Enquanto a taxa Selic é a menor da história, juros do cartão de crédito beiram os 280% ao ano
Há dez meses o Brasil vem mantendo a taxa básica de juros (Selic) em 6,5% ao ano. É o menor patamar da história. Mas os brasileiros ainda pagam juros que superam os 300% ao ano no cheque especial e beiram os 280% no caso do rotativo do cartão de crédito.
São distorções que afetam o consumidor, o comércio e os prestadores de serviço e sufocam a economia como um todo. Estudos apontam que o spread no Brasil, diferença entre o custo que os bancos têm para captar dinheiro e o que cobram de quem precisa dele, chega a ser 23 vezes maior que o registrado no Chile e 50 vezes maior que o praticado no Japão.
Uma das razões para essa disparidade é a combinação da concentração no setor bancário (os cinco maiores bancos no Brasil concentram 80% de todas as operações de crédito) com a verticalização em algumas modalidades de crédito (os mesmos bancos controlam as emissoras de cartões, as bandeiras e as credenciadoras, dominando cerca de 85% desse mercado).
“Qualidade de serviço só melhora com concorrência. Preço também só cai com concorrência. E preço, nesse caso, são os juros cobrados dos consumidores. Eles não vão cair no Brasil enquanto persistirem essa concentração e essa verticalização. Não vão cair com um conjunto pequeno de empresas controlando todos os elos de um setor, o financeiro”, afirma Paulo Solmucci, diretor da União Nacional de Entidades do Comércio e Serviços (Unecs) e presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel).
Solmucci estuda o assunto há vários anos e vem acompanhando as discussões no Legislativo e no Executivo federais que visam à redução do spread bancário.
No início do mês passado, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado aprovou um relatório intitulado “Inovação e Competição: Novos Caminhos para Redução dos Spreads Bancários”, no qual lista várias medidas para atacar o problema.
Uma delas trata especificamente da verticalização. A comissão recomenda que o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) avalie a “possibilidade de impedir que o mesmo grupo financeiro seja controlador de empresas que atuam em todos os elos do sistema de pagamentos com cartões: bandeira, emissora e credenciadora”. E ressalta que já existem países que adotam esse caminho, como Israel, Chile, Argentina, Austrália e Estados Unidos, além da União Europeia.
A comissão afirma também que “é preciso criar mecanismos que estimulem a entrada de novos participantes no mercado e que eliminem práticas anticompetitivas e outras barreiras à competição, sejam elas regulatórias ou de caráter legislativo”.
“Os EUA não permitem essa Concentração bancária e verticalização fazem Brasil ter taxas recordes de juros. Enquanto a taxa Selic é a menor da história, juros do cartão de crédito beiram os 280% ao ano verticalização. É o que defendemos para o Brasil. Mais ‘players’ e mais concorrência em benefício do consumidor”, diz Solmucci.
Na sequência da aprovação do relatório pela CAE no Senado, o tribunal do Cade determinou a abertura de inquérito administrativo para que sejam apuradas práticas anticompetitivas no mercado financeiro e de meios de pagamento eletrônico, especialmente aquelas provocadas pela verticalização do setor.
O tema tem sido recorrente no Cade. Em audiência pública em novembro, o presidente do órgão, Alexandre Barreto, afirmou que a autarquia, em conjunto com o Banco Central, tem buscado soluções para o aumento da competitividade no setor.
Afirmou também que vários agentes apontam preocupações no sentido de que a verticalização do setor de pagamentos tem sido mais prejudicial do que benéfica ao restringir a concorrência e dificultar o ingresso de novas empresas.
“O Cade entende que é necessário participar mais ativamente no processo de discussão a respeito de possíveis soluções para a melhoria do ambiente competitivo no sistema financeiro”, afirmou Barreto na audiência.
PREJUÍZO EM TODA A CADEIA
No caso dos cartões de crédito, a concentração e a verticalização têm efeitos em toda a cadeia. Com pouca concorrência, o comércio e o setor de serviços pagam taxas maiores para operar com cartões de crédito. Se alguns poucos conseguem repassar esse custo para os preços, os demais reduzem as margens.
Além disso, têm dificuldade na negociação de recebíveis e são obrigados a aceitar altas taxas na antecipação dos créditos.
Já o consumidor, diante do peso das dívidas, evita o consumo.
“A cadeia toda está sendo contaminada pelo custo do dinheiro no país”, afirma Solmucci.
O autor do relatório aprovado na CAE do Senado, senador Armando Monteiro, afirmou à época da votação que o comércio é um dos setores mais penalizados pela verticalização ao ser submetido a condições inadequadas na hora de negociar seus recebíveis. É preciso que isso acabe, defendeu.
No mesmo dia em que a comissão do Senado aprovou o relatório sobre o spread bancário, dia 4 de dezembro passado, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) lançou uma campanha em que defende uma série de iniciativas que devem ser tomadas para que ele caia. Entre elas o combate à inadimplência e a redução dos depósitos compulsórios e da carga tributária sobre o setor.
“Curiosamente, nada falam sobre a verticalização, que é um ponto fundamental para a redução dos juros e que está em pauta tanto no Congresso quanto no Executivo”, afirma Solmucci.
Fonte: Folha de S. Paulo