Gerou repercussão entre os operadores do Direito Tributário a decisão da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça de que o abatimento de crédito não se coaduna com regime monofásico. O entendimento uniformiza a jurisprudência sobre o tema. Até então, as duas turmas da corte que julgam Direito Público tinham entendimentos divergentes.
O regime monofásico de tributação caracteriza-se por concentrar a cobrança em apenas um contribuinte: o produtor ou importador. Os demais elos da cadeia — atacadista e varejista — submetem-se a alíquota zero. O modelo é utilizado por alguns setores da economia.
A decisão é criticada por alguns advogados. Ana Claudia Akie Utumi cosnidera que "a lógica adotada pelo STJ para negar o direito de crédito às empresas que revendem mercadorias sob o regime monofásico de PIS/Cofins faria sentido se não fosse a mudança legislativa prevista no artigo 17 da Lei nº 11.033/2004, que assegurou o direito ao crédito mesmo nos casos de vendas com suspensão, isenção, alíquota zero ou não incidência da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins. Assim, o direito ao crédito foi uma opção do legislador, que não deveria ser negado em Juízo".
Tatiana Rezende Torres, sócia do escritório Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados, também acredita que a vontade do legislador foi ignorada. "O STJ, ao negar o direito ao crédito para as empresas tributadas à alíquota zero no regime monofásico de tributação do PIS e da Cofins, partiu de uma visão restritiva da não-cumulatividade das contribuições. E, mesmo que se considerasse que a não-cumulatividade não garantiria o direito ao crédito, este foi dado pelo legislador".
Para ela, portanto, a interpretação dada ao dispositivo é questionável, "já que o legislador não limitou o direito à manutenção dos créditos no caso da vendas efetuadas com suspensão, isenção, alíquota zero ou não incidência do PIS e da Cofins aos contribuintes beneficiários do regime do Reporto. Tanto que os artigos 14, 15 e 16 da mesma lei foram expressos quando pretenderam vincular os seus comandos ao Reporto. Esse entendimento foi muito bem exposto no voto, vencido, da ministra Regina Helena Costa".
Para Julio Assis, sócio do escritório FCAM Advogados, o "STJ deu uma interpretação geral pela impossibilidade do creditamento sob a presunção de estarem os contribuintes das próximas etapas da cadeia de comercialização desonerados. Esta presunção comporta exceção, pois alguns contribuintes adquirem produtos monofásicos para integrá-los ao seu processo industrial, comercial ou de serviços tributável, de forma a se verificar uma inequívoca cumulatividade pela falta do creditamento, ferindo a determinação constitucional da sistemática destas contribuições".
Na visão de Alexandre Luiz Monteiro, do escritório Bocater Advogados, o tema ainda será mais analisado de forma mais profunda. "A questão de não ter havido imposto cobrado na cadeia imediatamente anterior não deveria ser critério para o crédito ou não de PIS/Cofins sobre os insumos, não havendo vedação à convivência dos sistemas. Sendo assim, muito embora tenham outros pontos a serem discutidos no caso, parece-me que esta é uma questão central a ser avaliada, notadamente a partir de uma interpretação mais profunda da não-cumulatividade existente para estes tributos. Digno de nota, ainda, que na sistemática monofásica há a incidência concentrada na cadeia toda, de modo que o impacto do ônus se observa ao longo da cadeia. Espera-se, apesar do entendimento contrário da 1ª Seção, que este ponto seja revisto quando do julgamento dos repetitivos, recentemente afetados para novo julgamento pela 1ª Seção".
Setores interessados
A decisão interessa, especialmente, aos setores mais fortemente regulados, como por exemplo o de combustíveis e de medicamentos, afirma Fernanda Lains, do escritório Bueno e Castro Tax Lawyers. A advogada explica que isso se dá por serem áreas na qual a margem de lucro dos elos da cadeia é muito baixa e fortemente impactada por qualquer ajuste na carga tributária.
"O entendimento vencedor no STJ, que era o mesmo defendido pela Fazenda Pública, vai ao encontro do defendido, inclusive politicamente junto ao Superior Tribunal de Justiça, pelos players mais fortes desses mercados regulados, pelas refinarias e distribuidoras, por exemplo, no caso dos combustíveis. O objetivo era manter todos os demais players do mercado sob estrita regulação e, assim, sob uma mesma carga tributária. Decisões judiciais que favoreçam um ou outro elo e que ensejem diferentes interpretações sobre a legislação tributária, de forma a reduzir a carga e assim favorecer esse elo que tenha demandado em Juízo, não são desejadas e são fortemente combatidas por entidades representantes da classe sempre com o objetivo de hostilizar a concorrência desleal dentro do setor", afirma Fernanda.
Fonte: Revista Consultor Jurídico – 17/04/2021