A prorrogação automática do prazo de patentes caso o trâmite de aprovação delas demore muito confere vantagem excessiva aos detentores dos títulos — pois isso impede a entrada de outros concorrentes no mercado, mantendo preços altos de produtos e prejudicando consumidores, especialmente no campo da saúde.
Com esse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por nove votos a dois, declarou nesta quinta-feira (6/5) a inconstitucionalidade do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/1996). Os ministros ainda avaliarão a modulação dos efeitos da decisão na sessão da próxima quarta (12/5).
O dispositivo prevê que, caso o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) demore para analisar pedidos de patente — por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior —, ela pode ter seu prazo prorrogado.
A Procuradoria-Geral da República moveu ação direta de constitucionalidade contra o dispositivo. O ministro Dias Toffoli, o relator do caso, suspendeu liminarmente, em 7 de abril, a aplicação da prorrogação de prazo às patentes, mesmo que pendentes, de produtos farmacêuticos e materiais de saúde, que só poderão vigorar por 15 anos (modelo de utilidade) e 20 anos (invenção).
No voto de mérito, concluído nesta quarta, Toffoli declarou a inconstitucionalidade do dispositivo, sendo seguido pelos ministros Nunes Marques e Alexandre de Moraes. Nesta quinta, também acompanharam o relator os ministros Luiz Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio. Ficaram vencidos os ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Fux.
Edson Fachin afirmou que o prazo incerto e indeterminado de vigência das patentes não é compatível com a Constituição. A seu ver, a limitação temporal do título prestigia o interesse público e o princípio da função social da propriedade.
Rosa Weber também destacou que a prorrogação automática das patentes em caso de demora na análise dos pedidos viola os princípios da duração razoável dos processos administrativos (artigo 5º, LXXVIII, da Constituição) e da livre concorrência (artigo 170, IV, da Constituição).
O fato de a patente só ser protegida por um certo período demonstra sua incompatibilidade com a ciência solidária, declarou Cármen Lúcia. Dessa maneira, disse, a indeterminação da validade do título prejudica a sociedade.
Ricardo Lewandowski citou estudo do Grupo Direito e Pobreza, vinculado à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. O ministro mencionou que, segundo a pesquisa, na comparação com a experiência de outros países, a legislação patentária brasileira foi a que mais prorrogou a proteção: foram 24,3 anos em média, entre o início da vigência legal e o fim do período de exclusividade.
Além disso, destacou Lewandowski, o estudo da USP indica que a proteção do direito à saúde — especialmente em meio à epidemia de Covid-19 — está vinculada ao acesso à produção de medicamentos (principalmente genéricos) em larga escala e a preço razoável — "o que não pode ser efetuado diante de prazos de vigência patentários desproporcionalmente altos".
"Há uma total disfuncionalidade e inadequação do dispositivo. Ele dificulta a superação da pobreza e atraso e não contribui para o desenvolvimento tecnológico, onerando o poder público em favor de multinacionais", opinou o ministro.
Por sua vez, Gilmar Mendes ressaltou que o atraso na análise dos pedidos muitas vezes ocorre por escolhas dos próprios inventores. Afinal, os autores dos pedidos de patente têm direito a 18 meses de sigilo, contados da data de depósito ou da prioridade mais antiga, e 36 meses, também contados da data de depósito, para requerer o exame da solicitação.
Logo, um terço do prazo mínimo de validade da patente (dez anos) em caso de atraso na análise pode se dar devido aos requerentes, afirmou. O magistrado ainda avaliou que o parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial viola os princípios da segurança jurídica, proporcionalidade, isonomia e eficiência.
Já Marco Aurélio apontou que a prorrogação automática das patentes prejudica a liberdade de mercado e a concorrência, que, em sua análise, garantem aos cidadãos a liberdade de escolha e preços razoáveis de produtos.
Votos divergentes
Abrindo a divergência, Luís Roberto Barroso destacou que o parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial está em vigor desde 1996 e faz sentido porque o INPI leva, em média, 10,6 anos para analisar um pedido de patente.
Para Barroso, o depósito da patente gera uma expectativa de direito, não um direito. Este só é garantido após a concessão do título, conforme o artigo 44 da Lei de Propriedade Industrial. O dispositivo estabelece o direito do dono da patente de obter indenização pela exploração indevida de seu objeto, inclusive em relação à ocorrida entre a data da publicação do pedido e a da concessão da proteção.
A extensão automática da patente em caso de demora na análise do pedido é uma escolha do legislador, que pode ser boa ou ruim, porém não viola a Constituição, opinou o ministro.
"O Judiciário deve ser ativo na proteção dos direitos fundamentais e regras da democracia, mas autocontido em todo o resto. [A prorrogação do prazo de patentes] Não é uma questão estritamente de direitos fundamentais. É uma questão de escolhas políticas. Por achar que essa não é uma das questões em que o tribunal deve ser proativo, mas deferente com as decisões legislativas, não entendo ser inconstitucional", disse Barroso.
O presidente do Supremo, Luiz Fux, afirmou que a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo pode gerar perdas a titulares e depositários de patentes, o que leva a rescisão de contratos e aumento do risco Brasil, com a consequente fuga de investidores.
"A Constituição Federal assegura a duração razoável dos processos judiciais e administrativos. E o cidadão não pode ser prejudicado pela inércia do poder público. O Brasil não aparelhou o INPI para a apreciação de milhares de pedidos de patentes. Se o INPI não cumpre o prazo razoável estabelecido pela Constituição Federal, nós vamos punir quem pediu a patente?", questionou Fux.
Voto do relator
Na quinta passada (29/4) e nesta quarta (5/5), Dias Toffoli apontou que o artigo 40, caput, da Lei de Propriedade Industrial, estabelece os prazos fixos de vigência da patente de 20 anos para invenções e de 15 anos para modelos de utilidade, contados da data de depósito. Porém, citou, o parágrafo único do mesmo dispositivo determina que, a contar da data de concessão da patente, o prazo de vigência não será inferior a dez anos para a de invenção e a sete anos para a de modelo de utilidade.
"Por exemplo, na hipótese do INPI demorar dez anos para deferir um requerimento de patente de invenção, essa vigerá por mais dez anos, de modo que, ao final do período de vigência, terão transcorrido 20 anos desde o depósito. Em outro exemplo, caso a autarquia demore 15 anos para deferir o pedido, estando garantido que a patente vigerá por mais 10 anos desde a concessão, ao final do período de vigência terão transcorrido 25 anos desde a data do depósito", explicou o ministro.
Ele também destacou que o titular tem o direito de obter indenização pela exploração indevida de seu objeto desde a data de publicação do pedido. "A proteção patentária, portanto, não se inicia apenas com a decisão final de deferimento do pedido, sendo interessante notar que a lei considera o requerente como presumivelmente legitimado a obter a patente, salvo prova em contrário, conforme o artigo 6º, parágrafo 1º, da Lei de Propriedade Industrial", disse o relator, citando que o parágrafo único do artigo 40 acabou por tornar o prazo de vigência das patentes indeterminado, pois depende do tempo de tramitação do processo no INPI.
A Constituição, ressaltou Toffoli, protege a propriedade industrial, mas assegura que, a partir de certo prazo, os demais agentes da indústria possam usar a invenção, em respeito à livre concorrência. No entanto, o parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial permite o adiamento da entrada da concorrência no mercado e a exclusividade sobre o produto por tempo excessivo, impactando os preços e o acesso dos consumidores a tais itens, opinou o magistrado.
A extensão do prazo de vigência de patentes afeta diretamente as políticas públicas de saúde e dificulta o acesso dos cidadãos a remédios, ações e serviços médicos, afirmou Toffoli, destacando que os mais prejudicados são os que dependem do Sistema Único de Saúde.
Por sua vez, Nunes Marques declarou que, ao pretender proteger os investidores, o Legislativo não pode violar a função social da propriedade, a livre concorrência e os direitos do consumidor.
Segundo o ministro, é preciso haver um prazo definido para a exploração de uma patente. Caso contrário, concorrentes deixam de entrar no mercado e fazer uso das invenções protegidas. E a sociedade é prejudicada, especialmente em um momento de epidemia, como o atual.
Já Alexandre de Moraes destacou que o artigo 5º, XXIX, da Constituição, deixa claro que a patente é protegida, mas tem prazo, o que busca atender aos interesses sociais, tecnológicos e econômicos do Brasil. O dispositivo estabelece que "a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país".
De acordo com o ministro, o parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial desrespeita o binômio proteção do investidor-interesse nacional.
O binômio constitucional do artigo 5º, XXIX, da Constituição, se equilibra na temporalidade das patentes. "No momento em que permite que essa temporalidade seja prolongada ad aeternum ou por um prazo injustificado, no momento em que passa a se existir uma imprevisibilidade da patente, me parece que temos uma inconstitucionalidade. Aqui se inverte, fica como se a regra fosse a duração ad aeternum da patente, e gera inúmeros problemas", avaliou Alexandre, citando os atrasos, acúmulos e preferências nos processos de análise de patentes.
E isso desrespeita, a seu ver, os princípios da segurança jurídica, impessoalidade, eficiência e razoável duração do processo administrativo.
"O prolongamento [da patente] acaba gerando um monopólio. Prejudica aqueles que, após o prazo de lei, querem entrar na livre concorrência. Se a empresa não sabe quando vai começar o prazo inicial a ser contado, não vai nem iniciar seus investimentos. É uma forma também de afugentar concorrentes", opinou Alexandre.
"Não podemos afirmar qual é o prazo final de vigência de nenhuma patente no Brasil. Isso afeta o binômio proteção do investidor-interesse nacional. Há uma desproporcionalidade nessa norma ao estabelecer um termo inicial indefinido, de escolha absolutamente discricionária da administração pública. Essa indefinição não permite a compatibilização entre a função social da propriedade e a invenção."
Propostas de modulação
Toffoli sugeriu modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial, de forma que a decisão só passe a valer a partir da publicação da ata do julgamento. Assim, ficaria mantida a validade das patentes já deferidas e ainda vigentes.
Conforme a proposta do relator, ficam ressalvadas da modulação as ações judiciais em curso até a data da publicação da ata do julgamento e as patentes concedidas com extensão de prazo relacionadas a produtos e processos farmacêuticos e a equipamentos ou materiais de uso em saúde. Nesses casos, a decisão teria efeitos retroativos, respeitado o prazo de vigência da patente estabelecido no caput do artigo 40 da norma.
Recomendações ao Legislativo
Inicialmente, Dias Toffoli também reconheceu o estado de coisas inconstitucional quanto à vigência das patentes no Brasil. Com isso, ordenou que o INPI, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde cumprissem uma série de medidas.
Contudo, após dialogar com os demais ministros, Toffoli retirou a declaração do estado de coisas inconstitucional e transformou as ordens aos órgãos em recomendações ao Legislativo com relação a tais entidades.
O ministro sugeriu que o INPI, em um ano, tome as seguintes medidas: contrate servidores em quantidade suficiente para atender às suas demandas; priorize medidas de recuperação de documentos para dar encaminhamento aos pedidos de patentes que, em razão de ilegibilidade documental, estão retidos ainda na fase de exame formal preliminar; priorize o desenvolvimento e a implantação de soluções tecnológicas que lhe permitam otimizar o fluxo de pedidos de patentes e de seus procedimentos de exame, para evitar que assuntos iguais sejam tratados de forma desigual por examinadores distintos; e cumpra as metas do Plano de Combate ao Backlog de Patentes, estabelecido pela instituição em 2019.
A autarquia, recomendou o relator, também deverá obedecer às determinações do Tribunal de Contas da União e passar a publicar, em seu site, as filas de pedidos de patentes pendentes de decisão final e as informações de estoque e de tempo médio de tramitação dos requerimentos em fase de segunda instância administrativa.
O ministro ainda aconselhou que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), conforme decisão do TCU, publique os critérios de exame a serem seguidos por seus analistas no âmbito da anuência prévia de patentes de medicamentos (prevista no artigo 229-C da Lei de Propriedade Industrial).
E sugeriu que a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, também conforme recomendação do TCU, estabeleça rotinas de identificação de pedidos de patentes que contenham tecnologias relevantes para o atendimento à população, por meio das políticas públicas de acesso a medicamentos.
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ADI 5.529
*Texto alterado às 19h06 do dia 6/5/2021 para acréscimo de informações.
Sérgio Rodas – Correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
Fonte: Revista Consultor Jurídico – 06/05/2021