Lei que altera desempate no Carf deve ser levada ao STF

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Norma publicada ontem é questionada por auditores fiscais

 

Mesmo com a pressão de auditores fiscais e da Procuradoria-Geral da República (PGR), o Presidente Jair Bolsonaro sancionou norma que altera o voto de desempate no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), beneficiando os contribuintes. A Lei nº 13.988 foi publicada ontem e já gerou reações dos integrantes da Receita Federal.

 

O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional) e a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco Nacional) procuram partidos políticos para questionar no STF a mudança, aprovada por meio da Medida Provisória nº 899 (MP do Contribuinte Legal).

 

Com a alteração, em caso de empate em julgamento no Carf, a vitória será automaticamente do contribuinte. Até então, valia o chamado voto de qualidade, proferido pelo presidente da turma julgadora — que é auditor fiscal.

 

Desde 2017, R$ 114 bilhões foram decididos por meio do voto de qualidade — R$ 110 bilhões a favor da Fazenda, segundo levantamento obtido pelo Sindifisco em requerimento feito ao Carf.

 

Depois da aprovação da mudança no Senado, a Procuradoria-Geral da República pediu o veto. Em ofício, o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, afirmou que a medida poderá embasar pedidos de restituição de tributos e multas que já foram recolhidos com base em decisões por voto de qualidade, em prejuízo ao erário. Ainda segundo o ofício, a alteração poderia gerar o trancamento de ações penais iniciadas com a autuação fiscal, impedindo o início ou o desenvolvimento de investigações.

 

Na segunda-feira, o Sindifisco enviou ofício à Casa Civil pedindo o veto ao fim do voto de qualidade. “O primeiro caso de personagem da Lava-Jato cujo auto de infração cair no Carf em empate será um escândalo e não serão os parlamentares os cobrados, mas o Presidente que deixou de vetar”, afirma Kleber Cabral, Presidente do Sindifisco.

 

Para ele, a mudança vai contra a administração tributária, o Estado e os contribuintes de boa-fé, que não são autuados, e beneficia um grupo pequeno mas poderoso de empresas. “Os auditores fiscais estão muito indignados, sentindo-se com nariz de palhaço”, diz Cabral. O Presidente estima que a medida poderá levar a uma renúncia coletiva de julgadores no Carf.

 

O sindicato não tem legitimidade para apresentar ação direta de inconstitucionalidade (ADI) no STF. Por isso, a procura por partidos políticos. “Fora o mérito, tem a questão da forma, a emenda apareceu do além na Câmara.”

 

O Presidente do Unafisco, Mauro Silva, já entrou em contato com o Cidadania, Partido dos Trabalhadores (PT) e Podemos para questionar a mudança no STF. Além da ADI, a Unafisco pretende propor ações populares para as derrotas por voto de qualidade caso a PGFN não recorra à Justiça.

 

“Hoje a União não recorre porque só existe decisão contra ela no Carf se um representante seu for convencido disso. Por isso, ela não tem legitimidade para ir ao Judiciário”, afirma. Silva considera que, com o desempate favorável às empresas, caberia o recurso judicial.

 

A ex-Conselheira Cristiane Costa, sócia no escritório Thomazinho, Monteiro, Bellangero & Jorge, acredita que a Fazenda vai tentar recorrer ao Judiciário quando for derrotada no Carf. A tributarista lembra que a Justiça já decidiu que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não poderia recorrer de decisão de um órgão técnico ligado à Fazenda, o que não foi alterado com a Lei nº 13.988. “O Carf continua dentro da administração pública com pessoas nomeadas pelo Ministro”, diz.

 

Alguns Advogados já estudam a possibilidade de aplicação retroativa da mudança, como temido pelo PGR. Mas, para Cristiane, a lei tributária se aplica só a casos futuros, a partir da sua publicação.

 

A Lei nº 13.988 também permite a transação tributária para estimular a regularização de débitos fiscais e a resolução de conflitos entre contribuintes e União. O procedimento prevê descontos de até 50% e parcelamento em 84 meses. No caso de pessoas físicas e micro e pequenas empresas, o texto prevê desconto de 70%.

 

Esperada pelos contribuintes, a conversão da MP em lei esclareceu alguns pontos e melhorou o prazo para dívidas de micro e pequenas empresas, que terão até 145 meses para pagar, segundo Valdirene Lopes Franhani, sócia do Lopes Franhani Advogados. O texto também possibilita o uso de mais garantias como cessão de direitos creditórios e créditos da União.

 

Procurados pelo Valor, PGFN e Carf não retornaram até o fechamento da edição.

 

Por Beatriz Olivon – De Brasília

 

Fonte: Valor Econômico – 15/04/2020.

 

 


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