Carteira digital chega à boca do caixa

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Se o consumidor está cada vez mais conectado, os meios de pagamento on-line devem ir às compras com ele, o que implica mudanças que incluem desde o celular até o balcão do caixa. É com essa premissa que a empresa de tecnologia de pagamentos PayPal trabalha na evolução de sua carteira digital - sistema de pagamento via internet por meio de qualquer dispositivo -, hoje com mais de 106 milhões de usuários no mundo. A meta é integrar o sistema, de uso corrente na internet, às lojas físicas. No fim de janeiro, a companhia pertencente ao eBay criou uma loja-conceito em sua sede, na Califórnia, para mostrar aos varejistas como as novas tecnologias podem aprimorar a experiência de compra de seus clientes.

O showroom simula as compras do futuro em cinco ambientes: cafeteria, supermercado, butique, lojas de ferramentas e de decoração. A evolução dos meios de pagamento permitirá, por exemplo, que o consumidor use seu smartphone para reservar um par de sapatos, a partir de um código na vitrine da loja. Quando o potencial cliente vier à butique para experimentar os sapatos, o lojista já conhecerá seu perfil, com dados sobre medidas e estilo. Outras possibilidades incluem receber periodicamente a lista de compras do supermercado no celular, ser avisado de que aquela geladeira cobiçada está em promoção ou que o café da manhã já estará pronto para viagem quando o cliente passar na padaria, antes de ir para o trabalho.

A evolução do processo de pagamentos do PayPal tem início previsto em maio, quando a empresa pretende anunciar a nova versão. Atualmente, o usuário pode comprar em várias lojas na internet sem precisar fornecer suas informações financeiras, como número de cartão de crédito, a cada uma delas. A nova versão vai integrar cartões de fidelidade, cupons de desconto e funções de geolocalização. Também vai permitir que o cliente altere a forma de pagamento escolhida, a prazo ou à vista, mesmo alguns dias após a compra.

Time de peritos especializados trabalha para identificar e investigar transações com suspeita de fraude

As novas funcionalidades e alguns produtos da loja-conceito estão em teste em 2 mil lojas da rede americana de material de construção Home Depot. "Acreditamos que, em 2013, já teremos implantações dessas tecnologias em grande escala", disse o novo presidente do PayPal, David Marcus, em entrevista ao Valor, logo após ter sido nomeado para o cargo, no início do mês. A posição era ocupada por Scott Thompson, que deixou a empresa em janeiro, para assumir a presidência do Yahoo.

Sob a nova direção, o PayPal reforça a vocação para a mobilidade. Marcus ingressou na empresa em agosto de 2011, como vice-presidente da divisão mobile, após a aquisição da provedora de pagamentos móveis Zong, da qual era fundador.

Entre 2009 e 2011, o volume de pagamentos registrado pelo PayPal, por meio de dispositivos móveis, saltou de US$ 150 milhões para US$ 4 bilhões - o volume total transacionado pelas carteiras digitais da empresa foi de US$ 118 bilhões no ano passado.

A estratégia de facilitar o pagamento eletrônico engloba os pequenos comerciantes. Em meados de março, a empresa anunciou o PayPal Here, a combinação entre um aplicativo para smartphone e um acessório de leitura de cartões de tarja magnética, acoplado à saída de fones de ouvido do aparelho do varejista. O sistema permite que uma banca de frutas aceite pagamentos eletrônicos com cartões de crédito e débito, além de cheques e transferências. "O propósito é garantir que a pequena loja nunca perca uma venda por não aceitar alguma forma de pagamento", diz Marcus.

Inicialmente, o PayPal Here funciona com o iPhone, da Apple, em quatro mercados: Estados Unidos, Austrália, Canadá e Hong Kong. A previsão é expandir o serviço aos celulares com o sistema Android, do Google, ainda neste ano, e lançá-lo em outros países, incluindo o Brasil e países da Europa. Nesses mercados, o PayPal Here será adaptado para cartões com chip, mas ainda não há previsão de lançamento.

Sistema de pagamento digital da companhia movimentou, no ano passado, um total de US$ 118 bilhões

Embora o sistema de pagamento e o PayPal Here não tenham previsão de lançamento no Brasil, o país está no radar do PayPal. "Já temos uma massa crítica de usuários de smartphones, e podemos começar a pensar na criação desses tipos de experiência", diz Marcus.

No segundo trimestre, a empresa promete anunciar novos frutos de sua parceria com a operadora Vivo, que teve início com a oferta de recarga do celular via PayPal. Os executivos não revelam detalhes, mas as empresas já testaram pagamentos por mensagens de texto (SMS) em 2011. Outra possibilidade, exibida no showroom, é a substituição do cartão de débito ou crédito pelo número do celular, atrelado a uma senha, para pagamentos.

Até 2015, a expectativa é que o Brasil se torne a quinta maior operação do PayPal. Hoje, um ano e meio após a abertura da subsidiária brasileira, o sistema de pagamentos registra 3 milhões de usuários ativos e 30 mil vendedores no país, superando o México, com 2 milhões de usuários e 13 mil vendedores. "A natureza do Brasil e de outros países em crescimento é a grande demanda por serviços de pagamentos. O problema é que muitos desses pequenos comerciantes não são aceitos para oferecer cartões de crédito", diz Rohan Mahadevan, vice-presidente do PayPal para América Latina.

Vencer a barreira das fraudes nos pagamentos eletrônicos é um dos grandes desafios na América Latina. No ano passado, a empresa apostou em serviços de garantia de reembolso ao comprador e de pagamento ao vendedor, em casos de problemas com entregas ou pagamentos. Nos bastidores, além de alta tecnologia e certificações de segurança, o PayPal mantém uma espécie de "CSI" de pagamentos - um time de peritos especializados em identificar e investigar transações suspeitas. "Investimos mais de US$ 1 bilhão, em dez anos, para entender o produto on-line e ter certeza de que ele seria o mais seguro possível", ressalta o executivo.

Na visão da direção do PayPal, o processo de pagamento deve tornar-se invisível ao consumidor. "O melhor sistema de segurança é aquele que você não vê. Não é preciso atrelar o pagamento a um chip ou a um aparelho", afirma David Marcus. Para o executivo, o sistema deve ser independente de plataformas tecnológicas.

Coqueluche dos pagamentos móveis, o NFC está em prática ou é alvo de testes, no mundo todo, por operadoras de telefonia, administradoras de cartões, fabricantes de aparelhos e gigantes de internet como o Google. "As operadoras e a indústria de dispositivos móveis estão focadas em NFC porque essa é a única forma de controlarem pagamentos", argumenta o presidente do PayPal. "Mas a melhor solução para o consumidor pode não ser a melhor para a operadora de telefonia ou para a administradora de cartões."

"Acreditamos em pagamentos por aproximação e carteira na nuvem, e não no seu celular. Isso permite oferecer experiências [de compra] que observamos na loja-conceito. Você pode comprar pelo smartphone, pegar o produto na loja, ou comprar na loja e ter o produto entregue na sua casa. Isso envolve múltiplos dispositivos - seu computador, o celular, o tablet e, por que não, amanhã, sua TV inteligente", diz Marcus.

O ponto de vista do PayPal é compartilhado por concorrentes como o Mercado Pago. "Somos agnósticos quanto a mídias e aplicativos para meios de pagamentos", diz Marcelo Coelho, presidente do Mercado Pago no Brasil. A empresa, que investe no modelo de carteira digital desde 2004, registrou um volume de pagamentos superior a US$ 1,3 bilhão, no ano passado, com 14,3 milhões de compradores únicos e 5 milhões de vendedores - metade no Brasil e o restante entre suas operações internacionais (Argentina, Chile, Colômbia, México e Venezuela). Para Coelho, as principais barreiras para adotar o NFC no país são tanto a necessidade de trocar a base atual de aparelhos quanto a maior adesão a pacotes de dados. "Construir esse ecossistema vai levar algum tempo", afirma.


Embora o PayPal tenha um laboratório de testes para aplicações de NFC e a tecnologia esteja presente em alguns terminais de pagamentos de sua loja-conceito, Marcus diz acreditar que não há uso para um sistema dependente de chips, aparelhos e terminais específicos. Tudo pode ser feito pelo usuário, em seu dispositivo, via internet. "Quando eu for a um restaurante, quero usar meu smartphone para olhar o cardápio, fazer o pedido, pagar e simplesmente sair", diz o executivo. "É impressionante pensar que há menos de cinco anos não tínhamos um iPhone. Será que, nos próximos cinco anos, a melhor coisa que vamos desenvolver é encostar o celular para fazer um pagamento? Podemos fazer melhor do que isso."


Parceria com varejo ganha reforço



John Donahoe, presidente do eBay, é um entusiasta da mobilidade. Durante entrevista ao Valor, na sala de estar da loja conceito do PayPal criada na sede da empresa, em San Jose, na Califórnia, para demonstrar o futuro dos pagamentos, ele acessou o aplicativo móvel do eBay e tirou uma foto da estampa da almofada, no sofá. Em seguida, exibiu o resultado da busca na tela de seu iPhone, com uma série imagens de roupas e acessórios, seguindo o tema e as cores da estampa. "Você pode dizer, por exemplo, 'adorei seus sapatos', tirar uma foto deles e encontrar o mesmo modelo ou similares à venda", sugeriu.

Acrescentar recursos de reconhecimento de imagens e geolocalização [Donahoe também buscou as lojas mais próximas, on-line e físicas, com ofertas do console PlayStation pelo aparelho] reflete a estratégia do eBay e de sua empresa de pagamentos on-line, PayPal, de não perder o consumidor de vista, seja no desktop ou na loja com o celular.

Em 2011, o 'efeito smartphone' nas mãos do consumidor surpreendeu o presidente do eBay. Há um ano, quando esteve no Brasil, o executivo estimou que as transações com a carteira digital do PayPal pelo celular triplicariam de US$ 750 milhões em 2010 para US$ 2,25 bilhões em 2011. Na verdade, o volume mais do que quintuplicou para US$ 4 bilhões, no ano passado, e pode superar US$ 7 bilhões este ano. "Eu estava errado", admite. "O que mudou, no ano passado, é como as pessoas estão usando esses dispositivos conectados 24 horas por dia. Não se trata só de comprar ou pagar pelo celular, mas o papel do dispositivo em toda a experiência de compra.

O resultado desse novo comportamento de consumo é o fim da linha divisória entre o comércio on-line e o varejo físico. "Agora é só comércio", afirma Donahoe. "Acredito que de 20% a 30% do varejo estará próximo de um dispositivo móvel, nos próximos três ou cinco anos."

Desde o fim de janeiro, a loja-conceito do PayPal, em San José, na Califórnia, vem recebendo os varejistas interessados em saber como a tecnologia pode mudar a experiência de compra de seus clientes. "Como uma empresa de tecnologia somos capazes de ver o que o varejo não pode desvendar", diz Donahoe. "Moldei toda a nossa empresa para ser parceira desses grandes varejistas e ajudá-los a entregar o que os consumidores querem, quando e como", afirma.

Donahoe quer preparar seus novos parceiros para a mudança no papel da loja física. As lojas vão se tornar showrooms, sem necessidade de manter estoque. Basta ter um depósito.

Na visão de Alberto Sorrentino, gerente sênior da GS&MD -Gouvêa de Souza, consultoria especializada em varejo, o fim da fronteira entre comércio on-line e presencial não elimina o desejo do consumidor pela pronta entrega. "A marca deve se relacionar com o cliente e dar a opção de compra da forma como ele quiser", analisa. "As pessoas não fazem filas nas lojas da Apple só para comprar o produto, porque isso elas podem fazer on-line, mas elas buscam a experiência e querem comprar na hora", observa.

Entre os exemplos de multicanal, o consultor destaca o modelo 'drive-thru' adotado por redes de supermercado como Carrefour, Casino e Metro, na Europa. "O cliente compra pela internet, agenda um horário e passa com seu carro no depósito para pegar as compras", explica. "É uma opção interessante para quem não pode receber as compras em casa", explica.

A aliança com o varejo também é uma forma de colocar as soluções de pagamento do PayPal à frente de potenciais concorrentes como o Google, que lançou seu sistema de pagamento virtual e-Wallet, em junho do ano passado, nos EUA


Veículo: Valor Econômico


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