A "inflação do tomate" era efêmera e ficou para trás, mas deixou suas marcas nos hábitos dos consumidores. Ponto para as marcas mais populares
Por Cristiano ZAIA
O tomate, que chegou a dobrar de preço no início deste ano, transformou-se num símbolo do fantasma da inflação em 2013. Depois do susto de um IPCA acumulado acima de 6,5% em 12 meses, em março, o dragão dá sinais de ter ficado mais manso. O último levantamento do IPCA-15, divulgado no final de maio, mostrou que o potencial estouro da meta já ficou para trás com a queda de preços dos alimentos, incluindo a famigerada fruta vermelha, cujo preço caiu 12%. Mas o soluço inflacionário do início do ano fez o brasileiro mudar o mix de produtos para ajustar seu orçamento. Produtos que tiveram crescimento de vendas de dois dígitos em anos anteriores agora crescem moderadamente.
Antônio Sá, diretor de marcas próprias do Walmart: "Nossos clientes intensificaram
a compra de produtos de marca própria"
Dados da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) mostram uma desaceleração ou mesmo queda nas vendas de alguns itens que se tornaram símbolo da melhoria no padrão de consumo da classe C. Nos dois primeiros meses deste ano, por exemplo, as vendas de batata congelada cresceram 1,9%, cinco vezes menos do que no mesmo período do ano passado. Os sucos de fruta de caixinha, que no ano passado tinham crescido 12%, agora sobem 9%. Já a venda de xampus, que cresceu 0,3% em 2012, registra queda de 5,1%. “Os produtos mais sofisticados estão perdendo mercado”, diz Flávio Tayra, gerente de Economia e Pesquisa da Abras. Em compensação, os produtos com preços competitivos ganharam espaço nos carrinhos de compras.
No Walmart Brasil, terceira maior rede supermercadista do País, as vendas de produtos de marcas próprias, que custam de 10% a 50% menos do que os líderes de mercado, cresceram 15%. Esse movimento foi mais sentido em produtos como carnes e massas congeladas e até em fraldas. “Nossos clientes têm intensificado a compra dessas marcas por conta do orçamento mais restrito”, diz o diretor de marcas próprias do Walmart, Antônio Sá. O setor de alimentos e bebidas também confirma essa tendência. Fernando Rodrigues, presidente da Associação dos Fabricantes de Refrigerantes do Brasil, que representa os pequenos produtores de bebidas, sentiu a mudança. “As pes-soas já começam a migrar para refrigerantes mais baratos”, diz Rodrigues.
Telma Salles, presidente da Pró-Genéricos: "A migração para os genéricos
fica mais evidente sob pressão inflacionária"
A Mate Couro SA, por exemplo, que produz um refrigerante à base de guaraná famoso no Estado de Minas Gerais, celebra o crescimento de 4% no volume de vendas neste primeiro trimestre. “No mesmo período do ano passado, tivemos queda nas vendas”, afirma Lazio Divino Pinto, gerente de vendas da Mate Couro. Depois de investir em maquinários, o executivo prevê um crescimento de 10% no volume das vendas neste ano. A troca de marcas se estendeu também às farmácias. Os medicamentos genéricos, que ganharam mercado nos últimos anos, abocanharam uma fatia ainda maior. No primeiro trimestre, a venda da categoria cresceu 15,5%, enquanto os remédios tradicionais tiveram queda de 2,8%. “A migração para os genéricos fica ainda mais evidente, sob pressão inflacionária”, diz Telma Salles, presidente da Pró-Genéricos.
O orçamento mais apertado, com a renda crescendo mais devagar (leia quadro ao final da reportagem), teve um impacto sobre todo o varejo. Segundo balanço da Abras divulgado na quarta-feira 29, as vendas em abril caíram 3,84% em comparação ao mesmo mês de 2012. A Páscoa antecipada deste ano, celebrada no dia 31 de março, influenciou no resultado, mas o quadrimestre já mostrou números magros: expansão de 1,65% em comparação com 2013. Para o economista Sílvio Laban, professor do Insper, escola de negócios de São Paulo, esse recuo no padrão de consumo é temporário. “É apenas um sinal de que o consumidor está rearranjando seus gastos”, afirma. Laban diz que itens como detergente líquido, lanches prontos e antisséptico bucal, por exemplo, continuam ganhando espaço entre as famílias brasileiras. “A tendência é que o consumo continue se sofisticando no Brasil, como nos últimos seis anos.”
Veículo: Revista Istoé Dinheiro