Inflação em alta e consumidor retraído exigem habilidade extra dos empresários para negociar com os fornecedores em tempos de crise
A combinação entre inflação em alta e queda de consumo tem tirado o sono dos supermercadistas. Os preços dos alimentos que compõem o prato típico do brasileiro, o arroz e o feijão, por exemplo, têm subido semanalmente. Os de hortifrútis, como alface, rúcula, pimentão e cenoura, quase diariamente.
Veja alguns números. Nos últimos 12 meses encerrados em janeiro passado, o preço do feijão subiu quase 25%, do arroz, 9%; e de produtos in natura, 14,53%, acima do IPC (Índice de Preço ao Consumidor), de 5,91%, segundo a Fipe.
E o quadro deve piorar. As indústrias que abastecem os supermercados acabam de apresentar aos lojistas nesta semana as novas listas de preços que deverão vigorar a partir de março. Os reajustes variam entre 5% e 12%, incluindo alimentos e produtos de higiene, beleza e perfumaria.
O consumidor reagiu. Quem costumava lotar um carrinho grande com mercadorias, agora usa o pequeno. Quem usava o pequeno, trocou pela cestinha. E quem usava a cestinha, agora entra no supermercado para comprar o que cabe nas mãos - três ou quatro itens, no máximo.
Esta é a situação vivida neste início de ano pelos supermercadistas, principalmente os de pequeno e médio porte, de acordo com empresários do setor entrevistados nesta semana pelo Diário do Comércio.
“Depois da Copa, o consumo vem diminuindo. Essa queda já atinge cerca de 20%”, afirma Flávio Augusto Pandolfi, gerente do supermercado Yamato, localizado na Avenida Jabaquara, zona Sul de São Paulo.
Reajustes quase diários de preços e consumidor mais contido têm exigido muita habilidade dos empresários para tocar o dia a dia do seu negócio.
É preciso ter tempo e disposição para discutir exaustivamente com os fornecedores qualquer desconto, por menor que seja. A situação mais crítica neste momento é a dos hortifrútis.
Nos últimos 12 meses, os preços dos legumes subiram 12,42%, dos tubérculos, 34,51% e das verduras, 17,98%, segundo a Fipe. “Dependendo do produto, as altas de preços são diárias e chegam a 30%. A seca prejudicou muito as plantações”, diz Pandolfi.
É preciso também acompanhar em detalhes o que sai e o que não sai da loja, pois, neste momento, mais do que nunca, os estoques precisam estar cuidadosamente ajustados à demanda.
Luciana Yoneta, sócia do supermercado Yoneta, tem seguido à risca essa orientação. “Estou comprando somente o necessário", afirma. "Está provado que 2015 será difícil por causa dos aumentos de impostos, energia, água, combustível, com impacto nos custos das mercadorias e, como consequência, na renda do consumidor, que está mais apertada. E quem tem um pouco mais de dinheiro deve restringir as compras porque não sabe o que vai acontecer amanhã. Não dá para ficar otimista.”
DOWTRADING DE MARCAS
Os hábitos de consumo mudaram consideravelmente nos últimos meses, de acordo com os supermercadistas. As marcas preferidas estão dando lugar àquelas mais baratas e algumas categorias produtos, fortemente demandadas com a ascensão das classes de menor poder aquisitivo, já registram queda acentuada nas vendas ou estão simplesmente deixando de ser consumidas.
São os casos das linhas de congelados (vegetais e sobremesas prontas), chás, cereais matinais, chocolates em barra e em tabletes, temperos, conservas vegetais, molhos de tomates, bebidas a base de soja, produtos infantis, cremes e condicionadores para cabelo e fraldas descartáveis, segundo levantamento da Rede Super Vizinho, associação que opera o sistema de compras de dez pequenos supermercados paulistas.
“O governo não admite, mas a economia está em recessão. Cortamos os estoques para sete dias, quando a média era de 15 dias, mesmo que, às vezes, isso gere ruptura no fornecimento de produtos de um ou dois dias", afirma Dirceu Netto, diretor comercial da Supervizinho. Não dá para arriscar no momento em que até as vendas de produtos básicos, como arroz, margarina e carnes, estão em queda”.
LOJA DO MADRID:CONSUMO DIMINUIU
No Madrid, supermercado com uma loja em Higienópolis (centro) e outra no Paraíso , é evidente o corte nos gastos dos consumidores. “Quem comprava quatro caixas de cereais, agora leva duas. Quem comprava seis potes de iogurte, agora leva três. Não sinto tanto mudança de hábitos, mas redução nos volumes de compra. Os clientes reclamam, pois os preços estão subindo demais, incluindo os dos importados por conta da alta do dólar”, diz Mercedes Portabales Mosquera, sócia-diretora do Madrid.
De setembro para cá, as duas lojas do Madrid registraram queda de 10% no consumo e, como consequência, a rede também cortou em 10% o volume de compras. Essa retração de consumo e das compras dos supermercados é refletida também pela indústria de embalagens, considerada um dos principais termômetros do ritmo da economia.
No ano passado, o setor de embalagens registrou queda de 1,42% nas vendas para as indústrias de alimentos. No caso de alguns produtos, como açúcar, arroz e carnes de aves e derivados, a queda foi ainda maior, de 3,04%, 1,64% e 2,90%, respectivamente, segundo a ABRE (Associação Brasileira de Embalagens.)
“O setor de embalagens depende do consumo de bens não duráveis e, por isso, não enfrenta, geralmente, grandes oscilações. Mas agora está sentindo os efeitos de uma conjuntura mais desfavorável, com o corte no consumo de alguns tipos de alimentos, como os mais supérfluos”, afirma Salomão Quadros, coordenador de análises econômicas do IBRE/FGV, responsável por estudo sobre o setor de embalagens.
A troca de produtos mais caros por mais baratos ou de marcas de primeira pôr marcas de segunda linha já foram responsáveis pelo pior desempenho do setor de supermercados da década.
Levantamento da Abras (Associação Brasileira de Supermercados) mostra que o setor registrou crescimento real de 2,2% no ano passado. Desde 2007, porém, o crescimento vinha sempre acima de 3,7% (dado de 2012).
Janeiro, tido como um mês de vendas fracas, conseguiu surpreender novamente de forma negativa, já que registrou um dos piores desempenhos mensais de que os supermercadistas têm notícia.
“Para um setor que alimentava expectativa de crescimento real de 8% a 10% ao ano, mesmo que feche com vendas empatadas na comparação com o ano passado, não é nem de perto um bom resultado”, diz Netto.
Nem mesmo a proximidade da Páscoa tem animado os lojistas. Levantamento da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) revela que 55,8% dos supermercadistas prevêem vendas estáveis em relação a igual período do ano passado, 7,3% projetam queda e 26,9% esperam crescimento.
FURTADO:CLIENTE CAUTELOSO
Como enfrentar esta situação? De maneira radical. O empresário precisa rever a sua política de compras, tornando-a mais frequente, e adequando-a aos novos hábitos de uma clientela mais cautelosa e endividada, na avaliação de Álvaro Furtado, presidente do Sincovaga, sindicato que reúne cerca de 40 mil supermercadistas paulistas.
O cuidado com o volume de compras, a variedade e, principalmente, com o risco de imobilização significativa de itens em estoque, diz ele, tem de ser a maior preocupação dos supermercadistas neste momento.
José Eduardo Carvalho, diretor da rede de supermercados Violeta, sabe muito bem disso. As vendas na sua rede de quatro lojas chegaram a cair até 15% neste início de ano, como é o caso dos produtos de açougue. Na linha de alimentos industrializados, bebidas e perfumaria, a queda é de 10% e, na de padarias, de 5%. A comparação é com igual período do ano passado.
“No nosso setor não dá mais para ser só comerciante, isto é, saber comprar e vender bem. Temos de ser empresário, saber gerenciar bem o negócio, entender de regras sanitárias, tributação, questões trabalhistas, sindicais. Nosso setor trabalha com margens apertadas, de 2% a 3%, quem errar, quebra”, diz Carvalho.
Veículo: Diário do Comércio - SP (25/02)