Apesar do aumento das incertezas devido à crise política, os indicadores já conhecidos após as delações da JBS, que envolveram o presidente Michel Temer, parecem mostrar que não houve um forte estrago no curso da atividade, embora a economia continue mostrando uma trajetória de recuperação bastante lenta e errática. Em junho o consumo deu mostras mais consistentes de melhora, impulsionado pela redução da inflação e dos juros. Já a reação da indústria parece ter esfriado no mês passado, após a melhora observada em abril e maio.
Para os economistas, os indicadores já divulgados mostram que a atividade seguiu em trajetória de lenta recuperação em junho, mas em ritmo talvez insuficiente para evitar retração do Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre.
Para Júlio Mereb, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), foi modesto o efeito da piora do ambiente político sobre a economia no mês. A incerteza segue alta, o que deixa os empresários mais receosos, diz, mas o noticiário recente mais favorável, com a aprovação da reforma trabalhista, ameniza o impacto do choque político sobre a atividade.
Mereb diz que o desempenho dos indicadores antecedentes aponta para comportamento "entre neutro e positivo" da atividade econômica em junho, em média. Para o varejo, a expectativa é positiva, enquanto a indústria deve devolver parte da alta observada no mês anterior.
Segundo Luiz Castelli, da GO Associados, o comércio tem se beneficiado da queda da inflação e dos juros, do efeito pontual dos saques das contas inativas do FGTS e da estabilização do mercado de trabalho. Na indústria, porém, aparentemente a crise política surtiu efeito negativo em junho, o que não invalida a perspectiva um pouco mais favorável para o setor."Continua a volatilidade na atividade, sem tendência de recuperação mais forte", diz o economista, para quem o PIB recuou 0,1% no segundo trimestre.
Do lado do comércio, poucos índices foram divulgados, mas os já conhecidos apontam que as vendas subiram em junho. Castelli menciona as vendas de veículos medidas pela Fenabrave (associação das concessionárias), que, com o ajuste da consultoria, subiram 1,8% - quinta alta consecutiva -, e o movimento nas lojas calculado pela Serasa Experian, que avançou 1,2% sobre maio.
Divulgado ontem pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras), as vendas reais do setor subiram 2,71% em junho de 2017 sobre igual mês de 2016. Com o ajuste sazonal calculado pela Tendências Consultoria, houve alta de 1,6% de maio para junho. A Tendências projeta que o varejo restrito (exclui automóveis e material de construção) cresceu 0,5% de maio para junho, enquanto as vendas ampliadas avançaram 2%, impulsionadas por veículos.
Na indústria, os dados de junho sugerem retração, no entanto, em julho, possivelmente parte dessa perda seja recuperada, na visão do Ibre-FGV, com base na sondagem do setor para o mês. No setor automotivo, as vendas de carros seguem em alta, mas em julho houve uma quebra na tendência de crescimento no ritmo diário de vendas na comparação com os dois meses anteriores.
Do primeiro dia útil do mês até quarta-feira foram licenciados em todo o país 146 mil carros e comerciais leves. Como os três últimos dias de todos os meses costumam ser mais fortes em vendas, fontes da indústria calculam que julho fechará com um mercado em torno de 181 mil unidades. Se confirmado, o total representará avanço de 3,4% em relação a julho de 2016.
Apesar do resultado melhor do que há um ano, o ritmo diário de vendas diminuiu em relação às semanas anteriores. No acumulado do mês até quarta-feira a média diária de licenciamentos estava em 8,1 mil veículos. A previsão de vendas mais aceleradas no fim do mês indica que julho fechará com média diária de emplacamentos de 8,6 mil carros e comerciais leves. Em julho de 2016 a média era de 8,3 mil unidades. Mas o ritmo havia acelerado em junho deste ano, quando foram licenciados, em média, 9 mil veículos por dia.
Há grande expectativa do setor de que o quadro melhore daqui para a frente. Além da redução nos juros, as montadoras contam com boa aceitação de lançamentos importantes. Mas diante do ambiente incerto, os fabricantes de veículos, que há um mês elevaram as projeções de exportação e produção em 2017, preferiram ser mais cautelosos em relação às vendas domésticas e mantiveram a expectativa de alta de 4% em relação a 2016. Cm o bom desempenho das exportações, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos (Anfavea) subiu de 11,9% para 21,5% o cálculo de produção.
Em junho, segundo a Anfavea, a produção de veículos somou 212,2 mil unidades, entre automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus, com alta de 15,1% em relação a junho do ano passado. Dessazonalizado pela GO, no entanto, houve recuo de 9% na comparação com maio.
Outros indícios negativos para a atividade nas fábricas no mês passado foram a expedição de papelão ondulado, que diminuiu 0,3% na passagem mensal (também com o ajuste da GO), e o fluxo pedagiado de veículos pesados nas rodovias, que ficou 0,7% menor. O dado é divulgado pela Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR) em parceria com a Tendências. Publicado ontem pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o Indicador do Nível de Atividade (INA) encolheu 0,7% em relação a maio.
"Não tem como a indústria fugir do negativo em junho", diz Castelli, da GO. Ele trabalha com redução de 0,9% da atividade do setor ante maio, depois de aumento de 0,8% na medição anterior, e de alta de 1,1% em abril. Na média, diz, a produção deve ter ficado perto de zero entre o primeiro e o segundo trimestres.
Para a LCA Consultores, a atividade continuou a apresentar alguns sinais, ainda que incipientes, de melhora no decorrer do segundo trimestre. "Diversos indicadores coincidentes da atividade têm mostrado continuidade da tendência de recuperação (ainda que lenta e irregular) da economia", trajetória mais evidente entre os índices relacionados ao consumo, afirma a consultoria.
Para João Morais, da Tendências, permanece a avaliação de que a deterioração do ambiente político tende a afetar mais setores mais ligados aos investimentos, primeiro segmento a se retrair em períodos de maior incerteza. "Para o consumo e atividade, o impacto da crise política tende a ser reduzido".
A reação do consumo é recente e tem ocorrido em ritmo bastante gradual, mas é consistente, diz Morais. Divulgados ontem pelo BC, os dados de crédito de junho reforçam a percepção um pouco mais favorável sobre o consumo, afirma.
As consultas ao BNDES, que funcionam como termômetro do interesse por novos investimentos somaram R$ 10,197 bilhões em junho, nível próximo ao registrado em maio (R$ 10,463 bilhões) e pouco abaixo de março (R$ 11,472 bilhões), o pico deste ano. O resultado de junho foi puxado pelo setor de comércio e serviços, que realizou consultas de R$ 4,525 bilhões no mês de junho. Esse valor está 161% acima do mês anterior e foi também o valor mensal mais expressivo do ramo desde dezembro de 2014.
Fonte: Valor Econômico