A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça começou a definir, nesta quarta-feira (14/4), tese em recursos repetitivos sobre a possibilidade de pessoa não-associada executar sentença proferida em ação civil pública manejada por associação na condição de substituta processual para defender direitos homogêneos.
Os casos concretos dos dois processos julgados em conjunto podem admitir que qualquer pessoa que tenha sofrido prejuízos por conta dos chamados expurgos inflacionários do Plano Verão, em janeiro de 1989, execute sentença em ação coletiva movida por uma entidade de defesa de consumidores, independentemente de ser associado a ela.
Até agora só o relator, o ministro Raul Araújo, votou. Ele reconheceu a necessidade de, a partir da evolução jurisprudencial e da doutrina sobre o tema, admitir que não associados se beneficiem de decisões coletivas quando quem as ajuizou atuou como substituta processual.
O colegiado, no entanto, manifestou dúvidas sobre a redação da tese, o que motivou pedido de vista do ministro Luís Felipe Salomão.
A proposta do relator foi: nos termos da Lei de Ação Civil Pública (Lei 7.347/1984) e do Código de Defesa do Consumidor, os efeitos da coisa julgada advindos de ação civil pública substitutiva proposta por associação com finalidade de defesa dos interesses e direitos individuais homogêneos de consumidores beneficiarão as vítimas e sucessores, que poderão proceder à liquidação e execução independentemente de serem filiados à associação promovente.
Para Salomão, a tese está muito descolada do objetivo inicial da afetação à 2ª Seção: legitimidade do não-associado para a execução proferida em ação civil pública manejada por associação na condição de substituta processual. "Uma coisa é os efeitos da coisa julgada na ação coletiva. Outra é legitimidade para propor a execução na ação coletiva", indicou.
Resultado útil
Para o relator, tanto a Lei da Ação Civil Pública como o Código de Defesa do Consumidor poderiam ter limitado o alcance subjetivo das sentenças coletivas, mas preferiram se delimitar ao alcance territorial com base no órgão julgador.
Logo, não há como exigir dos consumidores a prévia associação como requisito para o reconhecimento da legitimidade para executar a sentença em ACP. Se o título foi formado com resultado útil, cabe ao consumidor dele se apropriar, exigindo seu cumprimento. Entender diferentemente teria pouca utilidade no moderno sistema de resolução coletiva de litígios.
"Isso muito pouco contribuiria para efetiva defesa coletiva dos consumidores, frustrando a legislação consumerista do intuito de facilitar a defesa do consumidor, bem como para desafogar judiciário, gerando, ao revés, o indesejado efeito multiplicador de demandas individuais e coletivas", considerou o relator.
Para o ministro Raul, exigir na execução que o consumidor tenha prévia filiação — quiçá desde protocolo da petição inicial — equivale a prescrever requisito não previsto em lei para o manejo da ação civil pública por associação.
"Não existe disposição legal que restrinja os efeitos da defesa coletiva dos consumidores aos associados do legitimado que propôs a ação civil pública. Ao revés, prevê o Código de Defesa do Consumidor que a sentença coletiva fará coisa julgada erga omnes [que vale para todos] para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores", concluiu.
Caso antigo
Um dos casos já chegou a ser afetado em 2016. Porém, no ano seguinte a 2ª Seção decidiu não julgar a questão como repetitiva por entender que a ela já havia sido resolvida pelo STJ ao julgar o Recurso Especial 1.391.198, em 2014, também sob o rito dos repetitivos.
A afetação foi novamente feita após o ministro Raul Araújo convencer os colegas de que s processos julgados pelo STJ, mesmo sob o rito dos recursos repetitivos, tratam especificamente dos casos analisados, não podendo servir para os demais.
O objetivo seria definir se a decisão do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 573.232 se aplicam às ações civis públicas. Neste julgamento, o STF definiu que apenas com aval as associações têm legitimidade para representar membros, e que a decisão em ação coletiva vale apenas para associados.
Para o relator, os processos em análise pela 2ª Seção são de "uma singular felicidade" porque a coisa julgada — a sentença em ação civil pública — foi bastante genérica, sem delimitar a quem se aplicaria. "Ela é perfeita para a fixação da tese", ressaltou.
A sentença condena os bancos réus a pagar a cada um dos titulares do direito, na forma como se apurar em liquidação, mas sem especificar quem seriam esses titulares. "Ela não diz quem são. Pode-se entender que seriam os que estivessem associados e incluídos no rol entregue na petição inicial. Ou que são — como estou entendendo aqui — quaisquer consumidores que tinham conta de poupança apta a ser beneficiados pela decisão", explicou.
REsp 1.362.022
REsp 1.438.263
Danilo Vital – Correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Fonte: Revista Consultor Jurídico – 14/04/2021