processo", afirma Della Mônica. Para ele, esses honorários são do advogado contratado porque caberá a ele fazer as petições, comparecer às audiências e fazer sustentações orais.

 

No caso do Demarest, segundo o advogado, a banca é contratada para  conduzir assuntos estratégicos. "Somos contratados pela nossa expertise, todo o esforço e desenvolvimento da tese é em grande parte do escritório, apesar da colaboração preciosa dos clientes", diz Della Mônica.

 

O advogado Maurício Pessoa, do Pessoa Advogados, também concorda que os honorários são do escritório. "Essa é uma situação nova na Justiça do Trabalho mas não na área cível, na qual  já está consolidado que quem deve receber esses honorários é o advogado do escritório. Até porque é o que está previsto em lei", afirma. De acordo com ele, o escritório ainda não teve nenhuma solicitação de cliente para a divisão dos valores que forem recebidos.

 

Essa situação também não chegou a ser concretamente analisada no Azevedo Sette Advogados, mas o sócio Paulo Ciari de Almeida Filho afirma que os honorários são um direito do advogado do escritório. Para ele, eventual reivindicação de valores pelos departamentos jurídicos poderia gerar um efeito cascata. Provavelmente, o que ocorreria, acrescenta, seria um aumento dos honorários pro labore -- pagos na prestação do serviço ou por hora trabalhada, por mês ou valor fixo. "Essa compensação teria que vir de outro lugar", diz.

 

A head jurídica e de relações governamentais da Cabify, Juliana Minorello, entende, porém, que os advogados internos das companhias também devem ganhar uma porcentagem dos honorários, na medida em que a própria OAB já admitiu essa possibilidade. "Quer queira, quer não, o que existe é  uma parceria com os escritórios de advocacia", diz. Para ela, "por mais que exista a contratação externa, as diretrizes do processo vêm do jurídico interno".

 

Juliana afirma que ainda é necessário analisar quais seriam as porcentagens ideais para cada um. Em geral, segundo ela, tem-se negociado 30% para o departamento jurídico e 70% para o escritório. Por questões de compliance, as empresas ainda precisam avaliar como poderiam ser feitas essas repartições: se os advogados externos repassariam esses valores, descontariam da fatura ou se haveria um saque pelo jurídico por meio de um alvará.

 

Essa possibilidade de divisão dos ganhos, segundo Juliana, trouxe um incentivo a mais para que os departamentos jurídicos desenvolvam com mais eficiência o seu trabalho.

 

Head do departamento jurídico da Apsen Farmacêutica, Harley Ferreira Cerqueira lembra  que os departamentos jurídicos são responsáveis por parte da defesa. São os advogados internos, acrescenta, que levantam toda a documentação necessária e apresentam os fatos e as teses para que o escritório terceirizado possa redigir as peças.

 

Por Adriana Aguiar

 

Fonte: Valor Econômico – 23/07/2018.

 

 


Veja também

Quem reduzir consumo de energia terá bônus na conta, diz secretário

Bônus será para quem economizar 10% de energia com relação a 2020   O Brasil passa pel...

Veja mais
Confaz prorroga até 31 de dezembro a isenção de ICMS sobre transporte no enfrentamento à pandemia

Convênios prorrogados também amparam empresas, autorizando que os estados não exijam o imposto por d...

Veja mais
Mapa estabelece critérios de destinação do leite fora dos padrões

PORTARIA Nº 392, DE 9 DE SETEMBRO DE 2021   Estabelece os critérios de destinação do le...

Veja mais
Empresa não deve indenizar por oferecer descontos apenas a novos clientes

Não há vedação legal para que fornecedores de serviços ofereçam descontos apen...

Veja mais
Justiça do Trabalho é incompetente para execução das contribuições sociais destinadas a terceiros

A 9ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT/RJ), ao julgar um agravo de petiç&...

Veja mais
Corte Especial reafirma possibilidade de uso do agravo de instrumento contra decisão sobre competência

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu embargos de divergência e reafirmou o entend...

Veja mais
Partidos questionam MP sobre remoção de conteúdo das redes sociais

Seis legendas buscam no STF a suspensão dos efeitos da norma assinada pelo chefe do Executivo federal.   O...

Veja mais
Consumo das famílias cresce 4,84% em julho, diz ABRAS

Cebola, batata e arroz foram os produtos com maiores quedas no período   O consumo das famílias bra...

Veja mais
Lei que prorroga tributos municipais na epidemia é constitucional, diz TJ-SP

Inexiste reserva de iniciativa de projetos de lei versando sobre matéria tributária, a teor do dispos...

Veja mais