Nem toda multinacional cumpre metas de reduzir o uso plástico

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Estudo europeu revela que muita gigante do setor de alimentos passa longe dos próprios desafios imputados para uma cadeia produtiva sustentável

 

Investigação da DW aponta que dois terços das promessas de redução do uso de plástico em embalagens não foram cumpridas por multinacionais europeias. A multinacional francesa de alimentos Danone fez uma promessa ambiciosa em 2008: dentro de um ano, 50% do plástico usado ​​nas garrafas de água da empresa deveria ser de material reciclado. O relatório de sustentabilidade da Danone classificou a medida como “uma alavanca para reduzir o peso das embalagens e diminuir as emissões de CO2”.

 

O plano teria sido um passo na direção certa na luta contra a poluição global por plásticos. O plástico não é apenas um dos principais produtos feitos a partir de combustíveis fósseis – como petróleo e gás natural -, mas também um dos mais duradouros.

 

As garrafas de plástico, por exemplo, podem levar até 450 anos para se decompor. Os microplásticos resultantes prejudicam tanto animais quanto humanos, poluindo oceanos, solo e até o ar. E a indústria de alimentos e bebidas é uma das maiores poluidoras por plásticos do mundo.

 

De acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 79 milhões de toneladas de resíduos plásticos foram descartadas diretamente no meio ambiente em 2019: no solo e nos oceanos, por meio da queima a céu aberto ou em aterros sanitários. Isso representa mais de um quinto do total de resíduos plásticos de todo o mundo.

 

As empresas estão cumprindo suas promessas de serem mais sustentáveis?

 

A DW e a Rede Europeia de Jornalismo de Dados analisaram algumas das maiores fabricantes de alimentos e bebidas da Europa para descobrir.

 

Esse não foi o caso, por exemplo, da Danone. Em 2009, ela estipulou uma meta para o uso de plásticos reciclados: “O grupo pretende atingir 20% a 30% em 2011”, consta do relatório de 2009. “E, por fim, 50%.”

 

Quando a firma não consegue atingir o plano, ela reduz novamente a meta. E de novo. Em 2020, a Danone ainda usava apenas 20% de plástico reciclado em suas garrafas de água em todo o mundo. E, para 2025, 16 anos após seu primeiro prazo autoimposto, a Danone estabeleceu uma meta familiar: 50% de plástico reciclado em garrafas de água.

 

Danone não responde a questionamentos

 

A Danone não respondeu aos pedidos de resposta sobre essas discrepâncias. No total, a DW e seus parceiros identificaram 98 comprometimentos sobre plásticos assumidos nos últimos 20 anos por 24 empresas de alimentos e bebidas sediadas na Europa. Mais da metade dessas promessas foi feita apenas nos últimos anos, tendo como meta o ano de 2025.

 

No caso de 37 promessas que já deveriam ter sido cumpridas, o histórico não é bom: 68% ou falharam claramente ou nunca mais foram mencionadas. Quando as companhias não cumprem suas promessas, elas geralmente não mencionam o fato abertamente. Em vez disso, abandonam silenciosamente a meta, mudam seu escopo ou adiam o prazo.

 

Quando as metas não puderam ser verificadas, a DW entrou em contato com a empresa responsável – e, quando houve esclarecimento, atualizou os dados. As empresas que não comentaram sobre as metas permaneceram rotuladas como “não está claro”.

 

Esses números conferem com estudos sobre outros setores: em 2021, a União Europeia investigou alegações de sustentabilidade em sites de empresas de setores como vestuário, cosméticos e eletrodomésticos – e descobriu que 42% das alegações eram potencialmente exageradas, falsas ou enganosas.

 

Dos objetivos supostamente alcançados, alguns eram mais jogadas de marketing do que melhorias de longo prazo. Há, por exemplo, a cervejaria belga Anheuser-Busch InBev, fabricante de marcas como a americana Budweiser, a Corona e a Beck’s. Em 2017, ela anunciou a promessa de “proteger 100 ilhas da poluição marinha por plásticos até 2020”.

 

Na prática, a AB InBev não se envolveu em proteção de longo prazo. Em vez disso, organizou 214 ações únicas de limpeza de praias em 13 países, e em seguida declarou os esforços como sucesso, um ano antes do previsto.

 

“Muitas empresas usam a limpeza de praias para se autopromover”, observa Larissa Copello, responsável por campanhas de políticas da ONG ambientalista Zero Waste Europe. “Mas são eles que estão colocando todo esse lixo nas praias.” A Zero Waste Europe defende, ao invés disso, “fechar a torneira” para reduzir o uso de resíduos plásticos nas embalagens.

 

Apenas 19 das 98 promessas identificadas pela DW visam reduzir as embalagens plásticas ou a quantidade de plásticos virgens, e a maioria delas ainda está programada para uma data futura.

 

A DW registrou comprometimentos de 24 firmas, 16 das quais se propuseram produzir embalagens de plástico reciclável. Contudo isso não garante que o material realmente será reciclado.

 

“Se não houver infraestrutura para coletar esses produtos separadamente, eles não serão reciclados”, comenta Copello. O mesmo se aplica a produtos supostamente degradáveis ​​ou compostáveis: “Pelo menos aqui na Bélgica, não há coleta separada para itens compostáveis ​​ou biodegradáveis. Eles simplesmente acabam no lixo.”

 

Em um terço dos compromissos documentados, as empresas prometeram usar uma proporção maior de plástico reciclado em suas embalagens – o que, para Copello, já seria um avanço.

 

E alguns pequenos passos foram dados: a italiana Ferrero, por exemplo, começou a aumentar a quantidade de plástico reciclado em suas embalagens secundárias a partir de 2010. A fábrica de envasamento suíça Coca-Cola HBC lançou uma garrafa 100% reciclada para quatro de suas marcas de água em 2019, depois de anunciar a medida no ano anterior.

 

Compromissos voluntários não são suficientes

 

Em geral, a demanda por plástico reciclado permanece baixa, e os preços, altos, tornando mais lucrativo para as empresas usar plásticos recém-produzidos.

 

As iniciativas voluntárias não são suficientes, afirma Nusa Urbancic, diretora de campanhas da Fundação Changing Markets, com sede em Bruxelas, que trabalha para expor práticas corporativas irresponsáveis ​​e faz lobby por uma legislação mais abrangente sobre plásticos.

 

“Em vez de usar seu poder, dinheiro e recursos para impulsionar soluções, muitas vezes as empresas fazem o oposto”, disse Urbancic. “Elas se escondem atrás de compromissos voluntários para evitar fazer as mudanças que deveriam fazer.”

 

Na verdade, contou Urbancic, os compromissos voluntários são frequentemente uma tática consciente para procrastinar e se desviar da legislação progressiva.

 

Legislação impulsiona uso de plástico reciclado

 

Apesar da pressão dos fabricantes de plásticos, a União Europeia aprovou recentemente uma legislação ambiciosa: e acordo com a diretiva sobre plásticos de uso único, por exemplo, itens descartáveis, como sacolas plásticas, talheres e canudos, não podem mais ser distribuídos nos mercados da UE. Isso segue o exemplo de países africanos como a Eritreia, que proibiu as sacolas plásticas em 2005; Ruanda, em 2008; e Marrocos, em 2009.

 

A diretiva europeia também inclui a meta de incorporar pelo menos 25% de plástico reciclado em garrafas PET até 2025, e em 30% em todas as garrafas até 2030.

 

A nova legislação provavelmente explica em parte o rápido aumento dos compromissos sobre plásticos. “Ela fez as empresas perceberem que precisam intensificar seus esforços para atingir essas metas”, diz Urbancic. Agora, as próprias empresas estão até mesmo pedindo melhores sistemas de reciclagem para ajudá-las a cumprir suas obrigações legais.

 

Incentivo à “lavagem verde”

 

Mais iniciativas também estão inserindo promessas voluntárias das empresas em bancos de dados públicos. A União Europeia compila os comprometimentos na Plataforma Europeia de Partes Interessadas da Economia Circular, e a Fundação Ellen MacArthur, com sede no Reino Unido, coleta as iniciativas sobre plásticos dos signatários de seu programa Compromisso Global.

 

As promessas feitas à fundação variam muito em seu escopo. A Unilever, por exemplo, declarou que sua meta é reduzir o uso de plásticos recém-produzidos em 50%, de 2020 a 2025, mas a Ferrero prometeu apenas 10%. Já a produtora francesa de vinhos e destilados Pernod Ricard ofereceu apenas uma redução de 5%.

 

Copello, da Zero Waste, e Urbancic, da Fundação Changing Markets, consideram os compromissos voluntários solicitados pela Fundação Ellen MacArthur como menos eficazes do que a legislação vigente. Urbancic chamou essa estratégia de “política do pau e da cenoura”.

 

“As empresas não são obrigadas nem mesmo a revelar informações básicas, como suas pegadas plásticas. E os dados publicados não são verificados de forma independente.” Assim como outros esquemas voluntários, há o risco de o esquema ser usado como uma cortina de fumaça para facilitar a assim chamada “lavagem verde” e atrasar uma mudança real, critica a especialista.

 

Desacelerando o aumento da produção de plásticos

 

A Changing Markets recomenda que, no mínimo, as iniciativas voluntárias estabeleçam metas ambiciosas de participação, garantam que os membros informem seus progressos e tornem as empresas publicamente responsáveis por seu desempenho.

 

Nos próximos anos, a União Europeia planeja implementar uma legislação mais completa sobre plásticos no âmbito do Plano de Ação para a Economia Circular, que incluirá metas para a reciclagem de plásticos e medidas para evitar o desperdício de embalagens. E mudança é extremamente necessária: a produção global de plásticos ainda está crescendo e a previsão é que continue assim nas próximas décadas.

 

Para desacelerar ainda mais esse incremento, outros países precisariam seguir o exemplo. Dados mostram que as empresas só mudam de tática se pressionadas pela legislação, prestação de contas pública e exigências dos consumidores.

 

O próximo teste decisivo será em 2025, quando elas terão que cumprir suas promessas atuais sobre plásticos. Algumas agora são obrigatórias, pelo menos dentro da União Europeia.

 

Fonte: Julia Merk, DW, IstoÉ

 

Este projeto é uma colaboração entre vários meios de comunicação da Rede Europeia de Jornalismo de Dados. Enquanto DW foi líder do projeto, Alternatives Economiques, EURACTIV, Interruptor, OBC Transeuropa, Openpolis e Pod črto foram parceiros.


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