A família Klein e o Grupo Pão de Açúcar (GPA), sócios na empresa Via Varejo, negociam um acordo para que consigam avançar na aprovação do processo de fusão das redes Casas Bahia e Ponto Frio. A operação ainda precisa ser aprovada no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e depende de um entendimento, que não existe entre os acionistas hoje. O Valor apurou que os Klein decidiram não assinar o documento final das propostas a serem apresentadas ao Cade. Os sócios deixaram clara a oposição em reunião do conselho de administração da Via Varejo, na sexta-feira passada. O clima entre os acionistas azedou e eles chegaram a trocar correspondências em tom pesado nos últimos dias.
Ontem à tarde, Enéas Pestana, presidente do Grupo Pão de Açúcar, e Michael Klein, presidente do conselho de administração da Via Varejo (criada com a união das duas redes de lojas de eletroeletrônicos), se reuniram em Brasília, na sede do Cade, para tratar do assunto. Os Klein e o grupo negociam aspectos da proposta há meses. Na reunião, Michael disse que não aceitaria especificamente um ponto do acordo negociado entre a família Klein, o GPA e o Cade. Trata-se do fechamento de lojas das redes Casas Bahia e Ponto Frio e a manutenção dos pontos da rede Extra, que vende eletroeletrônicos em suas unidades.
Os Klein não aceitam que Via Varejo tenha que fechar lojas (ou passá-las para a concorrência) enquanto, dizem eles, se "preservam" os negócios de GPA, sem qualquer efeito sobre a rede Extra. Por isso, no encontro entre as partes ontem, Michael fez uma proposta: em todas as cidades onde uma loja de Casas Bahia ou Ponto Frio for fechada, a unidade do Extra do mesmo município passará a ter eletroeletrônicos vendidos pela Via Varejo. Ou seja, a receita com a venda desses produtos irá para o caixa da varejista de eletroeletrônicos. Hoje, esse valor entra na receita de hipermercados do GPA.
Pelo negociado até agora, cerca de 60 lojas de Casas Bahia e Ponto Frio podem ser fechadas em cidades em que a participação de mercado de Via Varejo supera 57%, taxa determinada pelo Cade como "corte" na análise de concorrência, apurou o Valor. O que os Klein querem, entende o Pão de Açúcar, é uma espécie de "compensação financeira", já que terão os pontos fechados.
O Valor apurou que Enéas Pestana concordou ontem em analisar a proposta apresentada por Michael e não a considera "absurda", mas o grupo não sabia dessa ideia do sócio e precisa tratar da questão no conselho. O Cade deve aguardar esse entendimento para que o tema da fusão das redes seja colocado na pauta de votação. Há acordo em relação a todos os outros pontos que farão parte do Termo de Compromisso de Desempenho (TCD), com as restrições definidas pelo Cade.
Nos últimos dias, a relação entre os Klein e o Pão de Açúcar voltou a piorar. Depois de tomar conhecimento, na semana passada, que os Klein não aceitavam assinar a proposta de acordo, o grupo enviou uma carta ao acionista criticando o posicionamento. Afirmou que estava "surpreso" com a postura dos Klein e afirmou que eles estavam sobrepondo os interesses da família aos interesses da empresa. Na carta, o grupo critica os Klein, que não estariam participando de forma ativa, com o fornecimento de dados e informações, e que isso estaria afetando o avanço das conversas. Ao fim da carta, o grupo ameaça entrar com processo contra a família na câmara de arbitragem, caso os Klein não mostrem interesse em negociar pelo bem da empresa.
Na noite de domingo, os Klein responderam à correspondência, em 26 pontos. Disseram que a companhia procura "impor a sua vontade de forma truculenta e com base em ameaças ocas". Afirmam ainda que eles se empenharam para ter a operação aprovada nos termos contratados, já o GPA "abandonou a luta pela aprovação integral [do acordo] e passou a procurar restrições que não são distribuídas equitativamente entre as partes".
Segundo a carta dos Klein, "é bem melhor para CBD [GPA] preservar lucros na sua companhia, ainda que às expensas de perdas em outra da qual só participa em cerca de 52% do capital". Os Klein ainda informam que esperam uma negociação amigável e caso ela não ocorra em 30 dias, a partir do último domingo (data do envio da carta) eles apoiam a abertura de um processo arbitral.
É pouco provável que se chegue a esse ponto. O Pão de Açúcar entende que é preciso alcançar um consenso o mais rápido possível, que a aprovação da fusão das redes já se estendeu demais - e os Klein pensam o mesmo. É possível que as partes se entendam nas próximas semanas, segundo fontes ouvidas.
Não é a primeira vez que os sócios se desentendem. Em fevereiro, os Klein ameaçaram entrar com processo arbitral contra o GPA por causa das condições do acordo de associação assinado pelas partes em 2010.
Veículo: Valor Econômico