Preço e estímulo à coleta são bases para reciclagem

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O preço é um dos fatores que explicam casos de sucesso e outros nem tanto na cadeia de reciclagem. É o que opõe a lata de alumínio, que tornou o Brasil campeão mundial na reciclagem desse material, a outros materiais como vidro e papel.

Um estudo da Consultoria Inter.B revela que enquanto o índice de reciclagem das latinhas saltou de 50% para 98,2% em menos de duas décadas, o do vidro saiu de 25%, mas só chegou a 47%. Já o de embalagens pet passou de 18,8% para 55,6% em quinze anos, enquanto o de papel variou de 37,5% para 43,7%.

O mais recente indicador de mercado do Cempre dá uma pista da disparidade. A tonelada da lata de alumínio prensada e limpa varia de R$ 2.000, em Rio Branco (AC), a R$ 3.100 em Porto Alegre (RS). A de pet fica entre R$ 500 na capital do Acre e R$ 1.900 em Itabira (MG). A tonelada de vidro incolor, que vale R$ 100 em Rio Branco, tem cotação máxima de R$ 265 em Itabira. O papel tem preço mínimo de R$ 100 na capital acreana e valor máximo de R$ 810 na cidade mineira.

Preços e estímulos à coleta pós-consumo e ao reaproveitamento dos materiais são fundamentais para a cadeia da reciclagem. Especialistas apontam realidades diferentes na capacidade instalada no país para o processamento dos produtos recicláveis, mas é fundamental baratear a logística de coleta e transporte para garantir a sustentabilidade dos negócios. Os gargalos e desafios são quase unanimidade. É preciso desde treinamento e capacitação dos gestores municipais para a valorização do investimento no tratamento de resíduo pós-consumo até o fortalecimento da indústria de reciclagem.

Desonerar a cadeia produtiva e aumentar o número de cooperativas de catadores são outros dois desafios. Todos defendem o fechamento dos lixões, que recebem 50% dos resíduos sólidos das grandes cidades, o que já está previsto em lei.

"Papéis, embalagens longa vida, latas de alumínio e garrafas pet já têm valores de mercado que viabilizam a reciclagem, mas para outros produtos a questão do preço e as condições de transformação são mais complicadas. Ainda existe uma demanda reprimida, mas com implantação do Plano Nacional de Resíduos Sólidos deve-se aumentar a capacidade de processamento", diz Walfredo Schindler, da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS).

"Só se fala de coleta, mas o gargalo está no consumo do produto reciclável. Qualquer material com valor inferior a R$ 300 por tonelada é economicamente inviável. Reciclagem é um processo logístico e o Brasil tem a logística mais cara do mundo", diz Adriano Assi, sócio-diretor da EcoBrasil, organizadora da Exposucata, feira internacional de negócios da indústria da reciclagem que será realizada de 11 a 13 de setembro em São Paulo.

"A reciclagem de latas de alumínio ilustra um ponto essencial: transitar para a economia verde, sustentável e inclusiva é um bom negócio para a sociedade", afirma o economista Cláudio Frischtak, da Inter.B.

O Brasil, que tem potencial de reciclagem de R$ 8 bilhões por ano, de acordo com estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), só recicla R$ 3 bilhões. A cadeia de reciclagem de latas de alumínio gira R$ 1,2 bilhão. A estrutura de coleta das latinhas envolve quase um milhão de catadores e cerca de 700 cooperativas. Foi o que permitiu a inclusão social de muita gente condenada ao trabalho nos lixões e reduziu parte das desigualdades. Uma pesquisa da Fundação Estadual do Meio Ambiente de Minas Gerais revela que as cooperativas aumentam a renda com uma jornada de trabalho menor na comparação com os não associados: 17,9% dos catadores cooperativados recebem entre R$ 601 e R$ 1.000 e 11,7% ganham acima de R$ 1.001, enquanto apenas 12,4% dos catadores de rua ganham até R$ 1.000 e só 4,6% têm rendimento acima desse valor.


Consumidor tem papel fundamental


   
Peça chave na cadeia de reciclagem, o consumidor deve passar a ser cada vez mais questionado a respeito de sua responsabilidade, conforme estabelecida pelo Plano Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Os acordos setoriais entre empresas e governo caminham para soluções de coleta de lixo que dependem da conscientização do consumidor e propõem um choque de educação ambiental no país. As entidades reunidas em torno da coalizão do Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre) já têm o compromisso de todo o varejo para campanhas de mobilização. A ideia é ensinar desde a separação dos resíduos até mudanças de hábito.

Ainda não há estimativa de custo, mas há a convicção de que as empresas têm mais capacidade que o governo para pilotar a primeira grande campanha nacional de educação ambiental. Entidades que representam consumidores aprovam, mas apontam gargalos que precisam ser contemplados.

"Se não houver negociação articulada entre vários atores sociais, passando pela educação do consumidor, o investimento do reciclador e a capacitação das empresas que usam matéria reciclável, o plano não avançará", diz Hélio Mattar, presidente do Instituto Akatu, que defende o consumo consciente para um futuro sustentável.

"Algumas empresas pensam em transferir o custo da coleta do lixo para o consumidor, mas ele não está disposto a pagar mais. Nem todos os fabricantes alertam sobre o manuseio dos produtos. Mas é preciso também chegar a um ponto de equilíbrio de consumo. Há um aumento de descarte porque artigos como celulares têm um marketing agressivo para a troca por modelos mais novos, enquanto outros produtos têm obsolescência programada", afirma Patrícia Guarnieri, da UNb.

Saídas para o problema são apontadas no Plano de Ação em Produção e Consumo Sustentáveis, lançado em novembro de 2011 pelo governo federal como parte do compromisso assumido pelo país com a Organização das Nações Unidas, em 2007, no Processo de Marrakesh. O PPCS, elaborado sob a coordenação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e do Departamento de Assuntos Econômicos da ONU, faz parte de um movimento global por um modelo econômico e social mais sustentável. No Brasil deve ser implantado em quatro anos e tem seis prioridades: educação para o consumo responsável, compras públicas sustentáveis, agenda ambiental na administração pública, aumento da reciclagem, varejo sustentável e construções sustentáveis.

Um estudo do Akatu apontou um exemplo da necessidade de mudança nos padrões de consumo. O impacto do descarte de uma família de quatro pessoas, ao longo dos 73 anos de expectativa de vida do brasileiro, implicaria a construção de três apartamentos de 50 m2 com três metros de pé direito para armazenar todo o lixo produzido por ela. Em uma cidade como São Paulo, com 17 milhões de habitantes, seria preciso construir 850 mil prédios de dez andares com dois apartamentos de 50 m2 por andar para guardar o lixo.

Gabriela Vuolo, da coordenação de mobilização do Instituto Alana, entidade preocupada com o consumismo infantil e os impactos da publicidade nas crianças, alerta que pensar em educação ambiental hoje para os adultos de amanhã implica cuidados que nem sempre estão sendo levados em conta nas negociações setoriais com o Ministério do Meio Ambiente. Criança, diz ela, não é para ser enxergada como consumidor. "Jogar na criança a responsabilidade da educação ambiental, embora ela também deva ser educada, parte de uma premissa equivocada se ela for encarada como consumidora", afirma Gabriela Vuolo.


Veículo: Valor Econômico


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