Pequenos varejistas foram obrigados a se modernizar rapidamente na pandemia, mesmo com a simples migração do telefone fixo para o WhatsApp a fim de não perder terreno nas vendas online e o lucro, se multiplicou
Quando a pandemia começou, em março do ano passado, Flávio Augusto Pandolfi, sócio-diretor do supermercado Yamato, com uma loja há 54 anos no bairro paulistano do Jabaquara, na zona sul, viu sua venda cair cerca de 30% do dia para noite. “O povo ficou dentro de casa e não veio para a loja”, lembra.
Em contrapartida, as duas linhas de telefone fixo, normalmente usadas para receber pedidos de clientes antigos, ficaram congestionadas. Era um funcionário anotando tudo, checando se havia o produto e ligando de volta para confirmar a encomenda, conta. Diante do grande volume de pedidos, a venda por telefone ficou inviável.
Mercadinhos
Sem conhecimentos de informática, Pandolfi pediu socorro ao filho, um engenheiro de 25 anos que, enquanto buscava uma colocação na sua área, decidiu ajudar o pai. “A ideia de fazer atendimento pelo WhatsApp foi do meu filho”, diz.
As ligações para as duas linhas fixas foram direcionadas para o celular com aplicativo de mensagens. E o resultado foi imediato. “Aqueles 30% de perda foram revertidos e explodimos de vender: cheguei a fazer 30 a 40 entregas por dia, antes eram de 10 a 15.”
A reviravolta nos negócios não atingiu apenas a loja de Pandolfi, mas milhares de mercados de vizinhança que tiveram um fôlego novo por causa do isolamento social. Com a pandemia, as pequenas lojas de bairro não ligadas a grandes redes varejistas ganharam a preferência da vizinhança e deram um salto tecnológico.
Sondagem realizada pelo Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios do Estado de São Paulo (Sincovaga) com 100 varejistas de pequeno porte na capital paulista revela que quase a metade delas (46%) teve aumento de vendas com a pandemia. Esse crescimento foi puxado pela vendas não presenciais, com 63% dos mercadinhos registrando acréscimo na modalidade de negócios a distância.
Os mercadinhos se modernizaram de forma abrupta e, por diferentes caminhos, ingressaram nas vendas online. A sondagem mostra que 70% dessas pequenas empresas vendem hoje por meio de aplicativos. No entanto, 73% delas não tinham esse canal antes da pandemia.
O presidente do Sincovaga, Álvaro Furtado, não considera essa mudança um salto tecnológico, mas “um soluço de sobrevivência”. “Ou essas pequenas empresas faziam isso ou morriam”, argumenta. Na sua avaliação, várias dessas empresas eram tidas como moribundas e conseguiram vida nova com a pandemia. Mas ele pondera que muitas, que não conseguiram se reinventar, não sobreviveram.
O avanço dos mercadinhos de vizinhança apareceu nos resultados da consultoria Nielsen que visita mensalmente mais de 1 milhão de estabelecimentos do varejo que comercializam alimentos, bebidas e produtos de higiene limpeza no País.
No primeiro trimestre deste ano, as vendas dos supermercados de bairro independentes, isto é, aqueles que não pertencem a grandes redes varejistas, cresceram 21,2% em valor e 9,4% em volume na comparação com o mesmo período de 2020, quando praticamente não havia pandemia, pois a crise sanitária começou em março.
Entre todos os formatos de varejo pesquisados pela consultoria, o desempenho em valor das vendas dos pequenos supermercados independentes nesse período só ficou atrás do atacarejo, que cresceu 23,1%. Ainda assim, os independentes superaram a média de todos os canais de venda, que avançou 16,3% em valor e 5,5% em volume no período.
Os destaques de vendas na pandemia foram os atacarejos e os supermercados de proximidade. O atacarejo, que vinha ganhando força desde crises anteriores, ganhou importância com o isolamento social porque a preferência foi por compras de grandes volumes e concentradas, observa Bruno Achkar, coordenador de atendimento ao varejo da consultoria.
“Já o avanço das lojas independentes ocorreu por conta da pandemia em razão das restrições ao descolamento”, afirma. Ele ressalta que as lojas independentes são muito importantes no abastecimento e respondem por um quarto das vendas totais em valor do varejo brasileiro de alimentos, bebidas, produtos de higiene e limpeza.
Investimento
Esse aumento no volume de negócios foi sentido por Eduardo Gandra, sócio do Supermercado Vip, com uma loja 550 metros quadrados que funciona há 29 anos no bairro paulistano do Tatuapé, na zona leste. Inspirado pelas filhas adolescentes que são ligadas à tecnologia, meses antes da pandemia, Gandra já tinha iniciado as vendas por meio de uma plataforma digital. “Só que os volumes eram muito tímidos”, observa.
Mercadinhos
Com a pandemia, no entanto, as vendas virtuais aceleram muito, pois quem já comprava por esse canal continuou e quem não usava passou a usá-lo. Resultado: o empresário teve de investir para atender a nova demanda. Comprou uma perua para entregas, reservou um caixa da loja para só registrar as vendas do aplicativo e contratou cinco pessoas para cuidar do delivery.
A venda online do supermercado, que cresceu 60% desde o início da pandemia, vem se mantendo. Os negócios da loja física aumentaram 20% no mesmo período e agora recuaram um pouco, mas o saldo ainda é positivo, diz o empresário, que tomou coragem para investir mais.
“Eu tinha planos de ampliar a loja, mas estava acomodado, a pandemia foi a gota d’água para estimular o investimento”, diz Gandra. Agora iniciou obras para ampliar em 200 metros quadrados a loja, que terá uma área reservada para as vendas online, melhor exposição de hortifrúti, além de um estacionamento para motos de entrega. “A tendência é que as vendas virtuais continuem aumentando e quero que elas, em um ano, representem dois dígitos no meu negócio.”
Pandolfi, do supermercado Yamato, diz que pretende continuar vendendo por aplicativos de mensagem, mas quer avançar. “A ideia daqui para frente é dar uma melhorada.” O plano, segundo ele, é colocar a loja em redes sociais, como Instagram e Facebook, e ter um aplicativo próprio.
Sondagem do Sincovaga captou a iniciativa desses empresários: 79% dessas pequenas lojas estão investindo em redes sociais e 28% criaram áreas físicas destinadas a vendas não presenciais.
Para o presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), Eduardo Terra, a venda online para os pequenos estabelecimentos veio para ficar, pois é sinônimo de conveniência. Ele alerta que, apesar dos porcentuais elevados de pequenas empresas que aderiram esse canal, ainda há o “negacionismo digital”. “Digitalização é rota obrigatória e urgente, quem não seguir esse caminho vai perder cliente.”
Fonte: Redação SuperHiper