Em memorial enviado ao STF, Augusto Aras afirma que artigo de lei que restringe decisão a território do órgão julgador é inconstitucional
O procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou nesta terça-feira (24) um memorial aos Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) em que afirma que decisões em ações civis públicas (ACPs) podem valer nacionalmente, e não devem se restringir ao território do órgão julgador, como prevê um artigo da lei que trata do assunto. O memorial foi no RE 1.101.937/SP, que está na pauta de julgamentos do Plenário de 16 de dezembro.
Augusto Aras defende a inconstitucionalidade do art.16 da Lei 7.347/1985, que limita a eficácia de sentenças proferidas em ações civis públicas ao território de competência do órgão prolator. O assunto será analisado pelo STF dentro da sistemática de repercussão geral (Tema 1.075). De acordo com o PGR, a limitação territorial dos efeitos de decisões em ACPs desvirtua a natureza desse tipo de ação, prejudicando a isonomia, a prestação jurisdicional e o interesse público.
O PGR destaca vários exemplos de ACPs ajuizadas em âmbito nacional que foram essenciais para a tutela de direitos fundamentais, como o combate coordenado à poluição causada pelas manchas de óleo em praias do Nordeste; a reparação dos danos gerados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG); e a reparação pela União de repasses feitos ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef). Se o artigo 16 não for declarado inconstitucional, questões como essas vão demandar ações judiciais em diferentes estados do país, sobrecarregando a Justiça, tornando-a mais morosa e possibilitando desfechos diferentes para um mesmo problema.
Conforme contextualiza o PGR, o dispositivo em discussão mescla dois institutos — a competência e a coisa julgada — e objetiva limitar o poder do julgador nas ações civis públicas. Assim, em vez de a decisão abranger a totalidade do problema, teria que limitar-se a área do juízo. “Ocorre que os efeitos e a eficácia da sentença não podem estar circunscritos aos lindes geográficos, mas hão de ater-se aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta, para tanto, sempre a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo", argumenta Augusto Aras.
Para o procurador-geral, é inapropriado admitir-se a limitação dos efeitos da decisão proferida em ação civil pública para circunscrevê-los tão somente aos limites territoriais do juízo prolator. Ele complementa que, se o dano é de escala local, regional ou nacional, o juízo deverá definir os efeitos e limites da decisão, sob pena de ser inócua a determinação judicial.
Ainda de acordo com o PGR, a restrição dos efeitos da sentença coletiva vulnera a própria igualdade de tratamento entre os jurisdicionados, que teriam a garantia do seu interesse condicionada ao território de propositura da ação. "Tal delimitação desvirtuaria a natureza da ação civil pública e consubstanciaria tentativa de cisão dos direitos transindividuais envolvidos no litígio", pondera. Aras acrescenta que a limitação territorial fragmenta a demanda do interesse coletivo, na contramão da tendência de preservar a igualdade de resultados dos julgamentos, como comanda a Constituição. Além disso, alerta que a medida pode gerar tumulto e sobrecarga de trabalho, com prejuízo à administração da Justiça e ao próprio interesse público.
Ao final, o PGR manifesta-se pelo desprovimento dos recursos extraordinários, que pedem a limitação territorial. Em relação aos demais casos que tratem ou venham a tratar do Tema 1.075, sugere a fixação da seguinte tese: "É inconstitucional o art. 16 da Lei 7.347/1985, com a redação dada pela Lei 9.494/1997, segundo o qual a sentença na ação civil pública fará coisa julgada erga omnes nos limites da competência territorial do órgão prolator, por limitar indevidamente a ação civil pública e a coisa julgada como garantias constitucionais e implicar obstáculo ao acesso à Justiça e tratamento anti-isonômico aos jurisdicionados."
Íntegra do memorial no RE 1.101.937/SP
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Procuradoria-Geral da República
Fonte: MPF – 24/11/2020