Rio — Os cinco dias de greve dos caminhoneiros vêm afetando a distribuição de combustíveis e alimentos pelo país. Produtores jogaram leite e verduras no lixo, supermercados ficaram lotados e alguns até limitaram a quantidade de itens que poderiam ser comprados por pessoa. Nas redes sociais e nos aplicativos de mensagem, multiplicam-se textos alarmistas que procuram alimentar o pânico. Contra a desinformação, O GLOBO montou um guia com perguntas e respostas para tirar dúvidas sobre a real situação do país em meio à crise de abastecimento.
Segundo o chefe da divisão econômica da Confederação Nacional do Comércio de Bens Serviços e Turismo (CNC), Fabio Bentes, é natural que a greve dos caminhoneiros afete primeiro a distribuição de alimentos e de combustíveis. Esses bens não duráveis representam 40% da movimentação financeira do varejo e dependem do transporte rodoviário para chegar aos consumidores. Os efeitos sobre os bens duráveis só vão começar se a crise persistir por cerca de dois meses.
Há risco de faltar comida?
No WhatsApp, áudios e textos sugerem que as pessoas se previnam e passem a estocar alimentos. De acordo com a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), as redes mantêm um estoque médio de produtos não perecíveis e “a população pode ficar tranquila”. Contudo, a associação reconheceu que há problemas na distribuição de gêneros perecíveis. Ao menos 16 estados relataram problemas com o abastecimento (MT, MS, DF, TO, PA, PB, CE, PE, AL, BA, RJ, MG, ES, SP, SC e PR). A Abras diz que trabalha para que o governo “resolva o mais breve possível a situação” e “busca sensibilizar” as autoridades para que a população não sofra com a eventual elevação dos preços. Ainda não há estimativa de perdas e prejuízos.
A associação diz não ter orientado os supermercados a limitarem o número de itens de compra, mas reconheceu que algumas redes adotaram a iniciativa “mais como medida preventiva do que por falta de estoque”, no caso dos produtos não perecíveis.
Devo estocar alimentos em casa?
Não faltam nas redes áudios e correntes de WhatsApp sugerindo uma verdadeira corrida aos supermercados. O antropólogo Fred Lucio, coordenador da ESPM Social, não vê motivo para pânico e acredita que houve uma reação exagerada por causa da propagação de boatos. A desinformação, segundo Lucio, se uniu à indefinição sobre o futuro da paralisação dos caminhoneiros e a uma ansiedade da população.
A corrida aos supermercados para estocar alimentos acaba criando uma profecia autorrealizável. Com medo de falta de produtos, as pessoas compram tudo das prateleiras, e então há escassez mesmo. Com isso, quem realmente precisa daqueles produtos não os encontra disponíveis.
Para Fabio Bentes, da Confederação Nacional do Comércio (CNC), estocar mantimentos agora é um péssimo negócio.
— Estocar não é uma estratégia eficiente, porque o governo vai apagar o incêndio e os preços vão voltar para uma situação razoável. O que o consumidor gastou para se abastecer, vai perder porque não vai conseguir estocar e é perecível — diz ele.
Paulo César Pegas, do Ibmec, especialista em transportes, aponta que a baixa inflação por anos seguidos criou uma zona de conforto e um horizonte de compra de, no máximo, uma semana na maioria dos lares brasileiros. Esta crise pegou de surpresa os consumidores que estavam acostumados a ter reposição contínua de produtos.
É recomendado estocar combustível em casa?
Armazenar combustível em casa é proibido no Brasil, além de ser bastante perigoso, alerta o Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro (CBMERJ). O artigo 56 da lei 9.605/1998 caracteriza o ato como crime ambiental e prevê reclusão de um a quatro anos e multa.
“Os combustíveis devem ser estocados em ambiente adequado, com temperatura controlada, longe de fontes de calor e de descarga de energia elétrica e somente podem ser manuseados por pessoas capacitadas. São materiais inflamáveis, que entram em combustão com facilidade, elevando o risco de incêndios e explosões. Além disso, o simples contato com o líquido, pode causar efeitos nocivos à saúde”, explica o CBMERJ.
É possível abastecer o carro com álcool de cozinha ou cachaça?
A pergunta foi feita por vários usuários nas redes sociais e alguns até relataram que conseguiram fazer o carro andar à base de álcool de cozinha ou até mesmo cachaça. O engenheiro e consultor da ATK Automotive, Paulo Roberto Garbossa, explica que o carro pode até andar se abastecido com outros líquidos inflamáveis como os citados, mas isso vai gerar uma série de problemas para o motor, podendo danificar peças e alterar o funcionamento do veículo.
— O álcool combustível vendido no posto tem uma série de aditivos que o álcool de cozinha não tem. O carro até pode andar, mas o motor pode falhar. Além disso, há grande chance de danificar peças como pistão ou cabeçote do motor, causando um prejuízo que não vale a pena — explica Garbossa.
Quanto tempo vai levar para a situação voltar ao normal?
De acordo com Bentes, da CNC, da mesma forma que o impacto é instantâneo, a solução deve ser dar de forma rápida, uma vez que o problema está na distribuição, e não na produção.
— As refinarias continuam produzindo. O que acontece é um problema logístico de transporte, que em questão de poucos dias volta para a normalidade. A mesma coisa para a agropecuária. Não houve quebra de safra — salienta o economista.
Fonte: Fatos&Eventos