Medidas atingirão áreas do comércio que não puderem funcionar integralmente ou fecharem
Sem o retorno do benefício emergencial para trabalhadores empregados - por enquanto, o ministro da economia, Paulo Guedes, fez apenas promessas incertas sobre a volta e para alguns segmentos - , sindicatos patronais e de trabalhadores começam a buscar saídas domésticas para evitar demissões.
Os primeiros acertos no Rio Grande do Sul acabam de ser feitos em Porto Alegre e preveem suspensão de contratos e redução de jornada, ambos com impactos nos salários, em situações específicas da pandemia. Sem o benefício, pagamentos passaram a recair completamente sobre os empregadores, seja na suspensão ou redução de jornada.
Convenções coletivas prevendo as medidas serão oficializadas nesta segunda-feira (8) entre o Sindicato dos Empregados do Comércio de Porto Alegre (Sindec-POA) e mais três organizações patronais - Sindigêneros, dos supermercados, Sindiatacadistas, do atacado, e Sindilojas-POA, do comércio. A expectativa é que Porto Alegre sirve de modelo para outras cidades gaúchas, onde sindicatos já cogitam ter acordos.
Para os dispositivos serem aplicados, será preciso que cada empresa firme um acordo coletivo com o sindicato dos trabalhadores, esclarece Nilton Souza Neco, presidente do Sindec-POA. A negociação abrange 60 mil empregados que atuam hoje nos três setores na Capital. A base total, segundo Neco, é de 90 mil, relacionada a 22 sindicatos de segmentos de comércio. O dirigente acredita que muitos que não estão nesta primeira negociação vão buscar a mesma convenção.
Um dos segmentos que será imediatamente atingido é o de empregados acima de 60 anos ou que têm doenças mais sensíveis à infecção pela Covid-19, chamados grupos de risco, e que atualmente não estão fazendo o chamado teletrabalho (home office). O afastamento é previsto nos decretos das regras da emergência sanitária, tanto em nível estadual como municipal.
Para estes grupos, a suspensão do contrato ou manutenção do que já tinha sido feito terá pagamento de uma ajuda de custo de 50% da atual remuneração, caso a empresa firme o acordo. Depois do fim do auxílio, os empregadores passaram a custear integralmente a remuneração. Agora o salário pode ser ser cessado, enquanto vigorar a suspensão. Pessoas desse grupo que estão fazendo teletrabalho ficam fora desse acerto, a menos que haja alguma alteração na orientação do empregador.
"Não podemos correr o risco de ver a categoria sendo demitida, enquanto não se tem a reativação do auxílio, se é que vai ser feita. É isso ou risco de demissão", justifica o presidente do Sindec-POA. A alegação levada pela classe patronal ao sindicato dos trabalhadores foi de dificuldades para as empresas cobrirem a despesa, enquanto a atividade não recupera a situação pré-pandemia.
"Queremos preservar o emprego e garantir renda", acrescenta o consultor trabalhista da Fecomércio-RS, Flávio Obino Filho, que fez a negociação pelos três sindicatos.
Sobre a adesão e o número de trabalhadores que podem ser alvo das mudanças nos contratos, o presidente do Sindec-POA diz que será possível avaliar à medida que as empresas buscarem as tratativas. Os funcionários também terão de dar o aval ao acordo, posição que poderá ser tomada por reunião virtual com o sindicato ou por manifestação por escrito, diz Neco. O dirigente esclarece que a entidade tem autorização das categorias para firmar convenção coletiva nestes casos.
Restrições das bandeiras de risco vão ampliar medidas para trabalhadores
Outra novidade trazida na negociação entre o Sindec-POA e os três sindicatos patronais é um dispositivo ligado ao sistema do distanciamento controlado. A cor que a cidade estiver com suas restrições pode ampliar o alcance das medidas para todos os trabalhadores, não só para os grupos de risco afastados.
Caso Porto Alegre tenha de voltar a adotar as restrições originais da bandeira vermelha, incluindo fechamento de atividades, ou entre na bandeira preta, que impõe mais limitações de número de trabalhadores na atividade (50% a 75%, por exemplo), as empresas poderão aplicar as mesmas condições para seus quadros. A redução poderá ser de 20% a 40% dos salários de quem tiver jornada menor, caso haja a diminuição do número de funcionários devido aos riscos sanitários.
Caso o estabelecimento seja fechado pelas autoridades, os empregados podem ter suspensão de contrato e receberão a mesma ajuda de custo dos grupos de risco.
"Se não trabalha, recebe ajuda de custo. Na redução de jornada, fica assegurada a garantia de emprego", detalha o consultor. A garantia se estenderá para mais um terço do prazo da vigência da redução. "Se teve 30 dias de redução de jornada e salário, a garantia é de 40 dias", exemplifica.
Hoje a Capital mesmo que esteja em bandeira vermelha, devido aos indicadores de saúde (casos, internações e óbitos, principalmente), está seguindo as disposições da laranja, por ter cogestão da pandemia. Os setores estão operando praticamente sem restrições. Os sindicatos patronais buscavam redução maior de salário, mantendo limite de 30% do valor a ser pago, como foi o acordado em São Paulo, mas o Sindec-POA não concordou.
Acordos seguem "negociado sobre legislado"
Em todas as situações, os direitos de 13º, férias, FGTS e INSS deixam de ser contabilizados no período em que vigorar a suspensão, pois a ajuda de custo não é considerada salário, explica Obino Filho, citando previsão do artigo 611 A, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que foi alterado pela Lei 13.467, da reforma trabalhista de 2017.
"É o negociado que prevalece sobre o legislado", resume Obino Filho.
No caso da suspensão, os direitos de 13º, férias, FGTS e INSS deixam de ser contabilizados no período em que vigorar a suspensão, pois a "ajuda de custo" não é considerada salário, explica Obino Filho, citando previsão do artigo 611 A, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que foi alterado pela Lei 13.467, da reforma trabalhista de 2017.
Na redução de salário, a verba rescisória segue o salário integral, o 13º é calculado usando o valor recebido e as férias são calculadas pela remuneração contratual.
A vigência das convenções e acordos, segundo o consultor da Fecomércio-RS, será retroativa a 1º de fevereiro. Ou seja, pode ser acertado, logo após a assinatura. Obino Filho cita que as soluções, que estão previstas pela CLT para aplicar em situações de dificuldades da economia, como a atual, só estão sendo acionadas porque não houve resposta do governo federal aos apelos dos setores, tanto patronais como as centrais sindicais, para reativar a ajuda via Tesouro.
As convenções têm vigência de um ano, mas as suspensões ou reduções nos contratos, caso ocorram, não têm prazo, segundo o consultor da Fecomércio-RS. Caso o governo reative o auxílio em condições melhores que as previstas nos acordos, as empresas poderão buscar o programa federal.
Neco, do Sindec-POA, lembra que, no fim de 2020, a negociação salarial do comércio previu metade do repasse da inflação do INPC, devido à situação da economia e que, em maio, o setor vai buscar a complementação. Já os trabalhadores ligados a estabelecimentos do Sindigêneros receberam a reposição completa, pois o segmento é enquadrado como essencial e operou na pandemia, mesmo com limites de pessoal devido a riscos de contaminação.
O sindicalista informa que esta semana as centrais sindicais vão tentar se reunir com os novos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEm-MG), para tentar convencer sobre a volta do auxílio.
A negociação foi feita para preencher a lacuna do programa federal do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEm), que terminou em 31 de dezembro de 2020 e que previa redução de jornada e suspensão de contratos, com a complementação de parte dos valores pelo Tesouro Nacional.
As empresas que aderiram, porém, não podem demitir o empregado pelo prazo em que foi usado o benefício. Se fizerem a dispensa, o empregador tem de pagar a rescisão como se o empregado tivesse trabalho o mesmo período do auxílio recebido. A regra buscou desincentivar os cortes.
Patricia Comunello
Fonte: Jornal do Comércio RS – 08/02/2021