Alta da carne provoca troca de acusações

Leia em 4min 50s

Atacado e varejo responsabilizam um ao outro pelo aumento médio de 30,52% no preço do produto neste ano Frigoríficos dizem que é excessiva a margem dos supermercados, que rebatem apontando a concentração no setor

 

Em meio à maior alta de preço da carne desde o Plano Real, frigoríficos e supermercados acusam um ao outro de agravar o problema. O preço ao consumidor subiu, em média, 30,52% neste ano, e não há sinal de queda em curto prazo. As previsões são que a oferta de gado para o abate continuará escassa nos próximos meses.

 

Do pecuarista ao açougueiro, todos os segmentos concordam que grande parte do aumento do preço foi resultado de quatro fatores. São eles: o abate excessivo de matrizes entre 2003 e 2006, que ainda se reflete na oferta de gado de corte; a seca excepcional deste ano, que emagreceu o gado; o aumento do consumo interno; e o crescimento das exportações, em razão da diminuição do rebanho de dois tradicionais exportadores, Argentina e Austrália. Mas, segundo análises do setor, a concentração da oferta no varejo, pelos supermercados, e as recentes fusões e aquisições de frigoríficos agravaram o problema.
 


MARGEM

 

O presidente da Abrafrigo (Associação Brasileira de Frigoríficos), Péricles Salazar, diz que a margem de aumento no supermercado sobre o preço no atacado varia de 60% no contrafilé a 114,89% no corte do lagarto. Os dados, levantados pela Scot Consultoria, referem-se aos preços médios em São Paulo. "A mordida do leão está nas grandes redes de supermercado, que concentram 45% das vendas no país", afirma Salazar. Segundo ele, o preço no varejo não se justifica e poderia cair 30% com a redução das margens.

 

A Abras (Associação Brasileira de Supermercados) rebate. Diz que um dos focos do problema é a concentração do abate em poucos e grandes frigoríficos, resultado de fusões e aquisições patrocinadas pelo BNDES. "A concentração aumenta o poder de barganha. Os frigoríficos passaram a ter mais força para sentar à mesa e negociar reajustes com o varejo", diz Tiarajú Pires, superintendente da Abras. Os açougues fazem coro aos supermercados. "O único elo com poder de controlar estoques e manipular os preços é o grande frigorífico", diz o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Carnes Frescas do Estado de São Paulo, Manuel Farias.
 


Os atacadistas também citam a maior concentração no abate como uma das causas da disparada dos preços. "Há menos concorrência", diz o presidente da Bolsa de Gêneros Alimentícios do Rio de Janeiro, José Souza e Silva.
 


CONCENTRAÇÃO

 

No ano passado, o JBS Friboi, responsável por 21,8% dos abates, comprou o Bertin (responsável por 17,3%). A empresa resultante da fusão (da qual o BNDES tem 27% das ações) concentra 39% do abate de gado. O Marfrig, segundo maior frigorífico, do qual o BNDES também é acionista, responde por 14% do abate. O BNDES rejeita a tese de concentração excessiva. Diz que o setor "ainda é muito pulverizado" e que sua atuação visou à "internacionalização" de grupos brasileiros. Após aportes do banco -que ficou com 20,6% da JBS e 13,9% do Marfrig-, os dois frigoríficos compraram empresas no exterior. Os pecuaristas alinham-se aos frigoríficos. "O frigorífico é um mero repassador. Está no meio, pressionado pelo produtor e pelas cadeias de supermercado", diz o presidente da Sociedade Rural Brasileira, Cesário Ramalho.

 

Consumidores migram para o frango e o porco

 

Português de Viseu, Manuel Mota, dono de um pequeno açougue na Lapa carioca, trabalha com carne desde 1964, quando chegou ao Brasil. Ele conta que nunca viu o preço do produto "tão alto como agora".

 

A maioria dos clientes, diz, migrou para o frango e o porco, cujas vendas já superam, em seu comércio, a dos cortes de vaca.

 

Em média, a carne bovina subiu 30,52% de janeiro a dezembro, segundo dados do IBGE. Mas alguns cortes tiveram aumento de até 62,13%, como o filé mignon.

 

Em geral, as partes nobres subiram mais -a alcatra aumentou 34,53%. Mas mesmo as de segunda registraram altas expressivas: o acém avançou 30,4%.

 

Pesquisa em açougues de São Paulo mostra que o filé mignon e a picanha estão sendo vendidos a R$ 40 o quilo. Em casas mais sofisticadas e em áreas nobres da cidade, os dois cortes chegaram a custar quase R$ 60 o quilo em novembro.

 

REFLEXO NO FRANGO

 

O aumento da carne bovina provocou ainda a aceleração dos preços dos seus substitutos: o frango e a carne de porco subiram, respectivamente, 14,97% e 18,25% em 2010.

 

Esses reajustes já começam a chegar a restaurantes. Muitos já aumentaram seus preços e outros planejam corrigir suas tabelas se a alta persistir.

 

"Trabalho há 30 anos no setor e nunca vi o boi tão caro. Até agora, deu para cortar outros custos e segurar. Mas, se o preço [da carne nos frigoríficos] se mantiver no nível atual, vou ter de aumentar 14%", diz Arri Coser, dono da churrascaria Fogo de Chão, que tem seis restaurantes no país e 16 nos EUA.

 

Especialistas não enxergam motivos para uma queda consistente dos preços nos próximos meses.

 

"Há um consumo que cresce de modo mais acelerado do que a capacidade de oferta", diz Sérgio De Zen, do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada). (EL e PS)

 

Veículo: Folha de S.Paulo


Veja também

Venda dos supermercados deve crescer 5% em 2011

As vendas reais dos supermercados, descontada a inflação, deverão crescer entre 4% e 5% no pr&oacut...

Veja mais
O cerco às sacolinhas de plástico

A relação custo/benefício das sacolinhas de plástico não existe em nenhum outro tipo ...

Veja mais
Perdas no varejo vão além de R$ 11 bilhões

Controle: Furtos de funcionários e consumidores somam R$ 4,6 bi  Lojas apinhadas de gente, funcionár...

Veja mais
Mesa farta como nunca neste Natal dos supermercados

Segundo pesquisa anual da Abras, as vendas devem crescer mais de 12% no período do Natal e réveillon. &nb...

Veja mais
Consumidor paga alimentos em até dez vezes

Os índices que medem o aumento de preços ao consumidor têm sido unânimes em um quesito: o vil&...

Veja mais
Supermercados já vendem alimentos em até dez vezes

Os índices que medem o aumento de preços ao consumidor têm sido unânimes em um quesito: o vil&...

Veja mais
Supermercados versus sacolas plásticas, 2o round

Abras tem meta de reduzir distribuição de sacolas em 40% até 2015   Mesmo com a moda sustent...

Veja mais
Sacolas de plásticos vão até 2015

A Abras defende uma lei federal única para restringir o consumo das sacolas   A Associação B...

Veja mais
Supermercado fatura com alta de preços

Produtos mais caros nas gôndolas não freiam compras dos consumidores, mas marcas populares são mais ...

Veja mais