O Ministério Público Federal do Ceará ajuizou ação civil pública em face da Agência Nacional de Aviação Civil e da União Federal para que seja temporariamente proibido o embarque de passageiros em voos comerciais nacionais que não apresentarem exame de detecção RT-PCR com resultado negativo para a Covid-19. Os diagnósticos devem ter sido feitos com antecedência máxima de 72 horas da partida do voo ou de seu desembarque. O objetivo é conter o avanço da epidemia, mediante a disseminação de suas novas variantes.
O pedido também se estende aos voos privados — particulares, alugados ou fretados —, independentemente da origem ou destino. Nesse caso, passageiros e tripulação devem apresentar os exames no ato de desembarque.
Os procuradores sustentam que as medidas são necessárias diante do agravamento da epidemia de Covid-19 no país e do surgimento de mutações do vírus.
"A medida de controle epidemiológico, de natureza não farmacológica, buscada na presente demanda justifica-se pelo fato de o Brasil vivenciar, na atualidade, um crescimento de novos casos de Covid-19, correspondentes a uma segunda onda da pandemia. Esse fenômeno se repete em quase todos os estados, onde os novos casos registrados crescem em escala exponencial, já acarretando um aumento significativo nas taxas de ocupação de leitos, tanto os ambulatoriais como de UTI", diz trecho da inicial.
Os membros do MPF apresentam gráficos que mostram o avanço da doença no país e afirmam que as medidas propostas diminuem consideravelmente a possibilidade de uma pessoa infectada pela Covid-19 — ainda que assintomática — circule pelo país correndo o risco de ser portador de uma variante distinta da doença.
Para o MPF, as medidas hoje em vigor viabilizam a sustentabilidade econômica do setor aéreo brasileiro, mas não impedem que passageiros infectados possam embarcar em voos domésticos.
"Dentro dos aviões, o distanciamento é impraticável, dado que até a 'poltrona do meio' é vendida sem maior cerimônia e são admitidos quaisquer tipos de máscaras, as quais podem até ser retiradas para alimentação", diz outro trecho. Por fim, os procuradores criticam a cambaleante vacinação em curso no Brasil.
Repercussão
Especialistas divergem sobre o tema — alguns entendem que a epidemia justifica a adoção de medidas excepcionais; outros veem a proposta como inócua.
Para Marcus Vinicius Macedo Pessanha, sócio do Nelson Wilians Advogados, especialista em Direito Público Administrativo e Regulatório, trata-se de limitação à liberdade de locomoção baseada no poder de polícia sanitário, "com vistas a evitar a disseminação do coronavírus desordenadamente pelo país". "É uma restrição excepcional e por prazo delimitado, prevista inclusive na Lei nº 13.979/2020, a lei da pandemia", diz.
Felipe Bonsenso, especialista em Direito Aeronáutico, critica a iniciativa. "Não há nenhuma comprovação de que aeronaves são mais propícias para disseminação do vírus. Pelo contrário: a alta tecnologia empregada nos sistemas de filtros e reciclagem de ar coloca a aviação em posição mais segura do que transporte rodoviário e metroviário", diz.
Bonsenso também alerta para os impactos financeiros da medida. "Exigir teste PCR em voos domésticos e em voos privados é desproporcional e descabido, prejudicando a atividade das empresas aéreas e podendo ocasionar redução na demanda. Em linhas gerais, voos privados são realizados sem comercialização de assentos e nada difere do cidadão que dirige de uma cidade a outra. Questiona-se, portanto, a real efetividade da medida face aos prejuízos que poderá causar para consumidores e empresas, bem como em questão de proporcionalidade com outros meios de transporte", comenta.
Vera Chemim, advogada constitucionalista e mestre em Direito Público Administrativo pela FGV, lembra que a livre locomoção é garantida pelo inciso XV do artigo quinto da Constituição Federal de 1988, que trata das garantias e direitos fundamentais individuais e coletivos. Por outro lado, esta pode ser restringida, "desde que dentro dos parâmetros da razoabilidade e proporcionalidade".
"Por sua vez, o MPF tem a competência e responsabilidade com o interesse público, o que justifica o pedido de apresentação de teste para a Covid perante a Justiça, levando em conta o agravamento da crise. A Lei 13.979/2020, em seu artigo 2º, disciplina as medidas para enfrentamento da crise sanitária; entre elas, o isolamento e a quarentena, ambas prevendo a separação de pessoas doentes ou contaminadas, assim como as bagagens e meios de transporte no sentido de evitar a contaminação ou a propagação do vírus. Na mesma direção, o artigo terceiro prevê determinação de realização compulsória de exames médicos e testes laboratoriais", explica.
Daniel Gerber, advogado criminalista, sócio no escritório Daniel Gerber Advogados Associados, vê a medida como "ilusória". "É mais uma ilusão de grandiosidade do Ministério Público Federal, que ignora os dados da vida real, o conceito de liberdade de ir e vir, e acredita em ilusões, como se fosse possível uma testagem de tal porte em todas as cidades de onde partem ou para onde chegam voos. Tal medida é verdadeiramente kafkaniana, resultará em uma quebra ainda maior das já combalidas companhias aéreas, e apenas retrata uma ilusão de poder que, infelizmente, acomete alguns dos integrantes de tão respeitada instituição", diz Gerber.
Adib Abdouni, especialista em Direito Constitucional e Criminal, entende que ação do MPF só ocorre devido à "inércia do Poder Público". "Diante da ausência de uma política sanitária contundente de caráter nacional para conter a disseminação da pandemia (notadamente em relação às novas cepas da Covid-19), a inércia do Poder Público autoriza o Ministério Público Federal (dotado de competência legal para zelar pelos direitos assegurados na Constituição Federal relativos às ações e aos serviços de saúde) a vindicar junto ao Poder Judiciário a tutela jurisdicional apta a resguardar a saúde pública", diz.
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Rafa Santos – Repórter da revista Consultor Jurídico.
Fonte: Revista Consultor Jurídico – 18/02/2021