Completando 50 anos de existência, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) acumula grandes batalhas, mas também conquistas importantes. Uma delas foi o reconhecimento federal do setor como atividade essencial, classificação que gera uma ampliação de possibilidade para as empresas do setor.
Em entrevista, o presidente da entidade, João Sanzovo Neto, discorre sobre várias pautas que estão na agenda dos supermercadistas como impacto da greve dos caminhoneiros nos resultados deste ano, o relacionamento de parceria que os fornecedores e varejistas precisam cultivar, a inserção de tecnologia e de novos modelos de negócios para atender os clientes nativos digitais e as eleições e o que o empresário precisa ficar atento nos discursos dos candidatos.
Natural de Jaú, interior de São Paulo, Sanzovo é graduado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas e pós-graduado em Marketing. Na rede de supermercados Jaú Serve, de sua família, atuou em vários setores administrativos, até chegar à presidência do grupo, cargo que ocupou até o ano 2000.
Depois de tantas incertezas e turbulências ocasionadas pela crise, podemos afirmar que 2018 está sendo um ano frutífero para o setor?
O ano de 2018 começou com muitas expectativas para o setor, mas com um grande desafio na ativação de consumo da população, que ainda segue receosa quanto aos gastos, mesmo após a crise. Os empresários supermercadistas estão trabalhando muito para melhorar seus resultados, e tem dado certo. No primeiro semestre, o setor registrou crescimento de 2% nas vendas.
Mas a paralisação dos caminhoneiros prejudicou o abastecimento dos supermercados, e afetou vários setores da economia, impactando, inclusive, na queda na previsão do PIB para 2018 e na alta da inflação. Esses fatores, aliados à queda na produção industrial e à alta do dólar, fizeram com que a ABRAS revisasse a perspectiva de vendas para o ano, que passou de 3,00% para 2,53%.
Mesmo em tempo de crise, o que é mais importante: o valor dos produtos ou a confiabilidade nos estabelecimentos?
Os dois são importantes e contam muito na hora do cliente escolher um canal de compra. Mas, durante a crise, o preço virou fator decisivo na opção dos consumidores. Estudo realizado pela Kantar Worldpanel, divulgado no primeiro semestre, que analisou dados colhidos em 11,3 mil lares brasileiros, que representa 55 milhões de residências no País, revelou que os consumidores continuam apostando em práticas da época da crise, priorizando marcas mais econômicas e produtos em promoção. Apesar disso, aos poucos as experiências estão voltando a impactar nas escolhas do canal, assim como o consumo de produtos mais caros, os chamados premium, e também, os com apelo à saudabilidade.
“Com a crise, uma maneira de ganhar mercado demanda inovação, tecnologia e melhoria de processos e, as startups viraram uma alternativa nesse processo”
Como o setor enxerga a relação fornecedor x varejista? Quais são os desafios para facilitar o relacionamento?
Os empresários de supermercados e os fornecedores são parceiros, e esse relacionamento precisa estar em sintonia, para que ambos possam colher bons resultados. Embora o trabalho colaborativo seja mais utilizado no exterior, no Brasil, empresários da indústria e do varejo já descobriram a vantagem em trocar informações e compartilhar conhecimentos. Essa atuação em conjunto resulta em um atendimento de maior qualidade ao consumidor, que deve ser pensado sempre como nosso foco principal, e auxilia em uma melhor competitividade de mercado. Os consumidores estão cada vez mais complexos. O compartilhamento de informações é o melhor caminho para a fidelização de marcas e canais.
As feiras supermercadistas, realizadas durante todo o ano nos estados brasileiros, como a Convenção Capixaba de Supermercados, são fundamentais nesse processo de integração de supermercadistas e fornecedores de todo o Brasil. Impulsionam o ambiente de negócios e favorecem a renovação do setor.
Em relação as startups, o setor está absorvendo bem essas iniciativas?
Com a crise, uma maneira de ganhar mercado demanda inovação, tecnologia e melhoria de processos e, as startups viraram uma alternativa nesse processo. Quando surgiram, eram mais focadas nos segmentos de comércio eletrônico e financeiro, mas o grande potencial do setor supermercadista, principalmente no mundo virtual, tem atraído um número crescente de investidores. No varejo, já atuam em áreas que vão desde a atração e retenção de consumidores, no ponto de venda ou na loja on-line, passando por diversas questões de operação e, até mesmo, melhorando e ampliando a experiência de compra do consumidor. Acredito que vieram para somar. Para as empresas já consolidadas no mercado, as startups são um auxílio a mais na renovação e no fortalecimento do negócio; para as pequenas, auxiliam na propagação da empresa sem a necessidade de grande investimento. A revista SuperHiper trouxe na edição de julho uma matéria especial sobre as startups.
Quais as tendências tecnológicas para o varejo nos próximos anos? Como o setor está se preparando para os nativos digitais?
O que temos visto no setor é a necessidade de adaptar-se às novas exigências de consumo, que implicam em mais integração tecnológica e conveniência. A tendência é o varejo disruptivo – criação de novas tecnologias e modelos de negócios capazes de mudar totalmente a maneira tradicional de adquirir um produto ou serviço. Destacaria a internet das coisas, pela qual todos os aparelhos eletrônicos se interligam. O celular atuando em todos os processos de compra, incluindo o pagamento, além de novas ferramentas e interações de realidade aumentada e virtual, big data e inteligência artificial. E também o ponto de venda como extensão do varejo on-line, e não mais como no modelo tradicional, que na maioria das vezes atuam separados. Mas as inovações não param, e fica difícil precisar o que poderá surgir nos próximos anos. Os supermercadistas precisam ficar atentos com o que está acontecendo no mundo tecnológico e o que os clientes estão buscando para se adaptar a tempo, e continuar evoluindo com as mudanças.
Em agosto de 2017, o Governo Federal reconheceu o varejo supermercadista como atividade essencial. Qual é a importância desse reconhecimento?
O reconhecimento da atividade supermercadista como essencial da economia foi uma batalha que começou na década de 1990, e tornou-se uma das principais demandas da Abras. Desde o seu surgimento no País, em 1953, os supermercados passaram por grandes transformações, mas a legislação não acompanhou nossa evolução. E isso fazia com que os empresários supermercadistas tivessem que negociar para manter suas lojas em funcionamento aos domingos e feriados. O decreto fez justiça a um setor que sempre foi essencial. Ter esse valioso reconhecimento nos deu maior autonomia de atuação.
A Associação Brasileira de Supermercados completa 50 anos de atividade em 2018. Quais foram os passos marcantes dessa caminhada?
Desde seu surgimento, em 1968, a Abras luta pelo fortalecimento da representatividade do setor no País. Quem acompanhou esse processo sabe que não foi fácil conquistar o respeito e o reconhecimento da nossa atividade. Nosso nome foi construído com muita luta e persistência, e graças à Abras, os supermercados se fortaleceram, e hoje fazem parte de um dos mais importantes setores da economia. Ao longo dos anos foram muitas as conquistas da Abras para o setor de supermercados, que nos trouxeram ganhos financeiros e operacionais imensuráveis. Mas, aqui, gostaria de destacar o reconhecimento da nossa atividade como essencial da economia. Tentávamos esse pleito desde 1997. Nosso setor sempre foi essencial, desde a sua origem, com os pequenos mercados, armazéns, as vendas de secos e molhados. Desde o seu surgimento no país, em 1953, os supermercados passaram por grandes transformações, mas a legislação não tinha acompanhado nossa evolução. Mas, finalmente, uma injustiça foi reparada, e fomos reconhecidos como atividade essencial que somos. Um grande ganho para nós e para a população.
Estamos em ano de eleições majoritárias. Qual a pauta que o empresário precisa ficar atento na agenda dos candidatos?
As eleições nos darão a chance de melhorar o Brasil. É preciso analisar os candidatos e verificar quem realmente tem compromisso com o país e com o setor de comércio e serviços. Precisamos melhorar as condições de atuações dos empresários brasileiros, que sofrem com a burocracia no sistema de crédito e altas tributações para empreender. Necessitamos de leis que incentivem o empreendedorismo, para continuarmos crescendo e gerando empregos e renda. As propostas para um Brasil melhor precisam englobar todos os setores: político, social e econômico. Temos grandes desafios pela frente. O desemprego ainda é um dos maiores deles, e afeta diretamente o poder de compra do brasileiro. A falta de segurança é outro, que tem prejudicado bastante os empresários no país. Necessitamos de uma reforma previdenciária que se adeque com a realidade atual do Brasil, e de uma reforma tributária que traga mais competitividade para o ambiente de negócios brasileiro, entre outros pleitos.
Fonte: ES Brasil