Na contramão dos supermercados, vendas de redes com preços de atacado crescem até 22%
SÃO PAULO- A perda de renda das famílias causada pela alta da inflação e o aumento do desemprego está fazendo o brasileiro sair em busca de descontos na hora de abastecer a despensa. O resultado é que enquanto a venda nos supermercados caem, os chamados 'atacarejos', lojas que vendem no varejo com preços e quantidades de atacado, mantêm crescimento de dois dígitos. Especialistas e comerciantes relatam aumento de 15% a 22% das vendas este ano. Já a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) informou ontem que em setembro as vendas caíram 3,11% em relação ao mesmo mês do ano passado, e, no acumulado do ano, estão negativas em 0,96%.
Numa pesquisa feita no primeiro semestre, em toda a América Latina, 74% dos entrevistados do Brasil declararam que estão à procura de promoções. E os “atacarejos” oferecem vantagem para quem compra em maior quantidade. Por isso, mantiveram o crescimento de dois dígitos mesmo na crise — analisa Flavia Amado, gerente de varejo da América Latina da Kantar Worldpanel, consultoria que realizou o estudo.
Com estruturas menos sofisticadas que as dos supermercados — os “atacarejos” não têm padaria, açougue, muitos sequer possuem ar condicionado, e as mercadorias ficam sobre pallets ou em caixas de papelão —, os preços são em média de 15% a 20% mais baixos, segundo os especialistas e os donos das lojas. Em alguns casos, as diferenças podem chegar a 40%. Em geral, o preço unitário dos produtos costuma ser mais baixo que nos supermercados. Mas se o consumidor comprar em maior quantidade (um pacote com três shampoos, por exemplo), a economia por unidade é ainda maior.
A estrutura de custo de um “atacarejo” é 50% menor que a de um supermercado. Por isso, o preço é mais baixo. Neste momento em que o consumidor quer defender seu orçamento das perdas da inflação, os “atacarejos” estão sendo uma das alternativas — diz Ricardo Roldão, presidente do atacadista Roldão. EXCURSÕES DO INTERIOR A rede, com 21 lojas no estado de São Paulo, vai abrir pelo menos mais duas até o fim do ano. O crescimento das vendas no Roldão está próximo de 20% este ano.
O aperto do orçamento levou a dona de casa Iracema Araújo, de 44 anos a um “atacarejo” pela primeira vez. Na loja da Zona Sul de São Paulo, ela disse ter encontrado preços até 20% mais baixos do que nos supermercados e que não sentiu falta de nenhum dos produtos que procurou.
— Tudo ficou mais caro por causa da inflação e a gente está à procura de descontos. Achei coisas mais baratas por aqui, principalmente produtos de limpeza — afirmou Iracema.
Em cidades do interior do país, famílias com a renda mais apertada estão se juntando em grupos com amigos ou parentes para fazer excursões aos “atacarejos”. Compram em grandes quantidades para aproveitar os melhores preços e dividem a mercadoria.
Na Bahia, em cidades como Jequié, por exemplo, vemos este tipo de excursão às nossas lojas. Vem gente de cidades vizinhas, que aluga um ônibus ou uma van e racha os custos — diz Belmiro Gomes, presidente do Assaí atacadista, rede pertencente ao grupo Pão de Açúcar que tem 91 lojas no país. A mais recente foi inaugurada semana passada, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.
Gomes calcula que, desde 2011, as vendas nos “atacarejos” estão crescendo a um ritmo de dois dígitos ao ano, numa média de 16%. Mas, com a crise e a inauguração de mais lojas com este formato pelo país, o ritmo se intensificou. No Assaí, em 2014, as vendas cresceram 32,7% em relação ao ano anterior. Em 2015, de crescimento do terceiro trimestre, foi de 22,3%. — Mas esperamos repetir o crescimento do ano passado — diz o executivo.
Ele lembra que mais de 50% das vendas dos “atacarejos” ainda são feitas para donos de padarias, pizzarias, restaurantes, por exemplo. Esses pequenos empresários buscam preços melhores para não repassar a alta dos preços aos clientes, especialmente nesta época em que muita gente deixou de lado a refeição fora de casa para economizar.
Meu movimento caiu mais de 40% e minha conta de luz dobrou. Tenho que andar atrás de descontos para não repassar esses custos aos meus clientes — diz o empresário Fernando Miranda, de 57 anos, dono da lanchonete Santa Coxinha, na zona Leste de São Paulo, que costuma fazer compras no Roldão do Ipiranga para abastecer sua lanchonete.
No Atacadão, do Grupo Carrefour, os descontos nos preços de legumes chegam a 40%. Em nota, a rede explica que legumes e frutas, com pequenos amassados, mas em perfeito estado para consumo, entram na promoção. São produtos que o comprador vai deixando de lado apenas pela questão da aparência, afirma a empresa. São 11 tipos de legumes e frutas, como cenoura, batata, cebola, maçã e laranja, em embalagens de 1 kg, que serão oferecidos com descontos até o fim do ano em todas as lojas de São Paulo. O Atacadão é a maior rede de “atacarejos” do país, com 118 lojas, oito delas inauguradas este ano. A empresa não divulga o crescimento das vendas, mas especialistas avaliam que o ritmo de expansão do faturamento é o mesmo do de seus pares: dois dígitos.
Veículo: Jornal O Globo