O Senado aprovou nesta quinta-feira (4) a medida provisória que remaneja recursos no setor elétrico para permitir a redução de tarifas de energia. A MP 998/2020 foi aprovada na forma de um projeto de lei de conversão que veio da Câmara dos Deputados (PLV 42/2020) e segue para sanção do presidente da República. Essa medida provisória perderia a validade se não fosse votada até o dia 9 de fevereiro.
Acompanhada pelo ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, a votação do projeto ocorreu na primeira sessão deliberativa do Senado em 2021, que aconteceu após a eleição, na segunda-feira (1º), do novo presidente da Casa, o senador Rodrigo Pacheco, e a retomada dos trabalhos legislativos, ocorrida depois do recesso constitucional do Congresso.
A MP transfere para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), entre 2021 e 2025, 30% dos recursos que as concessionárias de energia elétrica são obrigadas a aplicar em programas de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e de eficiência energética. Verbas para projetos contratados ou iniciados serão preservadas. Concessionárias e permissionárias do serviço público de distribuição de energia elétrica também poderão aplicar recursos de pesquisa e desenvolvimento em tecnologias para armazenamento de energias limpas.
Atualmente, há R$ 3,4 bilhões não utilizados em projetos de P&D e eficiência energética, que poderão ser direcionados para a CDE a fim de diminuir potenciais aumentos tarifários por causa dos efeitos da pandemia. Devido à queda do consumo de energia, as distribuidoras de energia fizeram empréstimos de R$ 15,3 bilhões para compensar as perdas de receita.
Aprovado em dezembro de 2020 na Câmara, o texto original dessa MP sofreu várias alterações do relator naquela Casa, o deputado federal Léo Moraes (Podemos-RO). O senador Marcos Rogério (DEM-RO), relator da matéria no Senado, manteve o texto aprovado na Câmara.
Marcos Rogério destacou que a MP 998/2020 contém medidas que desoneram as tarifas de consumidores de energia elétrica de todo o Brasil; mantém a preocupação com a não oneração de tarifas de consumidores localizados na Região Norte, atendidos por distribuidoras que eram da Eletrobras e que foram privatizadas; retira da Eletrobras a competência de administração de bens e instalações usados na prestação do serviço de energia elétrica e que foram encampados e desapropriados com recursos da Reserva Global de Reversão (RGR), considerando que essa atividade não deve caber a uma sociedade de economia mista, ainda que atue no mesmo setor; permite a repactuação do modelo de contratação e do preço da energia elétrica a ser gerada pela usina de Angra 3; torna mais isonômica a alocação dos custos associados à contratação de empreendimentos que garantam a confiabilidade do sistema elétrico; disciplina o desligamento de consumidores da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE); e reorganiza, em termos societários, as estatais do setor nuclear — Nuclep (Nuclebrás Equipamentos Pesados S/A) e Indústrias Nucleares do Brasil S/A (INB).
— Essa MP se volta sobretudo ao consumidor de energia do Brasil. O governo acolheu nessa MP boa parte do que já trabalhamos em outros projetos — disse Marcos Rogério, referindo-se ao Projeto de Lei do Senado (PLS) 232/2016, que aguarda interposição de recurso no Plenário.
De acordo com o senador, o projeto em questão abre caminho para um mercado livre de energia, com a possibilidade de portabilidade da conta de luz entre diferentes distribuidoras. O substitutivo de Marcos Rogério havia sido aprovado em março de 2020 pela Comissão de Infraestrutura do Senado (CI).
Emendas e discussão
Marcos Rogério acolheu quatro emendas de redação, no intuito, segundo ele, de melhor esclarecer a aplicação da matéria, que busca alcançar não apenas projetos contratados, mas também projetos já iniciados. A alteração, ressaltou o relator, contou com a concordância do Ministério das Minas e Energia. No total, foram apresentadas 205 emendas à MP, sendo 21 emendas no Senado.
O relator acatou ainda sugestão do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), na forma de emenda de redação, que busca salvaguardar o interesse do consumidor final dos custos da energia termonuclear. “Esta [a usina de Angra 3] é uma opção política do governo que tem um custo altíssimo de R$ 15 bilhões”, destacou Alessandro Vieira.
A emenda acatada estabelece que o preço da energia gerada por Angra 3 será resultante de estudos técnicos, considerando a viabilidade do empreendimento e o financiamento do mercado, observados os princípios de modicidade e viabilidade tarifária.
O relator, porém, rejeitou três destaques apresentados em Plenário.
— Aceitar essas emendas importaria invadir o mérito da matéria. O texto teria que voltar à Câmara e não haveria tempo para sua aprovação e sanção presidencial — argumentou Marcos Rogério, ao lembrar que o texto da MP expiraria em 9 de fevereiro.
A senadora Rose de Freitas (MDB-ES), autora de um dos destaques rejeitados, ressaltou que a MP permite que o preço a ser pago pela energia elétrica de Angra 3, quando ela começar a operar, seja majorado. “O governo vai jogar a conta bilionária da construção de Angra 3 sobre o consumidor”, alertou ela.
Ao justificar a rejeição dos destaques, Marcos Rogério argumentou que, “se Angra parar neste momento, será um prejuízo bilionário; se concluir, será um desafio de investimentos bilionários”. A MP, destacou, usa recursos de pesquisa e desenvolvimento não contratados para diminuir a conta de luz. “O desejo de aperfeiçoar o texto pode ir contra o consumidor”, afirmou.
O senador Jean Paul Prates (PT-RN) disse que a MP é um conjunto de emendas legislativas, uma "colcha de retalhos, com temas diversos que não conversam um com o outro, uma lista de problemas de urgências, com um monte de coisas desconexas”. Ele declarou ainda que “os aumentos já ocorreram e está se tirando recursos da ciência e tecnologia; já houve socorro para o setor elétrico, várias empresas já foram privatizadas”.
Outro destaque rejeitado, de autoria do senador Paulo Rocha (PT-PA), propunha que os recursos da Reserva Global de Reversão fossem utilizados para abater o custo da depreciação dos investimentos realizados para a distribuição de energia elétrica no Pará.
Subsídios
Quando foi editada, em setembro do ano passado, essa medida provisória encerrou os subsídios do governo à produção de energia solar, eólica e de biomassa. Mas, pelo projeto de lei de conversão (PLV), a ajuda dos subsídios será estendida por 12 meses após a promulgação da respectiva lei. O texto aprovado pelo Congresso também permite incentivo à geração de energia a partir de fontes renováveis em prédios públicos que utilizem recursos de eficiência energética.
Os parlamentares adicionaram dispositivos ao texto para estimular a competição nos leilões de geração de energia. Também incluíram mais setores a serem beneficiados por investimentos em eficiência energética — algo que, inicialmente, era restrito à indústria.
Adicionalmente, o PLV garante compensação a usinas leiloadas entre 2015 e 2017 que sofreram impacto na geração de energia por conta do período de seca — o chamado risco hidrológico. O dispositivo atende a reivindicações da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), de acordo com o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). A compensação será feita pela extensão do prazo das concessões.
Região Norte
O projeto de lei conversão concede prazo de cinco anos às distribuidoras da Região Norte para aplicação de parâmetros de eficiência na gestão econômica e financeira, sem que sejam alterados parâmetros relacionados à qualidade do serviço prestado. O objetivo é mitigar efeitos econômicos em concessões que encontraram dificuldades em atender aos parâmetros dos contratos em razão dos efeitos da crise provocada pela covid-19.
Os consumidores dos estados do Norte não precisarão mais pagar pelos empréstimos fornecidos às distribuidoras na época em que elas estavam sob controle temporário da União, que precedeu a privatização. Os empréstimos foram bancados pela Reserva Global de Reversão (RGR), um encargo cobrado na conta de luz.
A RGR também financiará o valor dos bens das distribuidoras ainda não reconhecidos pela Aneel, evitando que o custo recaia sobre o consumidor.
O texto prevê mudança no critério de recolhimento do encargo da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que passará a ser regional. A medida permitirá que os consumidores do Acre e de Rondônia tenham a mesma cobrança que os demais consumidores da região Norte (atualmente, eles contribuem como se estivessem nas regiões Sudeste e Centro-Oeste).
Angra 3
Além disso, o texto aprovado no Congresso permite a criação de adicional tarifário para arcar com os custos relacionados ao contrato de comercialização de energia elétrica de Angra 3. Determina ainda que a outorga de autorização para a exploração da usina nuclear seja de competência exclusiva de uma empresa estatal, eliminando espaço para interpretações divergentes. Também permite, em caso de privatização, que seja outorgada nova concessão para contratos prorrogados.
Angra 3 está sendo construída na praia de Itaorna, em Angra dos Reis (RJ). Segundo dados do governo divulgados em julho, a usina está com 67,1% das obras civis já executadas.
O texto também determina a transferência para a União de todas as ações da Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e da Nuclebrás Equipamentos Pesados (Nuclep), inclusive as que estão nas mãos da iniciativa privada. As duas estatais, que hoje atuam como sociedades de economia mista, serão transformadas em empresas públicas vinculadas ao Ministério de Minas e Energia.
A INB atua em mineração e beneficiamento de urânio. A Nuclep atua no desenvolvimento, na fabricação e na comercialização de equipamentos pesados para o setor nuclear.
Aneel
Na terça-feira (2), a diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) anunciou que adiou a aprovação do orçamento da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) para 2021, após receber a informação do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, de que ele pautaria para a votação da medida provisória para esta semana.
Também na terça, a agência reguladora aprovou a cota provisória da CDE para fevereiro, no valor de R$ 1,903 bilhão. A cota de janeiro, de R$ 1,976 bilhão, já tinha sido estabelecida.
A Aneel ainda alterou módulos dos procedimentos de regulação tarifária, para permitir o pagamento dos empréstimos da Conta-Covid. O custo da operação financeira de R$15,3 bilhões, contratada no ano passado para dar liquidez ao setor elétrico, será incluído nos processos tarifários das distribuidoras aprovados a partir deste mês.
O orçamento proposto para a CDE em 2021, em processo de consulta pública, é da ordem de R$ 24 bilhões. Desse total, R$ 19,8 bilhões serão pagos pelos consumidores na conta de energia elétrica, por meio de cotas da CDE.
O cálculo da conta aguarda agora a sanção da lei resultante do PLV 42/2020, já que itens do texto alteram o valor de receitas e despesas — e o peso delas nas tarifas.
Com informações da Agência Câmara
Proposições legislativas
Fonte: Agência Senado – 04/02/2021