Varejo: Em época de dinheiro curto nos EUA, as vendas caem e a varejista busca economia
São duas horas da tarde de uma quarta-feira em Bentonville, cidade ao norte do Arkansas, região sul dos Estados Unidos. O verão americano tem se mostrado inclemente na cidade, perto de atingir a temperatura recorde de 1918, 105 graus Fahrenheit, algo como 40ºC. Mas a diretora internacional de sustentabilidade do Walmart, Beth Keck, veste um elegante blazer de lã cor de rosa. Dentro da sede da maior varejista do mundo, a sensação térmica é de 15ºC. "Moro a apenas cinco minutos daqui", diz Beth, executiva de quase 60 anos, de voz suave e pausada. "Mas venho de carro, porque é extremamente quente e também pouco seguro para andar de bicicleta", diz ela.
Na cidade de 60 mil habitantes, onde a velocidade média é de 60 quilômetros por hora, não há transporte público e a imensa maioria dos 15 mil funcionários da área administrativa do Walmart adota o meio individual de transporte. Quando estão sobre quatro rodas em Bentonville, ou em alguma das cidadezinhas próximas, apenas trocam a refrigeração da sala de trabalho pelo ar condicionado do carro, sempre ligados em alta potência.
Ironicamente, no relatório de sustentabilidade global do Walmart divulgado nesta semana, a emissão de gases de efeito-estufa - entre eles o dióxido de carbono, produzido a partir da queima de combustível - foi um dos pontos fracos da varejista, que vem se esforçando nos últimos cinco anos para tornar sua operação "mais verde". Sinal que ainda há trabalho para fazer da porta para dentro da companhia.
Este ano, a empresa anunciou um plano agressivo para eliminar 20 milhões de toneladas métricas de gás de efeito estufa em toda a sua cadeia de suprimento até o final de 2015. Isso equivale à emissão de 3,8 milhões de carros durante um ano. Além disso, o Walmart vem procurando convencer cada vez mais fornecedores - e mesmo outros concorrentes - a integrar o índice de sustentabilidade, uma nova medida que está sendo estudada pela Universidade do Arkansas para integrar o rótulo dos produtos, que passariam a apresentar uma espécie de RG do seu impacto ambiental. Até o momento, o projeto idealizado pelo Walmart envolve mais de 50 empresas, incluindo fabricantes das três categorias que serão rastreadas ? alimentos, higiene & beleza e eletrônicos. A expectativa é que o trabalho esteja pronto até 2015.
"Há cinco anos, quando lançamos nosso plano mundial de sustentabilidade, com investimentos de US$ 500 milhões, foi uma estratégia defensiva às críticas que o Walmart vinha recebendo", disse ao Valor Matt Kistler, vice-presidente de sustentabilidade da rede, referindo-se à imagem de gigante do varejo que oprime fornecedores e concorrentes com seu poder de escala. "Mas naquele momento não tínhamos percebido o quanto essa iniciativa poderia ser incrivelmente positiva para o desenvolvimento dos negócios, o engajamento dos funcionários, as relações públicas da rede", afirmou.
A proposta do Walmart em sustentabilidade está fundamentada em três grandes metas: adotar 100% de energia renovável, ter zero de desperdício e oferecer produtos sustentáveis. Os 15 países em que a rede atua, incluído o Brasil, trabalham nesse sentido. É um projeto de longo prazo, visando não só mudar a imagem do Walmart, mas ter um diferencial competitivo, já que a rede encomenda produtos exclusivos aos fornecedores.
A crise financeira, que estourou na segunda metade de 2008, fez a classe média americana visitar mais as "dollar stores" (semelhantes às "1,99" no Brasil), que vendem produtos de baixo custo e oferecem cada vez mais opções de grandes marcas.
Nesse cenário de dinheiro curto, que ajudou as vendas do Walmart a registrar queda de 1,4% no segundo trimestre, vale a pena continuar a investir em desenvolvimento sustentável, que gera produtos, às vezes, mais caros?
"O consumidor está sob pressão e não vai comprar um produto sustentável se o custo menor também não fizer parte do pacote", diz Kistler. Segundo ele, o Walmart tem trabalhado com seus parceiros para que o produto tenha menos perdas e custo menor, seja na fábrica ou ao longo do tempo, na casa do cliente (como as lâmpadas LED que duram anos). "Meu desafio para a cadeia de produção é: mostre-me por que esse produto não pode custar menos", diz o executivo.
Um grande exemplo vem do Brasil, com a marca de amaciante Comfort, da Unilever. Foi desenvolvida uma embalagem de meio litro, com o produto concentrado, equivalente à de dois litros oferecida até então. "Custa menos e oferece o mesmo rendimento", diz ele. "Com isso, há menos desembolso em embalagem, transporte, eletricidade, água", diz.
Outra recente tacada da rede são as lojas de "alta eficiência", ou HE (do inglês "high efficiency"). Trata-se de um modelo desenhado para aumentar entre 25% e 30% a eficiência energética do ponto de venda, em comparação ao que era adotado nas lojas abertas em 2005. No Brasil, foram abertas seis lojas com a proposta de consumir 25% menos de energia e 40% menos de água. O sétimo ponto de venda será inaugurado semana que vem, em Itu (SP), o que deve fazer com que o país lidere o número de lojas desse modelo. Nos Estados Unidos, são seis atualmente e, ao redor do mundo, são 20 unidades.
"Você só consegue esse nível de transformação quando todos os elos da cadeia estão trabalhando juntos", diz Kistler, lembrando que a rede também lançou um programa mundial de comprometimento dos funcionários com uma mudança em nível pessoal. Cada um, no seu país, pode compartilhar na rede interna da empresa suas próprias metas relacionadas a uma melhor qualidade de vida. A de Kistler é fazer exercícios três vezes por semana, durante pelo menos uma hora. A de Beth é fazer reciclagem.
Por enquanto, pelo menos em Bentonville, ninguém quer deixar o carro na garagem.
Veículo: Valor Econômico