Pesquisa da Kantar mostra que brasileiros de todas as classes sociais foram menos vezes às compras e têm estocado produtos para se proteger da inflação
Após anunciar, semanas atrás, redução nas previsões de crescimento em 2014, a Associação Brasileira dos Supermercados (Abras) informou ontem a estimativa para 2015, com projeção de alta de 2,5% nas vendas reais. Se atingir este patamar de expansão, será o quarto pior indicador da última década, entre 2005 e 2015. Neste intervalo, as menores taxas de crescimento foram registradas em 2005 (0,78%), 2006 (-1,59%) e 2014 (expectativa de alta de 1,9% nas vendas reais no ano).
A taxa estimada para 2015, de 2,5%, portanto, está acima do previsto para 2014, mas essa perspectiva mais otimista era esperada pelo mercado. Isso porque é preciso considerar que a base de comparação deste ano é avaliada como fraca.
As vendas ao longo de 2014 ficaram abaixo do esperado, num período de consumo em desaceleração, com poder de compra corroído pelas pressões inflacionárias e pela queda na confiança na economia, que afetaram o humor do consumidor. A projeção inicial de 2015 também está abaixo da estimativa inicial do setor para 2014, quando a entidade esperava alta de 3% nas vendas reais (depois, em agosto, reviu para 1,9%).
O comando da Abras diz que ainda prevê uma taxa de expansão positiva em 2015 - acima das previsões da variação de Produto Interno Bruto - com base em previsão de ganhos salariais maiores e menores reajustes de preços em certas categorias de produtos, o que pode elevar a renda disponível para gastos.
"Esperamos que o salário mínimo seja reajustado num nível maior do que em 2014, o que gera ganhos maiores de renda", disse Fernando Yamada, presidente da Abras, durante a convenção anual do setor, que começou ontem em Atibaia (SP).
Outros especialistas em varejo e consumo, como diretores das consultorias GfK e Nielsen, presentes na convenção, ressaltam que mesmo com expectativa de aumento no valor dos combustíveis e na tarifa de energia em 2015, os preços de certos alimentos devem se acomodar no ano. Isso deve pressionar menos o orçamento das famílias, segundo Marco Aurélio Lima, diretor de relacionamento da GfK.
Este ano, considerado "difícil" pela Abras, deve registrar alguns dos piores indicadores dos últimos tempos, em termos de taxa de expansão no volume vendido em lojas. Ontem, a direção da consultoria Kantar Worldpanel informou que, de janeiro a junho, foi registrado leve aumento no volume médio de itens vendidos, de 0,5%, em segmentos como alimentos, bebidas, higiene e beleza. O índice é interpretado como estabilidade nas vendas.
Questionada se essa taxa representa o pior indicador da série histórica da Kantar, Christine Pereira, diretora da Expert Solutions Kantar, disse que é, pelo menos, o pior índice dos últimos cinco anos. "O número de ida às lojas caiu em todas as classes neste ano, com queda maior na classe C, sinal de que as pessoas estão comprando produtos [e estocando em casa] para se proteger da inflação", disse ela. Esse comportamento era frequente no período de hiperinflação no país, até a década de 90.
A classe C, que mais se comporta desta forma agora, foi a mais beneficiada pelo aumento de crédito nos últimos anos, com a política do atual governo de manter a economia aquecida ampliando o consumo, e que estaria dando sinais de esgotamento, segundo alguns analistas.
Segundo estudo da Kantar, a classe C reduziu em seis vezes o números de visitas aos supermermercados de janeiro a junho de 2014 sobre igual período de 2013 (se ia 10 vezes aos supermercado em 2013, neste ano foi quatro vezes). Esse consumidor vai menos às lojas e estoca maior quantidade de itens. Nas classes A e B, houve diminuição em três visitas no semestre e nas classes D e E, queda de cinco visitas às lojas no período.
"O que se percebe é que o consumidor não tem cortado, de forma definitiva, certos produtos da sua cesta, mas ele adia a compra e acaba levando algumas mercadorias só a cada 60, 80 dias", disse a diretora da Kantar.
Entre os produtos que têm sido mais substituídos pela população por outros, que podem ser de menor preço, estão leite fermentado, iogurte tipo petit suisse, chá líquido, água mineral e lanches prontos, informou Christine. Entre os itens que continuam com ganhos de volume estão cream cheese, detergente líquido para roupas, protetor solar e suco pronto.
Perdas nas lojas batem recorde
As redes de varejo alimentar no país, como supermercados e hipermercados, registraram no ano passado perdas de R$ 5,28 bilhões nas lojas, valor equivalente a 2,52% da receita líquida do setor, segundo pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras) em parceria com a consultoria Nielsen. É o maior montante em perdas dos últimos dez anos. Em 2012, a soma atingiu R$ 4,74 bilhões, ou 1,95% das vendas.
O valor levantado compreende problemas como falta de mercadorias nas prateleiras, furtos, desperdícios, itens danificados entre outros. O estudo foi concluído em agosto e fez parte de análises do setor sobre o tema ontem, em palestras sobre prevenção de perdas no segmento, durante a convenção anual de supermercados da Abras, em Atibaia (SP). Além da Abras e da Nielsen, a pesquisa foi feita com apoio do Provar e do Ibevar, entidades do setor.
A soma de R$ 5,28 bilhões equivale, por exemplo, a cerca de 17% das vendas do Grupo Pão de Açúcar na área alimentar em 2013. Num setor em que as margens de lucro líquido são baixas, inferiores a 3%, em média, perdas em alta podem reduzir os níveis de lucratividade.
Por ordem, as regiões com maior índice de perdas em 2013 foram: Norte (3,55%), Nordeste (2,78%), Centro-Oeste (2,41%), Sudeste (2,60%) e Sul (1,92%)
O aumento reflete, em parte, o incremento na base de empresas analisadas. Foram 293 companhias pesquisadas, uma alta de 37% sobre 2012. "O aumento na taxa não significa, necessariamente, que as perdas [por loja] cresceram. A base de análise aumentou [ampliando o valor absoluto] e também estamos passando a identificar melhor as perdas nas lojas do setor, o que faz com que o número se expanda", disse ontem, em seminário, Carlos Rizziolli, responsável pela área de perdas no GPA e do comitê dessa área na Abras.
Segundo dados apresentados na convenção ontem, cerca de 70% das causas das perdas em lojas referem-se a problemas internos, como a existência do produto no estoque, mas fora das gôndolas, o que faz com que a venda não aconteça. E 30% dos casos referem-se a questões externas, como dificuldades de entrega da indústria, por exemplo.
Veículo: Valor Econômico