Aquecimento global dá nova vida ao espumante inglês

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Os ingleses inventaram o vinho espumante no fim do século XVII, mas não conseguiram lucrar com ele porque seus verões frios e úmidos só geravam uvas ruins. Três décadas depois, um monge francês chamado Dom Pérignon adaptou a ideia e criou a famosa bebida, o champanhe.

 

Mas os britânicos estão começando a recuperar um pouco de terreno. Em janeiro, um obscuro espumante da vinícola britânica Nyetimber Estate foi coroado como o "melhor espumante do mundo" num prestigioso concurso na Itália, derrotando uma dezena de champanhes, como o Roederer, o Bollinger e o Pommery. Ano passado, quando o Reino Unido sediou a reunião do G-20, outro espumante da Nyetimber foi servido ao presidente americano Barack Obama, à chanceler alemã Angela Merkel e ao presidente francês Nicolas Sarkozy.

 

O espumante inglês está em ascensão em parte graças a melhorias nas técnicas de produção.

 

Mas alguns vinicultores dizem que têm recebido ajuda de um fator inesperado: o aquecimento global.

 

Dados oficiais indicam que os últimos dez anos foram os mais quentes já registrados mundialmente.

 

Na Inglaterra, isso permitiu o surgimento de uvas mais carnudas e maduras na maioria das safras, especialmente úteis para vinhos borbulhantes. O número de vinhedos no país subiu de 363 em 2000 para 416 em 2008, segundo a associação Produtores Ingleses de Vinho.

 

"Apenas 20 anos atrás era muito difícil fazer um bom vinho em áreas de clima mais frio", diz Gregory Jones, da Universidade do Sul do Oregon, dos Estados Unidos, que estuda os efeito da mudança climática na indústria mundial de vinhos. "Agora o desafio não é mais tão grande assim."

 

Com a ajuda dos verões mais quentes, "sumiu parte do risco de fazer vinho espumante aqui", diz Mike Roberts, fundador e enólogo mestre da Ridgeview, que fica nesta cidade 72 quilômetros ao sul de Londres. "Temos todas as condições de suplantar o champanhe de Champagne."

 

No ano passado, o quinto mais quente de que se tem registro, as uvas da Ridgeview amadureceram duas semanas antes do normal, permitindo a colheita antes da chegada das chuvas de outubro.

 

Roberts e outros vinicultores ingleses dizem que a safra de 2009 foi uma das melhores que eles já viram.

 

A maioria dos conhecedores de vinhos insiste que nenhum espumante pode suplantar a amplitude, sofisticação e sabor do champanhe, cuja denominação é determinada pela origem na região de Champagne, no nordeste da França. Mas a efervescência inglesa está estourando um pouco as bolhas francesas.

 

Os vinhos de Roberts já venceram dezenas de prêmios, como uma medalha de ouro e outra de prata no Effervescents du Monde, um concurso internacional realizado na França. Outro espumante da Ridgeview, um blanc de blanc, ou vinho feito apenas com uvas Chardonnay, foi servido numa festa de 2006 que celebrou os 80 anos da rainha Elizabeth.

 

Muitos vinhos ingleses não efervescentes, como as variedades branco e rosê, são considerados aguados e ácidos. Como o clima aqueceu, eles também se beneficiaram e ficaram menos ácidos e mais frutados. Os tintos ingleses ainda lutam por reconhecimento, em parte porque essas uvas precisam de um clima muito mais quente para amadurecer bem.

 

Os vinhos espumantes foram os que mais melhoraram porque os verões mais quentes e secos na Inglaterra passaram a gerar uvas mais suculentas e de sabor mais variado - mas continuam suficientemente frios para criar a acidez provocante crucial para um bom espumante.

 

Os romanos introduziram a produção de vinhos na Inglaterra após invadirem as ilhas no ano 43. Em meados do século XVII, o cientista inglês Christopher Merret descobriu que a adição de açúcar ao vinho acabado gerava uma segunda fermentação e uma bebida espumante.

 

Depois, Dom Pérignon descobriu que era possível produzir o vinho misturando uvas de vinhedos diferentes - uma evolução importante que criou uma vantagem para os produtores franceses de espumantes.

 

A produção anual de Champagne, de cerca de 320 milhões de garrafas, é muito maior que a de espumantes da Inglaterra, atualmente de 1,4 milhão de garrafas. Mas representantes das grandes vinícolas de Champagne, como a Louis Roederer (produtora do Cristal), a Pol Roger e a Duval-LeRoy já visitaram a Inglaterra para adquirir vinhedos - e os novos concorrentes menores.

 

Roger Bégault, diretor de exportação da Duval-LeRoy, fundada em 1859, reconhece que vários espumantes ingleses são "agradáveis e bem-feitos". Há alguns anos, um emissário da Duval-LeRoy visitou o sul da Inglaterra para estudar a implantação de vinhedos na região. Mesmo assim, insiste, "o champanhe só vem de Champagne!"

 

A elevação da temperatura também ajudou os produtores de Champagne. Mas se a tendência continuar os champanhes mais baratos podem ser desafiados, pelo menos no preço. As garrafas britânicas custam entre US$ 27 e US$ 37, quase o mesmo que os champanhes que não são de safras famosas, e muito menos que as safras especiais engarrafadas nos melhores anos.

 

O Reino Unido é o maior importador de champanhe do mundo e a demanda voltou a crescer. Das 3,1 milhões de garrafas de vinho britânico produzidas em 2009, cerca de 45% eram da variedade espumante, segundo uma estimativa da Produtores Ingleses de Vinho. Em 2005, apenas 20% das garrafas produzidas no país eram espumantes.

 

A Waitrose, uma rede de supermercados que tem 61% do mercado de vinhos ingleses, tem vinhedo próprio. Outro projeto de produção de vinhedos surgiu a apenas 19 km de Londres. Um produtor local planeja plantar um vinhedo minúsculo no coração da capital, perto da Estação Kings Cross.

 

Engordar o mercado não tem sido nada fácil. No início dos anos 90, quando Roberts, da Ridgeview, pediu um empréstimo bancário para fundar sua vinícola, o financiamento foi rejeitado. "O gerente do banco me disse: 'Você é louco'", disse Roberts.

 

Usando recursos próprios e outro empréstimo, Roberts plantou as primeiras parreiras em 1994 e contratou três consultores, dois deles de Champagne. Ele decidiu produzir o espumante porque o sul da Inglaterra tem um solo calcário semelhante ao de Champagne, e fica apenas 141 km ao norte da região francesa.

 

Todos os produtos da Ridgeview recebem o nome Merret, uma homenagem ao cientista britânico do século XVII. Desde 1996, quando a vinícola produziu 20.000 garrafas, a produção aumentou quase dez vezes.

 

Veículo: Valor Econômico


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